Mais uma cena inusitada no plenário da Câmara dos Deputados confirma uma tendência cada vez mais evidente: o campo político está sendo cada vez mais pautado pelas redes sociais ou, mais precisamente, pelos algoritmos que regem esses ambientes digitais.
O deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) entrou em “cena”, subiu à Tribuna da Câmara com uma boneca Reborn nos braços, chamando-a de sua “neta” e alternando entre o humor improvisado, a retórica religiosa e um apelo à sensibilidade social. Disse que “não é pecado” se apegar à boneca, mas que o país deveria voltar os olhos às crianças reais em situação de abandono.
A encenação revelou-se um material pronto para circular nas redes: carregado de ambivalência moral e imagens de fácil compartilhamento. Trata-se de um gesto que não busca apenas comunicar, mas capturar atenção, a moeda mais valiosa do que qualquer argumento no atual ecossistema digital.
Após a viralização de postagens sobre os chamados “bebês Reborn”, parlamentares passaram a explorar o tema não apenas como pauta legislativa, mas, sobretudo, como instrumento de autopromoção.
O episódio escancara uma dinâmica preocupante: a substituição do debate público qualificado por atos planejados para viralizar. Essa inversão entre forma e substância é sintoma de um processo mais amplo. Com a opinião pública imersa em plataformas digitais, a atuação política se adapta às lógicas dessas mídias. O problema reside não no uso das redes, mas em sua capacidade de capturar o fazer político em armadilhas narrativas: superficialidade, imediatismo, conteúdos retóricos e busca incessante por atenção.
A teatralização da política torna-se uma realidade crescente na busca por ganchos visuais ou formatos que mantenham o seguidor conectado, obedecendo à estética “tikitoquiana”.
O resultado é uma prática moldada para o entretenimento, em que vídeos curtos, repletos de efeitos e roteirizados para engajar substituem a construção de políticas públicas consistentes.
O Legislativo, cuja função primeira é deliberar, parece cada vez mais empenhado em performar — um fenômeno que remete ao conceito de sociedade do espetáculo, formulado por Guy Debord, em que a imagem e a encenação ocupam o lugar da realidade e do debate substantivo.
A figura do “político influencer” é um dos produtos dessa nova lógica. Sua relevância se mede menos pela capacidade de formular propostas e mais pela aptidão em viralizar conteúdos. Nesse cenário, o exercício do mandato se esvazia — e, com ele, o compromisso com a cidadania.
É preciso, portanto, problematizar a ideia de que os representantes devem “produzir o que o povo quer”. O risco é transformar a função eletiva em um palco digital, no qual a atuação parlamentar se reduz a “meia dúzia de vídeos animados”, em detrimento da responsabilidade pública.
(*) VANESSA MARQUES é jornalista, mestre em comunicação na Espanha, e atua há 20 anos na comunicação política, com 13 anos de experiência como coordenadora de comunicação de mandato na Câmara dos Deputados. Integra o Grupo de Pesquisa Informação Pública e Eleições (IPÊ), da Universidade de Brasília (UnB), onde desenvolve pesquisas sobre espetacularização da política, neopopulismo e plataformização do discurso político.
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