Um dos maiores medos dos torcedores do Santos atualmente (talvez o maior) é a possível inédita queda para a Série B do Campeonato Brasileiro. Depois de dois anos de luta contra o rebaixamento até no Paulistão e a distância para a disputa por títulos, o técnico Odair Hellmann quer afastar esse assunto do CT Rei Pelé.

Contratado no fim de 2022 para comandar o Santos em 2023, o treinador de 46 anos sabe, porém, das dificuldades que o Campeonato Brasileiro reserva. Aliado ao trabalho do dia a dia e à experiência conquistada onde já trabalhou antes, Odair espera fazer o elenco do Peixe acreditar que “não há limite para o bom”, como ele mesmo diz.

Em um papo exclusivo de quase uma hora com o ge, Odair Hellmann abriu o coração: admitiu que o trabalho, em resultados, ainda não é bom, analisou o retorno de Lucas Lima, disse que os protestos e a invasão ao CT influenciaram no dia a dia do Santos, e falou que acredita que ainda não fez os jogadores superarem as lembranças pessimistas das temporadas passadas.

– Primeiro que, assim, eu não coloco limite para o bom. E acho que ninguém deveria. Esse é o primeiro passo como ser humano. Se você já começa a se limitar por palavras ou sentimentos, colocar obstáculos, certamente os obstáculos serão maiores ainda. Para o bom não tem um limite. Nós temos que fazer um Campeonato Brasileiro altamente competitivo e buscar a melhor posição possível (…).

Como eu disse, cada jogo nosso é uma final de Copa do Mundo (…). Eu peço, porque eu sou assim, para parar de falar de rebaixamento – disse Odair.

– Aconteceu nos últimos dois anos, mas não começou o campeonato ainda. Vamos começar com o máximo de pensamento positivo que a gente tiver. Hoje, agora, aqui eu só posso pensar positivo, trabalhar forte aqui dentro do campo, gerar coisas boas para mim e não ficar pensando nisso. Então, eu não vou entrar com esse sentimento, não vou deixar esse sentimento entrar aqui e vamos brigar contra, não só o sentimento, mas em termos técnicos e de resultado para que a gente faça um outro tipo de Campeonato Brasileiro.

Leia, abaixo, a entrevista com o técnico Odair Hellmann, que estreia na Sul-Americana com o Santos nesta terça-feira, às 21h30 (de Brasília), contra o Blooming, na Bolívia.

Odair Hellmann no treino do Santos — Foto: Raul Baretta/ Santos FC

Odair Hellmann no treino do Santos — Foto: Raul Baretta/ Santos FC

ge: Levando em consideração o contexto, os problemas que você teve e o tempo de clube, qual avaliação você faz do seu trabalho? É bom?

Odair Hellmann: – Não, o meu resultado ainda não é bom. O meu e, consequentemente, o nosso resultado não é bom. Nós temos e trabalhamos para produzir mais e, a partir destes campeonatos que vão iniciar, esse é o objetivo. E agora, sempre, a gente precisa fazer uma avaliação, a maioria dos torcedores, ou propriamente vocês, que vocês não têm o dia a dia que nós temos. Os processos, os acontecimentos.

– A gente costuma dizer que vocês sabem 10% do que acontece internamente. Então, se eu fizer uma avaliação, eu comigo mesmo ou eu com a minha comissão técnica, ou com os jogadores, por todos esses processos, por todas as dificuldades que a gente enfrentou nesse ano até aqui, continuo falando a respeito do resultado que não é bom.

– A gente conseguiu fazer alguns movimentos no início no mercado, com todas as dificuldades que todo mundo sabe que o Santos. Foi uma pré-temporada atípica e diferente das outras, porque ela teve três retomadas do processo. Então, a gente não conseguiu dar uma subida em termos de condicionamento físico (…). Aí, logo em seguida, teve uma retomada, Natal e Ano Novo, aí você não consegue subir muito, porque tem a parada de novo. Isso tudo interferiu um pouco nessa situação, mas foi uma boa pré-temporada.

E qual é a sua avaliação desse período atual de treinamentos?

– É o terceiro bloco, para implementarmos maior carga, maior intensidade, maiores velocidades, em termos de, nós da comissão técnica, entregarmos treinos que pudessem ter essa exigência e no cumprimento disso melhor atleticamente, que o jogador possa desempenhar. Isso faz diferença também na parte técnica, potencializa a parte técnica. Nós conseguimos.

– Qual é o lamento? É por isso que a gente fala que há sempre um contexto a ser analisado, e eu respeito as críticas e diferenças, mas estou dentro do processo preciso avaliar um contexto. Nós, dentro desse processo de treinamento que melhoramos a performance, trabalhamos muito, potencializamos isso. A gente também não trabalhou com muitos jogadores, né?

– Ninguém é titular, sabe? Mas eles são potencialmente jogadores que vão, no mínimo, brigar por titularidade neste grupo que temos à disposição agora. E eles participaram do processo nesse terceiro bloco, e aí a gente pode citar muitos casos: Joaquim, Soteldo, Mendoza, Carabajal, Lucas Braga, né? Ângelo… Então, cada um está voltando num dia, num processo.

– Os outros jogadores que estão à disposição fizeram um ótimo trabalho. Então, dentro desta situação, a gente tentou formar uma melhor equipe, de uma ideia equilibrada, atualizada, para que consiga dar a melhor resposta. Esperamos o retorno dos outros jogadores para ver essa disputa interna e essa visualização de equipe e de ideia, para ver quais as características, quais os jogadores que vão formar a equipe na sequência e que possam gerar esse equilíbrio e o melhor resultado.

Durante o Paulista, depois da pré-temporada, você precisou mudar o percurso, trocar o pneu com o carro andando, porque viu que o que tinha trabalhado na pré-temporada, aquela ideia, não rendeu o que você esperava…

– Eu até gostaria de repetir, porque acho que um jogo ou 45 minutos é pouco até para fazer uma avaliação crítica, para a gente se auto-avaliar para ver se aquelas características daqueles jogadores poderiam produzir uma melhora de performance ofensiva, por exemplo, que era uma característica bem leve e ofensiva. E se ela podia gerar equilíbrio defensivo para a gente buscar essa regularidade do resultado.

Mas como você lidou com isso nessa pré-temporada de agora?

– Para essa pré-temporada, só para você ter uma ideia, eu não tenho à disposição, até este momento, nenhum jogador de velocidade. E não tive durante esse processo de treinamento. Então, esse é um fato. Eu estou tentando montar uma equipe sem esses jogadores de velocidade.

– Essa equipe que vai iniciar a Sul-Americana vai ter continuidade? Não sei, vai ter uma disputa, vai ter a volta dos jogadores. São características totalmente diferentes, por exemplo, você jogar com Lucas Lima e Ivonei e jogar com Soteldo e Mendoza, ou Lucas Braga e Soteldo, Ângelo. São características de ataque de movimento do time tanto para a parte ofensiva quanto para a parte defensiva. Nós estamos tentando gerar uma equipe dentro de um sistema, dos nossos conceitos, que seja equilibrada e que produza e potencialize essas características dos jogadores que estão à disposição.

Odair em treino do Santos — Foto: Guilherme Kastner / Santos FC

Odair em treino do Santos — Foto: Guilherme Kastner / Santos FC

Você acha que o seu conceito de trabalho já está compreendido pelos jogadores?

– Os conceitos centrais estão treinados e trabalhados. A gente trabalha independente do sistema, porque o número para mim pouco importa. Você tem uma espinha dorsal dos conceitos ali para colocar em prática e aí, sim, dentro da sequência, das características que vai mudando a equipe, você vai buscando estratégias diferentes, mas os conceitos centrais estão trabalhados independentemente das características dos jogadores.

– Alguns (conceitos), sim (estão compreendidos). A gente tem alguns conceitos bem definidos e num estágio bom, mas em outros a gente precisa de uma repetição maior.

Sobre reforços… Sabemos que você não gosta de falar, porque precisa contar com quem está aqui, mas ainda vê alguma posição carente que gostaria de reforçar?

– Eu não uso a palavra carência, entendeu? Acho que ela não é a palavra ideal. Eu acho que quanto mais nós nos qualificarmos, quanto mais nós trouxermos jogadores para ajudar, melhor. Os jogadores querem, eu quero, presidente quer, todos nós queremos. O torcedor quer. Quanto mais qualificado for o grupo, mais qualificado tem a possibilidade de ser o time.

– O jogador também quer ter essa situação. Não é: “ah, porque o treinador quer contratações, porque acha que precisa e tal”. Não, eu acho primeiro que o Santos tem que estar sempre aberto às oportunidades, ao mercado, para tentar se antecipar aos movimentos.

Durante o Campeonato Paulista, uma dessas oportunidades que surgiram foi a do retorno do Lucas Lima. Era um jogador livre no mercado, mas com uma rejeição muito grande da torcida. Como foi a sua participação nessa negociação? Você foi a favor? E qual é a sua avaliação agora?

– Eu não relutei, fui fazer as mesmas coisas que faço: fui estudar o histórico recente, os movimentos em relação à parte física, as informações a respeito de dia a dia. Claro que, esse jogador, com mais facilidade. Conheço o jogador, já trabalhei no Inter, então tenho um conhecimento, a gente tem uma visão, ou tinha quase todos os finais de semana, porque até o primeiro semestre ele vinha participando como titular, por exemplo, da equipe do Fortaleza, depois ele entrava e tal.

Lucas Lima em ação em jogo-treino do Santos — Foto: Raul Barletta / Santos FC

Lucas Lima em ação em jogo-treino do Santos — Foto: Raul Barletta / Santos FC

– Diante dessa situação técnica toda, você visualiza a parte técnica, visualiza oportunidade de grupo, faz um estudo. Acho que é um jogador que pode nos ajudar, sendo titular, participante de grupo…

– É um bom jogador, experiente, para nos ajudar. Só que eu também sabia do que o externo tinha, sabia dessa ideia de toda a repercussão. Nós todos aqui sabíamos, e a gente esperou o melhor momento, mais tranquilo, para fazer o movimento para que ele pudesse vir. Ficamos felizes com a resposta que ele nos deu.

O maior medo da torcida agora, até pelo o que o Santos viveu nos últimos anos, é rebaixamento no Campeonato Brasileiro. Você como técnico, hoje, acredita que o Santos vai brigar contra o rebaixamento?

– Primeiro que, assim, eu não coloco limite para o bom. E acho que ninguém deveria. Esse é o primeiro passo como ser humano. Se você já começa a se limitar por palavras ou sentimentos, colocar obstáculos, certamente os obstáculos serão maiores ainda. Para o bom não tem um limite. Nós temos que fazer um Campeonato Brasileiro altamente competitivo e buscar a melhor posição possível.

– Sabemos alguns aspectos do Brasileiro. O segundo turno sempre produziu mais dificuldades para todas as equipes. É reta final, tem decisão da Copa do Brasil. Às vezes, um adversário que está disputando algo contra você vai jogar com um adversário que está na final da Libertadores ou na semifinal e tira toda a equipe. Isso tudo acontece mais fortemente no segundo turno. Então, temos que entrar fortes no campeonato.

Odair Hellmann conversa com jogadores do Santos em treino — Foto: Raul Baretta/ Santos FC

Odair Hellmann conversa com jogadores do Santos em treino — Foto: Raul Baretta/ Santos FC

– Como eu disse, cada jogo nosso é uma final de Copa do Mundo para que a gente consiga fazer o melhor resultado possível. Não vamos colocar um limite. Eu peço, porque eu sou assim, para parar falar de rebaixamento. Parar de puxar esse sentimento, falar sobre isso. Aconteceu nos últimos dois anos, mas não começou o campeonato ainda. Vamos começar com o máximo de pensamento positivo que a gente tiver.

– Hoje, agora, aqui eu só posso pensar positivo, trabalhar forte aqui dentro do campo, gerar coisas boas para mim e não ficar pensando nisso. Então, não vou deixar esse sentimento entrar aqui e vamos brigar contra, não só o sentimento, mas em termos técnicos e de resultado para que a gente faça um outro tipo de Campeonato Brasileiro. Eu, nos clubes onde passei, também eram momentos muito parecidos, e a gente conseguiu produzir resultado. Eu trabalho com essa confiança e gostaria de passar essa mensagem para que a gente trabalhe com essa confiança de fazer um Campeonato Brasileiro diferente, competitivo e forte.

Eu estava no Canindé quando você falou que os dois últimos anos ainda estão aqui dentro do vestiário. E, ao mesmo tempo, o discurso de não deixar o rebaixamento entrar aqui vai de encontro a isso. Você acha que conseguiu? Tem palavras que mudem isso?

– É só você ver a Argentina antes da Copa do Mundo e nos dois últimos amistosos. Eu tive a oportunidade de ver a Argentina na Copa do Mundo e no amistoso contra os Emirados Árabes. Ela ganhou o jogo por 5 ou 6 a zero, mas não fez uma boa partida porque ainda era aquela que passou por um processo de reestruturação. Com grandes jogadores, experientes, de qualidade, o melhor do mundo. Mas com aquele “mas será que o Messi…”, “mas a reconstrução deu certo?”, “o time ficou mais competitivo?”.

– A própria Copa do Mundo diz isso para nós, de fato. E agora você olha os dois amistosos da Argentina. Tudo bem que contra Curaçao vai produzir 6 a 0 pressionado ou não. Talvez três ou dois gols a menos. Mas a leveza do jogo da Argentina não era a leveza pré-Copa do Mundo. Então, o ambiente faz a diferença, o emocional faz diferença. A confiança faz diferença no processo. Por isso que eu, como treinador, quero produzir confiança, bom ambiente, pelo menos internamente, para que eu possa gerar confiança e a gente consiga entregar melhor resultado para o torcedor.

Além da pressão no Canindé, outro momento de pressão fez parte do Campeonato Paulista: a invasão da torcida ao CT Rei Pelé. Você pensou em ir embora?

– Primeiro, não pensei em sair. Segundo, a invasão não pode ser tratada com normalidade. Diferentemente do protesto do Canindé, que foi na arquibancada, com força, com veemência. Em muitos momentos o torcedor até com razão, porque a equipe que não produz resultados, tem todo direito de não estar feliz, vaiar, xingar. Acontece, faz parte. A invasão não é uma normalidade. Isso gera todo um desgaste, uma situação (…).

Protesto no CT Rei Pelé foi encabeçado pela Torcida Jovem — Foto: Reprodução/ Instagram

Protesto no CT Rei Pelé foi encabeçado pela Torcida Jovem — Foto: Reprodução/ Instagram

A invasão gerou impacto no dia a dia?

– Gera um impacto. Sempre gera, né? Ela passa do ponto da vaia. Ela é uma exceção. A vaia do torcedor está dentro de uma normalidade, de uma coisa esperada. A invasão é um outro passo. Acho que até para o próprio torcedor. A torcida veio aqui depois, reconheceu, conversou. Teve movimentos contrários daquilo que aconteceu. Foi também um aprendizado e que gostaria muito que fosse um aprendizado para todos os agentes do esporte, do futebol. Não só para nós aqui dentro do Santos, mas para todos os times. Acho que esse tipo de movimento ninguém ganha.

Um dos grandes problemas do Santos tem sido a bola parada. Qual é o seu trabalho no dia a dia para resolver isso?

– Solução total, esquece. Todo mundo vai tomar gol de bola parada. O que você tem que fazer é diminuir o percentual de gols nesta fase do jogo. Nós temos por volta de quase 50% de gols sofridos de bola parada. Isso é muito. Por exemplo, o jogo contra o São Paulo, em que você está com a expectativa de produzir um bom jogo, leva um gol de bola parada. Gera confiança para o adversário, logo em seguida leva um outro gol, aí vem as expulsões. Nós ganhamos o jogo do Ceilândia com bola parada também. Um gol muito bonito, uma cabeçada muito bonita.

– Zerar, nenhum clube vai conseguir. Independentemente da marcação que use, se for individual, mista, zona. Com bloqueadores, sem bloqueadores. Se você diminuir 15% desse percentual de gols de bola parada, eu não sei quantos pontos poderíamos ter ou fazer a mais em qualquer competição. Isso pode fazer a diferença para uma classificação ou não.

– No dia a dia você traz essa dificuldade, visualiza os vídeos, conversa a respeito de mudanças de posicionamento. A única mudança de posicionamento que eu não fiz até agora foi sair de mista, zona, com bloqueadores, para uma marcação individual. Eu não visualizo características dentro da equipe do Santos hoje para fazer uma marcação individual. Bola parada eu visualizo com a marcação individual, você tem que ter mais duelos ainda, porque sou eu contra você. Qualquer movimento em uma boa batida, eu me antecipo e tenho mais facilidade.

– Então, para mim como treinador, a bola parada com marcação individual tem que ter mais força de duelo. Então, não usamos ainda. Isso em escanteio. Na falta lateral, não. Mas mudamos. Hoje nós fizemos um treino específico de bola parada defensiva. O que é raro de se fazer nas progressões. Você insere a bola parada dentro de um contexto de treino. Mas fazer um dia de treino específico para isso. Estamos tentando melhorar, buscar solução, e vamos melhorar. Vamos melhorar para diminuir esse percentual. (GE)