Sadio Mané é a maior referência para quem joga futebol em Senegal. O atacante do Bayern de Munique, ex-Liverpool, é o maior artilheiro da história da seleção local, disputou Olimpíadas, Copa do Mundo e fez carreira na Europa. Bem distante do astro, em um modesto clube brasileiro, outro Mané senegalês se inspira no xará e confia no esporte para mudar de vida.

Aos 20 anos, Alioune Badara Mané está a mais de 5 mil quilômetros do seu lar para buscar o sonho de ser jogador profissional.

Nascido em Zinguinchor, cidade de pouco mais de 200 mil habitantes no sul do Senegal, Mané viu seu destino virar por meio do futebol, uma das poucas atividades que permite ao cidadão senegalês que mora em regiões periféricas a possibilidade de ter um futuro melhor.

Filho de um ajudante de pedreiro e de uma vendedora, o garoto foi descoberto em um projeto social no país que tem parceria com o Comercial de Tietê, time centenário do interior de São Paulo.

Foi então que o jovem embarcou para o Brasil em sua primeira experiência longe da família.

A mudança de cidade, estado ou país é comum na carreira. Para Mané, porém, esse processo foi mais doloroso, já que ele teve que superar diferenças culturais e de comunicação para ter uma chance.

– O dia que me falaram que eu viria para o Brasil fiquei muito feliz. Sei que aqui é o país do futebol, sair de lá foi um pouco difícil para mim, mas essa é a vida do futebol e dos jogadores. Quando cheguei aqui foi muito difícil para falar por causa da língua, mas tentei desenrolar. A tia Adriana me ajudou muito a conversar, sempre usávamos o tradutor no celular. Agora estou melhorando – disse Mané em entrevista ao ge.

“Sempre gostei de futebol, desde criança. Eu saía da escola e ia jogar, é meu sonho ser um grande jogador, o mundo inteiro me conhecer e ganhar muitos troféus”, conta Mané.

Adaptação ao idioma e cultura

Mané chegou ao Brasil no início de 2022, aos 19 anos. Problemas de documentação impediram que ele disputasse campeonatos oficiais organizados pela Federação Paulista de Futebol, por exemplo. Apesar disso, conseguiu se destacar em torneios não oficiais.

A adaptação nos mais de 12 meses em que vive em Tietê, cidade com pouco mais de 45 mil habitantes e distante cerca de 150 quilômetros da capital São Paulo, foi gradual e contou com apoio de uma assistente social, que virou uma espécie de mãe do jogador no Brasil.

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê, ao lado da assistente social — Foto: Emilio Botta

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê, ao lado da assistente social — Foto: Emilio Botta

Entre traduções em aplicativos no celular e mimicas, Mané hoje fala um português próximo da perfeição. A responsável por isso foi Adriana Guberofich, que tem como foco o acolhimento de atletas no Comercial de Tietê.

– O importante foi o acolhimento que ele teve. Eu enxergo no menino não apenas o atleta, mas os valores familiares para você entender todo o processo. O Mané teve um caminho a mais para entender a nossa fala, como se comunicar. Em um primeiro momento, a nossa conversa era toda traduzida no WhatsApp, também tinha a mimica, aos poucos a gente foi trocando algumas palavras do francês nas nossas conversas e ele foi fazendo o download – explica Adriana.

“O que eu mais gosto aqui do Brasil é a resenha, de brincar e sair. Gosto de dançar”, revela Mané.

 

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê — Foto: Divulgação/Comercial de Tietê

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê — Foto: Divulgação/Comercial de Tietê

Além do idioma e da comunicação diária para tarefas simples do dia a dia, como pedir um medicamento ou comida, por exemplo, Mané passou a aprender novos costumes. Vindo de uma realidade distinta, o jogador foi orientado até mesmo em questões básicas, como a higiene pessoal.

– Muitas vezes os nossos atletas reclamando do que tem, a realidade que ele nos mostrou é diferente. Quando ele vai em uma consulta na Santa Casa, por exemplo, ele pergunta se não vamos pagar nada pelo medicamento, atendimento. Mesmo não sendo o que a gente entende que seria o melhor em um atendimento público, ainda é melhor que muitas realidades.

– Tivemos atletas aqui que mostraram para ele onde era o banheiro, local onde fazemos as necessidades, tomamos banho. Aqui a gente toma banho mais de uma vez por dia, treinou você toma um banho. Citou várias coisas básicas, não que ele não trouxesse, mas para ele se sentir mais acolhido e em casa. Os outros atletas tiveram enorme participação, ele sempre esteve aberto para receber o carinho e o puxão de orelha. Está sendo uma troca e experiência bacana – explica Edmundo Ferrari, gerente de futebol do Comercial.

Fã de Raphael Veiga e do Palmeiras

Sadio Mané é o goleador máximo da seleção de Senegal, com 34 gols em 94 jogos oficiais. Ele disputou os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, as edições da Copa Africana de Nações de 2015, 2017, 2019 e 2021, e a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. No Catar, acabou ficando fora por conta de uma lesão.

O Mané “brasileiro” quer seguir o mesmo caminho do ídolo na seleção. E jogando por um gigante brasileiro.

“Meu sonho é jogar a final da Copa do Mundo e ser artilheiro. E ganhar muitos troféus. Gostaria de jogar no Palmeiras”, sonha Mané.

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê — Foto: Reprodução/Instagram

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê — Foto: Reprodução/Instagram

O xará que busca trilhar os mesmos passos do jogador do Bayern de Munique espera também poder usar o futebol para melhorar as condições da família, que segue morando em Senegal, e também das pessoas no seu país natal.

– Quando estava lá era difícil, você treina muito e voltava para casa e era difícil comer bem. Você come, mas não tinha muitas condições. É difícil ter chuteira, mas trabalhei muito porque era meu sonho, não dava para desistir. Acredito que vou realizar meu sonho, também dar condições melhores para a minha família – relembra.

Sadio Mané é a grande referência para quem quer ser jogador de futebol em Senegal  — Foto: Sebastian Frej/Getty Images

Sadio Mané é a grande referência para quem quer ser jogador de futebol em Senegal — Foto: Sebastian Frej/Getty Images

O paixão pelo futebol brasileiro faz Mané sonhar com duas coisas: jogar no Palmeiras e ao lado de Raphael Veiga. Atacante de beirada de campo e centroavante, o senegalês admira o futebol do meia palmeirense e imagina uma parceria no futuro.

– Aqui no Brasil o jogador que mais gostei foi o Raphael Veiga, o estilo de jogo dele eu gosto. Se Deus quiser vou jogar com ele. O Mané é minha referência também, não conheço ele e quero jogar junto com ele na seleção, vai dar certo.

Alvo de grandes clubes

Mané vive um ano decisivo na carreira. Aos 20 anos, a atual temporada é a última dele em uma categoria de base. Como o Comercial de Tietê não possui um time que disputa competições no profissional, o jogador aposta em um bom desempenho no Campeonato Paulista sub-20 para poder seguir atuando no Brasil.

Mané em golaço marcado pelo Comercial de Tietê  — Foto: Divulgação/Comercial de Tietê

Mané em golaço marcado pelo Comercial de Tietê — Foto: Divulgação/Comercial de Tietê

Apesar de estar disputando a primeira competição oficial no país, o atacante tem despertado o interesse de vários clubes. Recentemente, olheiros ligados ao Grupo City foram a um jogo do Comercial para observar o jogador.

– O Mané chegou no começo de 2022, com muita vontade de jogar bola e por questões burocráticas acabou jogando torneios regionais. Esse ano será a estreia no Paulista sub-20, chamando atenção de grandes clubes e empresários. Temos recebido algumas propostas, mas avaliado o melhor para o futuro dele.

– A gente joga contra clubes da região, eles têm monitorado ele. O XV de Piracicaba, Capivariano, Desportivo Brasil, Bragantino, Palmeiras. Fizemos um amistoso contra o São Paulo e ele foi um dos selecionados. O pessoal está monitorando ele, alguns clubes da Europa, Espanha e Portugal que acompanham através das redes sociais. Não apenas o Mané, mas outros jogadores do nosso sub-20 – conta Murilo Miura, presidente do time do interior de São Paulo.

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê — Foto: Divulgação/Comercial de Tietê

Mané, atacante senegalês do Comercial de Tietê — Foto: Divulgação/Comercial de Tietê

Desde que chegou ao Comercial de Tietê, Mané marcou 28 gols em 36 jogos, sendo 34 deles como titular, além de quatro assistências.

Em quatro jogos disputados no Campeonato Paulista Sub-20, Mané marcou dois gols. O Comercial venceu um jogo, empatou dois e foi derrota uma vez, ocupando a quarta colocação do Grupo 6. Os dois melhores classificados, além dos seis melhores terceiros colocados, avançam para a segunda fase do estadual.

Comercial de Tietê

Fundado no dia 2 de junho de 1920, o Comercial de Tietê ficou 13 anos afastado de qualquer atividade no futebol, seja ela profissional ou de base, retornando gradativamente em 2021. Há quase seis ano na gestão do clube, um grupo de empresários tem como parceiros o projeto “Cidadãos do Futebol”, que atende cerca de 300 crianças e tem o ex-jogador César Sampaio como fundador.

César Sampaio e membros da comissão técnico em visita ao Comercial de Tietê — Foto: Reprodução/Instagram

César Sampaio e membros da comissão técnico em visita ao Comercial de Tietê — Foto: Reprodução/Instagram

Além de Murilo Miura, atual presidente, o Comercial tem entre os parceiros e investidores o ex-vice presidente do Real Madrid José Ignácio Riveiro, além de um executivo ligado a um banco espanhol. O clube disputa, além do sub-20, competições sub-15 e sub-17. Um retorno ao futebol profissional não está descartado futuramente. (GE)