Imagem aérea do templo em Abu Ghurab, no Egito — Foto: Ministério das Antiguidades e do Turismo

Após um século de tentativas frustradas, arqueólogos anunciaram a descoberta de um templo solar monumental construído há cerca de 4.500 anos para o faraó Nyuserre, um dos principais reis da Quinta Dinastia do Egito. As ruínas pertencem ao chamado “Templo do Vale”, do complexo solar do soberano, e foram localizadas em Abu Ghurab, nas proximidades da necrópole de Abusir, ao sul de Cairo.

Essa descoberta é fruto do trabalho de uma missão arqueológica italiana liderada pelos egiptólogos Massimiliano Nuzzolo, da Universidade de Turim, e Rossana Pirelli, da Universidade de Nápoles. Segundo a dupla, mais da metade do templo já foi escavada, revelando um edifício com 1.000 m² e um traçado arquitetônico único, que o coloca entre os maiores e mais relevantes templos do vale na necrópole de Mênfis.

Mohamed Ismail Khaled, secretário-geral do Conselho de Antiguidades do Egito, ressaltou, em comunicado compartilhado nas redes sociais no dia 12 de dezembro, que o templo de Nyuserre é um dos raros exemplos de templos solares definitivamente identificados do Antigo Império. Sua localização havia sido apontada pela primeira vez em 1901, mas o alto nível do lençol freático postergou a condução de escavações até agora.

Arquitetura monumental e vestígios do culto solar

As escavações recentes revelaram a entrada principal do templo. Ela estava soterrada a uma profundidade de aproximadamente 1,2 metro, sob sedimentos do rio Nilo, que foram acumulados ao longo de milênios.

Os arqueólogos identificaram o piso original, a base de uma coluna de calcário e restos de uma coluna circular de granito, provavelmente pertencente ao pórtico de acesso ao complexo. Também foram encontrados elementos arquitetônicos preservados em posição original, como portas e lintéis de granito, além de trechos da cobertura de pedra das paredes do corredor que ligava o portão à rampa ascendente.

Pedras gravadas com hieróglifos foram descobertas — Foto: Ministério das Antiguidades e do Turismo
Pedras gravadas com hieróglifos foram descobertas — Foto: Ministério das Antiguidades e do Turismo

De acordo com Mohammed Abdel-Badii, chefe do Setor de Antiguidades Egípcias do Conselho, uma temporada anterior de escavações já havia revelado um portal completo de quartzito em excelente estado de conservação. Ali identificou-se vestígios de uma escadaria interna que possivelmente conduzia ao terraço do templo, no setor noroeste, sugerindo a existência de uma entrada secundária.

Neste trabalho atual, os investigadores ainda encontraram uma rampa inclinada que provavelmente conectava o templo ao rio Nilo ou a um de seus antigos braços. A estrutura segue padrões arquitetônicos típicos dos complexos reais da Quinta Dinastia, como o Templo do Vale do faraó Sahure, em Abusir.

De santuário real à ocupação residencial

Para além das estruturas monumentais, a missão encontrou um conjunto expressivo de objetos arqueológicos. Entre eles estão duas peças de madeira do jogo egípcio senet, frequentemente comparado ao xadrez moderno, que oferecem pistas raras sobre práticas recreativas associadas ao espaço do templo. Outro achado de destaque é uma grande soleira de pedra com inscrições hieroglíficas que incluem um calendário de festivais religiosos e menções diretas ao nome do rei Nyuserre.

Fragmentos de calcário branco finamente esculpidos e grandes quantidades de cerâmica também foram recuperados. Os materiais cerâmicos abrangem um amplo período cronológico, que vai do final do Antigo Império ao início do Médio Império, com predominância de peças do Primeiro Período Intermediário – uma fase marcada por instabilidade política e pouca documentação histórica.

Duas peças de madeira do antigo jogo egípcio Senet — Foto: Ministério das Antiguidades e do Turismo
Duas peças de madeira do antigo jogo egípcio Senet — Foto: Ministério das Antiguidades e do Turismo

Essas evidências indicam que, após deixar de funcionar como local de culto real, o templo foi reutilizado como um pequeno assentamento residencial por comunidades locais durante o Primeiro Período Intermediário. Para os pesquisadores, essa transformação oferece informações valiosas sobre a vida cotidiana na região de Mênfis e sobre a adaptação de antigos espaços sagrados em um contexto de enfraquecimento do poder central faraônico.

A missão italiana planeja continuar as escavações nas próximas temporadas, com a expectativa de revelar novos dados sobre a origem e a evolução dos templos solares no Egito antigo.

(Por Arthur Almeida)