Muitas pessoas podem ter a vida ressignificada a partir das oportunidades oferecidas pelo esporte. O paratleta Gabriel Aguiar, de 26 anos, é um desses casos. Aos 17 anos, perdeu a movimentação das pernas devido a uma inflamação na medula causada por um distúrbio neurológico silencioso.
“Senti uma dor muito forte de manhã, quando acordei. Quando a dor passou, não consegui mais levantar. Foi questão de uma hora e eu parei de andar. O distúrbio aconteceu silenciosamente por três dias e não sabemos o que o causou”, conta.
Mesmo com a deficiência chegando inesperadamente em sua vida, Gabriel não se sentiu vulnerável ou desestimulado. A presença de amigos queridos e familiares o ajudou muito a não desistir e a reestabelecer a alegria. Ele conta que, muitas vezes, precisou ser mais forte do que a própria família, pois, caso ele desmoronasse emocionalmente, todos ao seu redor cairiam juntos.
Como sempre foi fã de esportes, continuou praticando basquete, mas, dessa vez, usando uma cadeira de rodas. Apesar de ser apaixonado pelo esporte, ele explica que é muito difícil reunir um time de paratletas, pois a dedicação e disciplina exigidas são grandes, além de as cadeiras específicas serem muito caras.
“A cadeira para alto rendimento do basquete custa R$ 12.600 e viajar com 12 atletas é um custo muito alto. Então a gente não estava competindo. Só tínhamos nosso time aqui e um que estava surgindo em Araputanga. Não tínhamos competitividade”, lembra.
Com o desejo de garantir alto desempenho nos esportes, Gabriel decidiu treinar um individual. Foi nesse momento que conheceu o arremesso de peso, esporte que pratica há quatro meses e já é medalhista.
“Eu sinto minha competitividade mais estimulada por ser um esporte individual, porque meu sucesso e a minha falha são 100% de mérito meu”, explica.
Completamente focado, o paratleta pretende participar das paralimpíadas de 2024 em Paris na competição de arremesso de peso. Para alcançar esse objetivo, passou por algumas etapas necessárias como as competições do Meeting Paralímpico sediadas em Brasília e Goiânia.
Ele conta que participou dessas fases mais para adquirir experiência do que para competir, pois nunca havia arremessado um peso. Mesmo destreinado, acabou levando duas medalhas de ouro.
“Pode parecer prepotente dizer que fui de primeira, sem nunca ter feito arremesso, e que voltei com ouro, porque tinha atleta em Brasília que treinava há doze anos” conta.
Ele explica, entretanto, que considera importante compartilhar a história de seu sucesso, pois ela pode inspirar outras pessoas com deficiência a se dedicarem mais aos esportes.
Para Gabriel, a falta de investimentos e estímulos para esportistas é um dos principais problemas em Mato Grosso. No caso de paratletas, a falta de recursos é ainda maior, uma vez que as adaptações necessárias para os equipamentos custam caro e exigem estruturas.
“Quando eu e meu amigo fomos para Goiânia, vimos a diferença do pessoal de fora que ia competir com a gente. Eles treinam em centros paraolímpicos com academia, hidromassagem, massagista e tudo. Nós acabamos um treino e vamos embora; então estamos sempre com alguma lesão muscular porque não temos essa estrutura”, explica.
Mesmo com ausência de incentivos governamentais, Gabriel não deixa de praticar. Seus treinos diários duram em média duas horas e ele ressalta que não é possível esperar o cenário mais adequado surgir para começar a se dedicar. Para ele, começar com o que se tem é essencial para gradualmente conquistar melhores estruturas de treino.
O paratleta afirma que suas medalhas são confirmações de que é possível realizar seus objetivos e que essas conquistas foram apenas metas iniciais frente a todo o caminho que pretende percorrer.
Para ele, o cenário ideal seria conseguir patrocínios que permitissem viver apenas do esporte. Gabriel pretende ser um verdadeiro incentivador de jovens paratletas que não têm oportunidades ou que sentem medo de iniciar.
“Muitos veem as pessoas com deficiência como inúteis e fazem observações como ‘coitado’, ‘tão novo, tão bonito e ficou numa cadeira de rodas’, como se ter ficado em uma cadeira de rodas fosse o fim da vida”, relata.
Embora “seja clichê”, nas palavras dele, Gabriel conta que a principal característica que um atleta deve ter é a resiliência. Ele afirma que a motivação não está presente todos os dias e que, nesses momentos, é essencial ter foco. O paratleta também explica que alcançar objetivos não é o único benefício do esporte, pois há muitos ganhos para a saúde mental e para a autoestima quando se pratica algo que ama.
Agora, Gabriel coleciona metas e sonhos maiores para sua carreira como arremessador de peso. Gradualmente conquista prêmios para que, futuramente, possa participar de competições ainda maiores.
“Meu plano é conseguir patrocínio para sair do emprego convencional e me dedicar só ao esporte. Meu sonho é a medalha de ouro nas Paralimpíadas de Paris. Tenho certeza que, se eu conseguir, o esporte para pessoas com deficiência [em Mato Grosso] teria uma visibilidade maior e mais investimentos”, conclui.