“Amadeirado”, “picante” e “doce”. Essas três palavras, que poderiam muito bem ser utilizadas por um sommelier de vinhos durante uma degustação, na verdade, foram os termos usados por pesquisadores do Reino Unido e da Eslovênia para caracterizar o aroma de múmias egípcias de até 5.000 anos de idade.

O cheiro das múmias fascina cientistas há muito tempo. Arqueólogos, historiadores, conservadores e até mesmo escritores de ficção já dedicaram páginas de seus trabalhos ao assunto. E isso não é por acaso; os cheiros eram uma parte muito importante do processo de mumificação, que usava óleos, ceras e bálsamos para preservar o corpo e o espírito para a vida após a morte.

Enquanto os odores agradáveis eram associados à pureza e às divindades, o fedor típico da decomposição dos corpos era visto como um sinal de corrupção e decadência. Mas será que esse perfume perdura até hoje? Foi com isso em mente que os investigadores avaliaram o cheiro de nove múmias do acervo do Museu do Cairo, no Egito.

Trata-se da primeira pesquisa sistemática de odores de múmias egípcias de períodos de tempo distintos. Os restos mortais abrangem exemplares que vão desde o Novo Império, por volta de 20 a.C., até o final do período romano, nos séculos 3 e 4 d.C.

Experimentação aromática

Para o seu estudo, a equipe conduziu avaliações baseadas tanto em análises químicas quanto na opinião de um painel de farejadores humanos. Os resultados encontrados foram publicados na forma de um artigo científico, publicado nesta quinta-feira (13) no Journal of the American Chemical Society.

Emma Paolin configura amostragem de ar ativa com tubos sorventes e bombas — Foto: Abdelrazek Elnaggar
Emma Paolin configura amostragem de ar ativa com tubos sorventes e bombas — Foto: Abdelrazek Elnaggar

Vale salientar que, sem uma metodologia invasiva, de coleta direta de amostras das múmias, os pesquisadores preferiram uma abordagem de medição dos aromas de itens arqueológico, pesticidas ou outros produtos usados para conservar os restos mortais. Também se considerou o nível da deterioração causada por mofo, bactérias ou microrganismos nos sarcófagos.

“Estávamos bastante preocupados que pudéssemos encontrar notas ou indícios de corpos em decomposição, o que não era o caso”, contou Matija Strlič, autor do estudo, à Associated Press. “Estávamos especificamente preocupados de que pudesse haver indícios de degradação microbiana, mas esse não era o caso. Isso significa que o ambiente no museu é muito bom em termos de preservação”.

Além dos já citados tons amadeirados, picantes e doces, notas florais foram detectadas nas múmias. Os especialistas acreditam que esses cheiros derivam de resinas de pinho e zimbro usadas nos rituais de embalsamamento.

No total, as dezenas de odores foram catalogadas em quatro categorias: ingredientes de embalsamamento (como óleos, ceras e unguentos); óleos vegetais usados por conservadores de museus contemporâneos para preservar múmias da degradação; pesticidas sintéticos tóxicos (como naftalina); e cheiros provenientes da degradação microbiana desencadeada ou exacerbada pela escavação das múmias.

Mais do que um cheiro

Segundo Strlič, usar instrumentos técnicos para medir e quantificar moléculas de ar emitidas pelos sarcófagos para determinar o estado de preservação sem tocar nas múmias era como um “Santo Graal” das pesquisas sobre o Egito Antigo. “Isso nos diz potencialmente de qual classe social uma múmia era e, portanto, revela muitas informações sobre o corpo mumificado”, revela.

Como destaca a revista Smithsonian, a equipe agora trabalha para, a partir dos dados coletados, recriar o “perfume” das múmias. A ideia é que essa flagrância seja dispersada nos ambientes de exposição dos museus para promover aos seus visitantes uma experiência ainda mais imersiva.

Amostragem passiva usando uma fibra de microextração em fase sólida de ar dentro de um sarcófago — Foto: Emma Paolin
Amostragem passiva usando uma fibra de microextração em fase sólida de ar dentro de um sarcófago — Foto: Emma Paolin

“Os museus foram chamados de cubos brancos, onde você é levado a ler, a ver, a abordar tudo à distância com seus olhos”, conclui Cecilia Bembibre, colaboradora da iniciativa. “Observar os corpos mumificados através de uma caixa de vidro reduz a experiência porque não conseguimos sentir o cheiro deles. Não conseguimos, assim, saber sobre o processo de mumificação de forma sensorial, que é uma das maneiras pelas quais entendemos e nos envolvemos com o mundo”.

Há dois anos, um projeto semelhante foi desenvolvido no Museu Moesgård, na Dinamarca, pela pesquisadora Barbara Huber. Na ocasião, ela criou um “perfume” que simulava o cheiro do embalsamamento de um jarro que continha órgãos mumificados de uma nobre.

(Por Arthur Almeida)