Estamos em um ano de eleições e isso parece mexer com as expectativas daqueles que conseguem, de alguma maneira, influenciar as expectativas eleitorais de potenciais candidatos, estejam eles em cargos estratégicos ou não. Na área da educação, algumas universidades e institutos federais já se mobilizam para realizar greves e aí uma questão se coloca: levando em consideração a pandemia que enfrentamos, a situação ruim dos pequenos empreendedores que levou vários deles à falência, pode-se dizer que a situação socioeconômica dos professores das instituições federais é ruim?            

 

Eis uma pergunta difícil de responder, pois a avaliação das situações em que estamos ou dos benefícios que nos são atribuídos é relativa e não absoluta. Embora seja um lugar-comum dizer que a educação precisa sempre de recursos, tal afirmação quando transformada em pergunta também é difícil de responder embora contrarie o senso comum.

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O sociólogo Émile Durkheim dizia que “a satisfação sentida pelo indivíduo depende menos da abundância dos bens colocados à sua disposição pelo grupo ou sociedade a que pertence do que da aptidão desta última para inspirar no indivíduo desejos limitados do que ele espera obter”.

 

Certa vez, entrevistando pescadores profissionais em Santo Antônio do Leverger, conversei com um morador cuja casa, ainda inacabada e que parecia abandonada, tinha, em frente, um esgoto aberto que provocava um cheiro muito ruim por causa do calor excessivo daquele dia. Ele me disse; “Não saio daqui por nada. Aqui ainda é um excelente lugar para se viver”.

 

A rua era cheia de buracos e o lugar não era aprazível, segundo os olhos do pesquisador, mas como entender a fala daquele homem?

 

Eu não conhecia os grupos de referência do cidadão de Leverger, portanto, não tinha como colocá-lo em um contexto social comparativo.

 

A expressão grupo de referência designa aquele grupo com o qual um indivíduo se identifica e no qual procura as normas e os valores e do qual deseja adotar o estilo de vida. Eu precisava saber quais eram seus grupos de referência para analisar a fala dele a partir do conceito de privação relativa, ou seja, para verificar qual a discrepância entre o que ele considerava razoavelmente desejado e o estado factual do que ele possuía.

 

Foi Samuel Stouffer, no estudo realizado a partir da coleta de dados feito com membros do exército americano, The American Soldier, quem nos apresentou os conceitos de grupos de referência e privação relativa.

 

Segundo Stouffer, os policiais militares norte-americanos, membros de uma corporação em que a promoção era rara, sentiam-se satisfeitos com seu sistema de promoção, ao passo que os membros da força aérea, que pertenciam a uma corporação em que a promoção era mais frequente, consideravam-se insatisfeitos com o sistema de promoção.

 

Isso contraria a ideia do nosso senso comum de que na corporação em que existe uma mobilidade ascendente maior existiria uma satisfação também maior.

Stoufer e outros autores (1949) usaram o conceito de privação relativa para explicar estes resultados. Eles consideravam que é a discrepância entre a expectativa (padrão de comparação) e a situação concreta do indivíduo que leva à insatisfação: as expectativas dos pilotos ajudam a explicar a insatisfação, provocada pela elevada taxa de promoção que aumentaria as expectativas de mobilidade.

 

Situação oposta à vivenciada pelos políciais militares que, tendo baixas expectativas, sentiriam menores discrepâncias entre as expectativas e a situação concreta e, consequentemente, menor privação relativa.

 

Em relação a greve dos professores das universidades federais, temos que colocar na equação a variável política.

 

Liderados pelos sindicatos, muitos professores que têm em seu grupo de referência determinados partidos – que participarão do jogo político das eleições de outubro – veem na greve um instrumento para melhorar a situação desses partidos.

 

Portanto, talvez possamos dizer que a insatisfação é mais política do que econômica, mas de qualquer forma, elas têm que ser relativizadas.

 

Comparar o nível de satisfação dos setores do serviço público que estão ou entrarão em greve com aqueles que não estão e nem têm greve programada pode ser um exercício interessante para identificarmos maiores ou menores discrepâncias entre expectativas e, consequentemente, maior ou menor privação relativa.

 

*ANDRÉ LUÍS RIBEIRO LACERDA   é   Sociobiólogo, psicólogo e professor titular de sociologia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus de Cuiabá.
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Situação oposta à vivenciada pelos políciais militares que, tendo baixas expectativas, sentiriam menores discrepâncias entre as expectativas e a situação concreta e, consequentemente, menor privação relativa.