Era costume de os atenienses celebrar ritos fúnebres dos seus filhos vítimas da guerra. Após o enterro dos restos mortais, um cidadão, dentre os mais qualificados, era escolhido para pronunciar um elogio em honra aos que partiram da vida (fonte: Carlos Figueiredo, discursos Históricos).
Em uma dessas ocasiões, no inverno de 431 a.C., primeiro ano da Guerra do Peloponeso entre Esparta e Atenas, Péricles fez as honras.
De início já transpareceu aos presentes a genialidade do orador: “Elogios a outras pessoas são toleráveis somente até onde cada um se julga capaz de realizar qualquer dos atos cuja menção está ouvindo; quando vão além disto, provocam a inveja, e com ela a incredulidade”.
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Mais adiante, “Deveriam ser justamente considerados mais corajosos aqueles que, percebendo claramente tanto os sofrimentos quanto as satisfações inerentes a uma ação, nem por isso recuam diante do perigo” … “a terra inteira é o túmulo dos homens valorosos” … “a felicidade é liberdade e a liberdade é coragem”.
Não há como dimensionar a energia e honra transmitida por essas palavras aos presentes, que perderam pais, irmãos e filhos. “Onde as recompensas pela virtude são maiores, ali se encontram melhores cidadãos”, continuou um dos maiores estadistas de todos os tempos.
Por onde anda a “areté” na prática política atual? Por quais caminhos estão a trilhar os exemplos de nossos heróis, os quais deveriam estar na tez de todos que, hoje, vislumbram o amanhecer do sol e dormem um sono de liberdade junto aos seus? Donde está a coragem herdada daqueles que tombaram pela luta contra a opressão e pelo direito de votar e ser votado dentro de um contexto político democrático?
Ainda conclama Péricles naquele dia de luto coletivo, “A humilhação associada à covardia é mais amarga do que a morte”.
Não se negocia valores morais, honra e dignidade; dor menor é morrer com eles. Um país da importância do nosso Brasil não pode ficar à mercê daqueles que estão a pregar rupturas institucionais diariamente, constantemente, sadicamente. Não fazem outra coisa a não ser conspirar contra as conquistas nacionais, numa desavergonhada atitude de se indispor contra tudo que a democracia brasileira construiu junto a seu povo humilde. Humilde, mas não aceita a humilhação.
Em dias atuais o fuzil não mais tutela o bom caminhar das instituições, atentas estão às fanfarronices de um ou outro e a instrumentos intimidatórios. Não se pode deletar da memória todos os períodos pelas quais a nação passou subjugada. As armas do povo agora adquiridas não cospem fogo e nem lançam aço, e não se envergam diante da arrogância e da prepotência, vertem esperança como símbolo de perseverança e resistência, sempre à disposição da eterna vigilância pela liberdade.
Vale lembrar, quem tem armas de fogo não pode ameaçar. Onde está a honra nisso?
Enfim, Péricles termina a sua missão: “Só o amor da glória não envelhece”, e toda honra e toda gloria passam ao lago de quem delas, se afastam.
“Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente” (Legião Urbana).
Que toda a terra seja túmulo dos nossos heróis, que jamais envelhecerão, amantes que são da glória. Nunca encontrarão a humilhação; antes a morte que a vida de meia valentia.
É por aí…
*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto) é formado em Filosofia e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); é membro da Academia Mato-Grossense de Magistrados (AMA), da Academia de Direito Constitucional (MT), poeta, professor universitário e juiz de Direito na Comarca de Cuiabá. E é autor da página Bedelho Filosófico (Face, Insta e YouTube).
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