Em virtude da minha ascendência genética italiana, costumo raciocinar e decidir de forma mais correta possível “praxis”, no neologismo filosófico e, em assim o fazendo, dou início às considerações, que, agora, postulo, e, assim, digo: “questo é una cosa que se mangia freddo”, ou seja, esta é uma decisão conceitual que se deve pensar com a cabeça fria e com sólidos argumentos, transmudada na corruptela “carcamana”.
A nova e ousada convergência, instituída na abordagem da Teologia da Libertação, surgida no âmbito da doutrina cristã, particularmente, relacionada ao catolicismo, por parte de considerados intelectuais sacerdotais, que se debruçaram, árdua e corajosamente, nos estudos sócios-filosóficos, trazendo à luz novos argumentos, que possibilitam uma aproximação desta sequência eclesiástica, com o socialismo, pretendido por Karl Marx, ocasião em que destacam possíveis afinidades e objetividades, comuns a ambos.
No Brasil, entre outros, destacam-se os notáveis e cultos predecessores e conhecidíssimos dessa nova orientação religiosa, os clérigos Frei Leonardo Boff em (Como Fazer a Teologia da Libertação – Editora Petrópolis); Dom Pedro Casaldáliga, da Prelazia de São Felix do Xingu, pastoral regional do Araguaia, recentemente falecido, e Frei Betto, pároco da juventude, com quase setenta livros publicados, onde expõe suas analises politico-sociais, além de suas alocuções catequéticas. Na outra ponta dessa corrente de interpretação sociológica, ressaltam-se as assertivas, propícias e simpáticas do franco-brasileiro, Max Weber, sob viés do protestantismo/evangélico, pela ótica da similaridade, e o racionalista e erudito, Florestam Fernandes, de cognição e consagração entre os pares da sua relação. Juntando-se a eles, segue, na mesma linha de abordagem, um grande contingente de intelectuais nacionais, aderentes desse novo posicionamento, que exprimiram suas inspirações teóricas, de perspectivas dialético-compreensivas, pela mídia jornalística e pelas redes sociais, transmitidas pela internet.
É de Dom Pedro Casaldáliga esta afirmação, por demais conhecida:
“Eu exijo simplesmente democracia, justiça e liberdade; eu estou exigindo socialização, que acho que é a palavra que melhor pode traduzir irmandade, como diz o povo do sertão, uma igualdade. Eu exijo igualdade, e não sou eu que exijo, é Deus que exige”. (ipsis literis) (sic)
Já, Leonardo Boff, afirma que: “a teologia da libertação anseia e luta por uma nova sociedade já neste mundo: uma sociedade alternativa à capitalista, mas realmente alternativa e por isso que vai mais além dos socialismos reais, na direção do projeto desses últimos e de suas potencialidades intrínsecas, o qual encontra uma grande ressonância na tradição da fé.” (sic)
Este inovador, também disse: “A experiência sócio-política do subdesenvolvimento como estrutura de dependência e de dominação do centro sobre a periferia, como vimos, levou à consciência de libertação. Esta criou um horizonte novo e uma nova óptica pela qual podemos compreender o passado sob as condições do presente e iluminar dimensões ocultas, mas presentes em qualquer articulação humana. Seria ideológico e por isso empobrecedor se reduzíssemos a categoria libertação ao seu conteúdo analítico”. (idem)
Na América Latina, destacou-se, nesta mesma inflexão, o grande intelectual peruano e teólogo, Gustavo Gutierrez, em sua obra, Teologia da Libertação, Editora São Paulo-Loyola, valendo citar sua afirmação:
“A Teologia da Libertação busca abolir a atual situação de injustiça e construir uma sociedade nova deve ser verificada pela prática desse compromisso; pela participação ativa e eficaz na luta empreendida pelas classes sociais exploradas contra seus opressores. A libertação de toda forma de exploração, a possibilidade de uma vida mais humana e mais digna, a criação de um homem novo passam por essa luta.”. (sic)
O filo-sociólogo e livre pensador brasileiro, radicado na França, Michael Löwy, dedicou-se à compreensão de vários tabus e concepções dessa prédica externada, em seus estudos versáteis, sobre as questões axiológicas, exauridas em respectivas temáticas, tais como: “A Redenção e Utopia”– Editora São Paulo, e “a Guerra dos Deuses” – Editora Vozes, na tentativa de elucida-los, buscando solução cabível, na linha de reflexão de Max Weber, exibida na “A ética protestante e o capitalismo”, de natureza econômica, porém, não convergida ao relacionamento sacrossanto, comparando-a à ética calvinista e o espírito capitalista. Por longo tempo, ele caracterizou tal afinidade eletiva, como tipo particularizado de origem dialogicamente dialética, de uma parte, e, do outro lado, de natureza imaterial e metafísica, estabelecida entre ambas posturas sócios-culturais, não inseridas no determinismo tradicional. Teria sido, apenas, uma discreta analogia estrutural, de conceitos pragmáticos, e de inclinações recíprocas, malgrado sua afluência ativa, porém, capaz de chegar até a fusão de ambas conceituações, religiosas, traduzidas pela Teologia da Libertação, e de iguais desideratos materiais do socialismo marxista.
Michael Lowy, ainda, em artigo publicado na internet, sob o tema: Ópio do Povo – Marxismo Crítico e Religião, Revista Movimento, aduz: “Entre os dirigentes e pensadores do movimento comunista, Gramsci (Antônio Francesco) é provavelmente quem manifestou o maior interesse pelas questões religiosas. É também um dos primeiros marxistas a procurar compreender o papel contemporâneo da Igreja católica e o peso da cultura religiosa nas massas populares” (sic)
Definindo essa parte da aferição instrumental, Michael Lowy, aponta os subsídios desta abordagem, apresentando afinidades elementares dessa convergência, aclarando as relações conceituais, entre a libertação teológica e o socialismo, engendrado e concebido por Karl Marx, apontando as similaridades e, também, espargindo as disparidades entre nova teoria, aflorada na América Latina, analisando pontos comuns e recíprocos, e os não convergentes, evidenciados pela formulação espiritual, seus tabus, suas homilias, seus dogmas herméticos, suas bulas e encíclicas, mormente as mais recentes, como a Rerum Novarum, externada por Papa Leão XIII, em 1891, e a Laborem Exercens do Papa João Paulo II, de 1981, dentre essas particularidades, aponta a luta contra a miséria, a valoração humana, a igualdade racial, os juros excessivos, a usura, a segregação, a escravidão, o aborto e a injusta opressão imposta às camadas populares, menos favorecidas, e outras tantas.
Resta claro, por outra face de reconhecimentos filosóficos, segundo a vertente da quase unanimidade intelectual, que Karl Marx jamais foi um predador de religiões, pois, não são conhecidos quaisquer tipos de ataques, acintes ou ultrajem proferidos por ele às essas instituições. Ele não se ocupava dos assuntos metafísicos espirituais, estudos estes que, às vezes, eram enfrentados por Friederich Engels, seu parceiro na edificação de obras, como O Capital, e tantas outras, sendo a expressão emitida por ele de que “a religião é o ópio do povo”, que sempre serviu para desestimular seus ensinamentos, pela enorme grei de adversários à sua prática, por considera-los utópicos, foi mal compreendida e muito bem “urdida”, para o mal entendimento.
O melhor senso de discernimento, em relação à referida expressão, para esquadrinhar e pesquisar o que o referido filosofo socialista queria dizer com aquela afirmação, era de que a crendice religiosa apenas acatava o catecismo espiritual, de forma integral, e quase sempre de modo fanático, apenas almejando alcançar e auferir os benefícios divinais, relegando a luta no campo material, que verdadeiramente haveriam de travar, pela aquisição de seus direitos e pelas suas liberdades, afim de desvencilhar-se dos grilhões que lhes oprimiam, pela massa opressora.
Eduardo F. Chagas, professor de filosofia da Universidade Federal do Ceará, fez publicar artigo a respeito do tema suboculi – “A CRÍTICA DA RELIGIÃO NO PENSAMENTO DE KARL MARX”, dizendo: “Não há, no pensamento de Marx, uma elaboração sistemática acerca da religião, embora haja uma crítica a ela enquanto crítica social das condições materiais de existência, que é o fundamento dela. Para Marx, a religião, entendida especificamente como superstição, idolatria, “ópio”, que conforma o homem e embaraça a sua consciência, deve ser negada, mas não se trata pura e simplesmente de um desprezo, de uma proibição ou perseguição à religião, nem tampouco de uma negação em geral a ela, uma vez que ela é uma questão privada e deve ser respeitada, mas de desvelar o véu religioso presente na sociedade e no seu ordenamento político, no Estado, que oculta a exploração e a opressão humana. A crítica à religião como crítica da realidade social, da qual ela nasce e é expressão ideal, contribui, de certa forma, para a emancipação social do homem.” (sic)
Rosa de Luxemburgo, grande expoente do marxismo, já no alvorecer do século XX, ao abordar o tema religioso, frente ao socialismo, afirmava: “Que os socialistas modernos eram mais fiéis aos preceitos originais do cristianismo que o clero conservador de hoje. Porque os socialistas disputam por uma ordem social de igualdade, de liberdade e de fraternidade, os padres deveriam acolher favoravelmente o seu movimento caso eles quisessem honestamente aplicar à vida humana o princípio cristão “ame o próximo como a si mesmo”.(sic)
Na apresentação do livro, de autoria de Rosa de Luxemburgo, O Socialismo e as Igrejas, elaborada pelo editor da referida obra, Edição Docer, fez ele exibir a seguinte afirmação: “A liberdade no pensar, característica das teorias de Rosa Luxemburgo que não a constrangeu de lançar críticas às escolas marxista-leninistas, causa ambíguas leituras a respeito dela mesmo entre os estudiosos e teóricos da esquerda política. As reflexões propostas por Luxemburgo sobre as igrejas surgem como a sua grande novidade dentre as teorias da esquerda política do final do século XIX e início do século XX. Em concordância com outros teóricos marxistas, Luxemburgo lança suas críticas às igrejas mancomunadas com a tradição liberal, e com os poderosos, em detrimento dos mais pobres. A singularidade na teoria da filósofa, contudo, eleva-se no seu projeto de solução para as igrejas: retornar à essência da fé cristã, da mesa comum da comunidade de fé e da acolhida da causa dos mais pobres, postura bem presente nos ensinamentos de Jesus relatados nos Evangelhos e na atuação dos primeiros cristãos, o que pode ser consultado no livro dos Atos dos Apóstolos.” (sic)
Encerrando, cumpri-me acrescentar que, o materialismo dialético é uma corrente de filosofia, antagônica ao idealismo filosófico, que objetiva alcançar, compreender e definir os mais diversos processos sociais, ao longo da história, analisando-os à luz das transformações dos atos humanos, bem como, suas evoluções e revoluções, vistos sob os ângulos psicológicos e sociais, em seus respectivos fenômenos, que fazem evidenciar, sugerindo o que pode ser transformado pelas respectivas inter-relações individuais ou orgânicas e, assim, acredita que o mundo material é, sempre, um reflexo pragmático do universo das ideias.
*BENITO CAPARELLI é Juiz aposentado da 1ª Vara do Trabalho de Cuiabá, aposentado, em Mato Grosso. Foi vereador pelo extinto PCB.