No século 16, a cidade de Gênova, na Itália, executava as “leis suntuárias” — legislação local que visava restringir os gastos pessoais da população com roupas e artigos de luxo. Um estudo publicado em setembro no The Historical Journal e divulgado nesta terça-feira (10) revela como essa polícia da moda operava.
Segundo a pesquisadora de história da arte Ana Cristina Howie, que conduziu a pesquisa, existia um policiamento de quais roupas as pessoas podiam ou não usar, ditando até mesmo a cor da seda e dos botões da vestimenta. “Você pode usar seda, mas apenas em um certo número de cores — preto, branco, amarelo, verde, azul-escuro, vermelho, roxo ou marrom-amarelado”, disse Howie, da Universidade Cornell em Nova York, nos Estados Unidos, em comunicado.
Por outro lado, era permitido usar lã em qualquer uma das cores da seda, além de fulvo, branco, rosa e porcelana. “Você pode usar veludo, mas não se ele tiver algum tipo de padrão”, acrescenta a pesquisadora. “É difícil entender o que é proibido porque é muito detalhado”.
Howie destaca ainda que um dos impactos sociais das “leis suntuárias” era restringir mais as escolhas de vestimentas das mulheres do que dos homens — até mesmo quando a moda era um meio de autoexpressão para as mulheres, vistas como o “sexo silencioso”.
O que era ser “fora da lei” em Gênova?
Durante o início da modernidade, outras cidades-estados italianas também tinham “leis suntuárias”, só que as mesmas repartiam as pessoas de acordo com sua posição social, profissão ou cidadania. Enquanto isso, Gênova usava essa legislação para dividir a população em homens e mulheres.
Diante desse cenário, a cidade de Gênova se tornou ideal para estudar como as diferenças de gênero eram pautadas através das leis restritivas de vestimenta e como isso era visto pela sociedade.
Para investigar o tema, Howie analisou um registro com mais de 200 denúncias das autoridades que falavam como as pessoas desobedeciam às “leis suntuárias” em Gênova, em 1598. Um documento, por exemplo, descreve como a filha de um nobre foi parada usando uma ungaresca (casaco com mangas) de seda na cor amarela. Outro, por sua vez, conta que um nobre foi visto “vestido com uma batina e calções de tafetá (tecido de seda) ricamente bordados”.
Também existem documentos relatando a aplicação de multas em homens e mulheres que usavam joias de ouro maciço. A legislação, que era violada principalmente por pessoas da classe nobre, buscava limitar a ostentação da riqueza — porém, na prática, a restrição acontecia mais com mulheres do que com homens, segundo nota Howie.
Conforme a pesquisadora, em Gênova, as pessoas que criavam as leis eram todas de um pequeno grupo de cerca de mil nobres governantes. “Havia um escritório dedicado à regulamentação do luxo, composto pelos nobres que — eu sei porque vi seus inventários — também estavam consumindo todas as coisas que eles diziam ser proibidas”, afirma.
Howie comenta também que a regulamentação para os homens não ocupava sequer uma página inteira, mas para as mulheres havia três vezes mais exigências. “Ser excessivamente ostentoso era visto como um vício — apetite por bens materiais”, ela explica. “E as mulheres eram vistas como mais facilmente tentadas à luxúria devido a constituições mais fracas, o que as levava mais facilmente à tentação”.
Segundo a especialista, as restrições femininas eram exageradas e traziam uma compreensão “teológica misógina das mulheres e da natureza delas”. Atualmente, a pesquisadora está produzindo um livro sobre o assunto e, através da obra, ela quer analisar como as mulheres de Gênova conseguiram expressar sua cultura material, driblando as restrições impostas.
(Por Tainá Rodrigues)