Embora tenha sido imortalizado por imagens de raios que caíram em Cuiabá, registrados em inúmeros cliques espetaculares, o repórter fotográfico Fablício Rodrigues deve ficar na memória de cada um como quem fazia da simplicidade sua maior virtude e das poucas palavras um imenso discurso. Por vezes, ele dava respostas sábias com simples silêncio.

Demorei para escrever, porque o abatimento foi forte, com a perda de mais um dos amigos da comunicação. Não tinha palavras. Comecei o texto várias vezes e desisti. Todavia, lembrei-me de que fui desafiado pelo jornalista Max Aguiar, meu afilhado, pelo texto do réquiem, em  homenagem póstuma a Fablício.

Resolvi rememorar fatos sobre o Fablício Rodrigues Barros. Conheci-o em 1990. Na época, ele deveria ter no máximo 16 anos. Talvez 17 anos. Ele foi-me apresentado pelos repórteres fotográficos Maurício Barbant (in memorian) e Jupirany Devillart, seu cunhado.

Para os amigos próximos, era o Fafá. Nos primórdios, rejeitava o apelido, por ser considerado inapropriado para um homem acima de 1,90 de altura e sempre com barba por fazer. Com o tempo, virou sua marca, no fotojornalismo e na vida.

De certa forma, creio que contribui um pouquinho para o ingresso do amigo Fablício, na imprensa, no primeiro semestre de 1990. O jornal “A Gazeta”, fundado por João Dorileo Leal, necessitava de um laboratorista. Sim, eram tempos de jornal impresso, em preto e branco.

Os repórteres fotográficos saíam com a equipe e faziam seus registros de imagens. Geralmente, em filmes de 36 poses, em preto e branco. Traziam para o laboratorista revelar e copiar o produto do fotojornalismo daquele dia ou daquela semana.

Então, no começo do jornal “A Gazeta”, o repórter fotográfico Jupirany Devillart indicou Fablício como laboratorista. No fumódromo, eu endossei o pedido para o então editor-chefe, jornalista Lúcio Tadeu (in memorian) e para o editor adjunto, jornalista Mauro Camargo, que depois foi ex-secretário de Estado de Comunicação.

Mauro Camargo bateu o martelo e a vaga de laboratorista foi para Fablício. Em poucos anos, ele surgiu de máquina no pescoço, se tornou repórter fotográfico, conquistando vários prêmios por trabalhos respeitados em Mato Grosso e até mesmo em nível nacional. Passou pelos jornais Folha do Estado e Folha do Cerrado (de Sorriso), e alguns sites noticiosos.

Nos últimos tempos, a imprensa mato-grossense perdeu vários profissionais de alto nível por causa da perversa combinação de laboratório fotográfico com tabagismo. O contato diário com revelador, dettol e fixador, entre outros produtos químicos, nas décadas de 1980 e 1990, cobrou o preço mais de 30 anos, depois.

Em praticamente todas as redações da época, existiam os quase sempre improvisados fumódromos – locais destinados aos fumantes. Hoje minoria, na época os fumantes eram maioria esmagadora, na imprensa.

Recentemente, foram levados pelo câncer, de forma impiedosa, os amigos Maurício Barbant, Ademar Andreola, Henry Falbo, Fablício Rodrigues, Adeildo Lucena e Jê Fernandes, entre outros.

O registro fotográfico em filmes ficou no passado, sobrevivendo hoje na química depositada na corrente sanguínea dos que conviveram com os laboratórios lacrados.

Os novatos do fotojornalismo sequer fazem idéia de como era a profissão, na época do filme em P&B.

Tinha me esquecido e fui obrigado a atualizar o texto. Em 2010, durante a campanha eleitoral para o governo de Mato Grosso, fiz dupla com Fablício e percorremos dezenas de municípios.  O coordenador de Comunicação da campanha, jornalista Osmar de Caravalho,  definiu a escala por afinidade. Pelo menos era a versão oficial.

Na verdade, os demais repórteres fotográficos evitavam viajar comigo porque éramos obrigados a dividir quarto, em hotéis sem qualquer estrela (da Embratur), em diferentes cidades, algumas menores que determinados bairros de Cuiabá. E, com exceção do Fablício Rodrigues, os demais reclamavam do meu suposto ronco em decibéis acima da média. Na verdade, eu não posso provar, porque jamais me ouvi roncar.

Encerrada a campanha, no churrasco da vitória, sempre de poucas palavras, Fablício revelou que se incomodava, sim, com o meu ronco alto. Mas não a ponto de inviabilizar a parceria comigo. Fafá deve ser lembrado assim: por vezes se sacrificava pelo bem estar coletivo.

Nos últimos tempos, depois de longo período na inicitiva privada, Fablício estava na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, na equipe de comunicação do deputado estadual Max Russi (PSB).

Numa época em que a expectativa de vida passa fácil dos 80 anos, Fablício Rodrigues partiu jovem, para a morada celestial, com apenas 50 anos. O homem se foi, mas a sua obra é imortal. A qualidade da sua sensibilidade atrás das lentes é eterna.

 

*RONALDO PACHECO   é jornalista em Cuiabá e Diretor do portal de notícias Cuiabano News.