Incluída na nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançada pelo governo federal na semana passada, a Ferrogrão pode se transformar na mais importante rota de escoamento do agronegócio brasileiro.
“O STF é um órgão do Poder Judiciário, mas também tem um caráter político”
De acordo com o Ministério a Casa Civil, o projeto, com custo estimado em R$ 25 bilhões, integra a lista daqueles que serão objeto de estudos de viabilidade econômica, social e ambiental. Caso saia do papel, a Ferrogrão terá 933 quilômetros de extensão e conectará a região produtora de grãos do Mato Grosso, a partir de Sinop, ao estado do Pará, desembocando no porto de Miritituba, em Itaituba.
A ferrovia é celebrada pelo agronegócio, sobretudo, por causa de sua capacidade de levar parte da carga de soja, milho e algodão produzida no Centro-Oeste até os portos do Norte do país. Ela seria uma espécie de “esteira de grãos” e substituiria o modal rodoviário, mais caro e menos eficiente. Em 30 anos, segundo estimativas do setor, a Ferrogrão poderia movimentar 48,6 milhões de toneladas e criaria 160 mil empregos, diminuindo em cerca de R$ 20 bilhões o custo logístico de produção.
Imbróglio jurídico
O projeto, no entanto, está enredado em um imbróglio jurídico que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e impediu a execução das obras. Em 2021, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, atendeu a um pedido do PSOL e suspendeu a eficácia da Lei 13.452/2017 – que teve origem a partir da Medida Provisória (MP) 758/2016. A MP fez alterações nos limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, excluindo 466 hectares da unidade de conservação ambiental.
Segundo o PSOL, a supressão de áreas em unidades de preservação não poderia ter sido determinada por uma MP, mas apenas por um projeto de lei. Esse também foi o entendimento de Moraes. Desde então, o caso está pendente de análise pelos demais ministros do STF, no plenário da Corte.
Em maio de 2023, a Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou ao Supremo uma manifestação favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo PSOL, contra o projeto da Ferrogrão. Apesar de reconhecer a “relevância” da ferrovia para o país e seu potencial de “possibilitar números significativos em geração de empregos diretos na sua construção e em redução no custo do frete”, o órgão alega que a supressão de parte da área do Parque Nacional do Jamanxim teria de ser acompanhada por contrapartidas ambientais pela construção da ferrovia, o que não aconteceu.
No dia 31 de maio deste ano, depois de mais de dois anos com o tema em banho-maria, adormecido nos escaninhos do STF, o mesmo Alexandre de Moraes tomou uma nova decisão que foi comemorada pelo agronegócio. O magistrado autorizou a retomada dos estudos de viabilidade da Ferrogrão, embora tenha mantido suspensa a lei que abriu caminho para o início das obras.
Moraes também enviou a ação que questiona a Ferrogrão para a fase de mediação, por meio da qual é oferecida às partes envolvidas a possibilidade de buscar uma solução consensual para o impasse. Em seu despacho, o ministro destacou “a importância do papel estruturante do projeto” da ferrovia “para o escoamento da produção de milho, soja, farelo de soja, óleo de soja, fertilizantes, açúcar, etanol e derivados de petróleo”
Ambiente político mais favorável
Segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a nova decisão de Moraes sobre o caso Ferrogrão reflete um ambiente político menos conflituoso e uma relação mais amistosa entre o Judiciário e o Executivo, o que pode fazer o projeto andar.
“O STF é um órgão do Poder Judiciário, mas também tem um caráter político. Ele se alinha a determinados interesses em diferentes situações”, afirma o advogado ambientalista Fernando Augusto do Prado, coordenador do Núcleo Ambiental da Quatro Terre Consultoria Ambiental e membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás (OAB-GO).
“Em 2021, a leitura que eu fazia era que o projeto seria mesmo rejeitado. Hoje, se o governo Lula, com o PAC, demonstrar interesse em avançar com a Ferrogrão e iniciar as obras, acredito que o STF vá liberar. O ambiente político deve interferir”, prossegue Prado.
Apesar de ter sido incluída no PAC, por enquanto, apenas para estudos de viabilidade, a Ferrogrão pode ganhar impulso, avalia o advogado. “A partir do momento em que ele (Moraes) autoriza o avanço dos estudos, você passará a ter informações mais precisas a respeito de projetos e da viabilidade”, diz. “Os estudos mostrarão claramente quantos empregos diretos e indiretos serão proporcionados e, principalmente, qual é, de fato, a área impactada.”
A MP questionada pelo PSOL promoveu o alargamento da chamada “faixa de domínio” na lateral da rodovia BR-163, que tinha 396 hectares e passou a ter 862. Na prática, são 466 hectares a menos para o Parque do Jamanxim, o que corresponde a 0,054% de sua área original de mais de 862 mil hectares.
“O trecho pelo qual a ferrovia passa é muito pequeno, principalmente se levarmos em conta o grande benefício que vai trazer para a população”, afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Antonio Galvan. “Acredito que todo o imbróglio que tinha de acontecer na questão da Ferrogrão já aconteceu. Esperamos que essa questão ideológica, que já atrapalhou bastante, não volte a ser um obstáculo”, diz.