A intenção da Câmara dos Deputados e do  Senado da República, em intervir em contratos privados de compra e distribuição de energia elétrica, causou inquietação no setor. O objetivo do presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é postergar o aumento de até 34% na tarifa de energia, aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para evitar problemas eleitorais. Mas isso não significa que o aumento deixará de ocorrer.

O objetivo de Lira, exposto em entrevista ao Valor Econômico, é pressionar a agência reguladora para adiar os reajustes para 2023, assim como rever ‘pontos subjetivos de contratos’ das distribuidoras. A questão foi apresentada pela bancada do Ceará, que utilizou um estudo da OAB daquele estado para apontar as “subjetividades”.

O economista Vivaldo Lopes, ouvido pelo Estadão Mato Grosso, não hesita ao criticar a iniciativa da Câmara dos Deputados para barrar o aumento da energia via decreto legislativo. “É um Frankenstein jurídico e econômico. A Câmara dos Deputados está querendo cometer todos os erros possíveis com essa medida”, afirma Vivaldo.

Além da preocupação com os aumentos nas contas de luz, que variam entre 9% a 34% nos estados (em MT é de 20,36%), há outro componente: a inflação, que terá espaço garantido nos debates eleitorais, que serão travados após o mês de julho. De acordo com Lira, o aumento da energia não tem nada a ver com o governo, mas impacta a inflação de maneira muito forte.

“Sob a ótica econômica, ótica jurídica, é um absurdo dos absurdos. O Brasil avançou bem quando privatizou o fornecimento e transmissão de energia elétrica, é um mercado que vem amadurecendo e está bem regulado”, afirma Vivaldo. O economista ainda alerta que a Câmara dos Deputados está “empurrando o problema”, em vez de resolver.

Além disso, manda uma mensagem negativa para as empresas que avaliam investir no Brasil, pois não transmite segurança jurídica do investimento.

“O mercado investiu considerando a segurança jurídica e econômica para um contrato de longo prazo. Então, o Congresso, de repente quer meter o dedo, dizendo que juridicamente ele pode interferir e anular contratos de concessão, operação e fornecimento de energia elétrica. E, ao mesmo tempo, interferir na agência reguladora. É o pior dos mundos”, resume.

Representantes do setor já descartaram até mesmo sentar à mesa para debater o assunto. A avaliação é que as distribuidoras são responsáveis por ‘recolher’ o dinheiro e pagar toda a cadeia produtiva, desde a compra da energia das hidrelétricas ou termelétricas, arcar com custos de distribuição e recolher os encargos e tributos. O valor dos encargos e tributos corresponde a 49% do preço da fatura.

De acordo a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), as distribuidoras ficam com apenas 20% do valor da energia. Todo o restante é distribuído para a cadeia produtiva do setor. Além disso, a associação aponta que as contas estão defasadas em razão da crise hídrica, obrigando as distribuidoras a comprar energia das térmicas, que usam o diesel para geração.

Uma possível solução defendida pela Abradee é a reavaliação da necessidade da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo para bancar ações e garantir a universalização do fornecimento de energia elétrica no país. Esse fundo vai impactar em mais de R$ 32 bilhões nas contas de energia.
(Felipe Leonel / Repórter em O Estadão Mato Grosso)