A presença recente de Cuiabá e Red Bull Bragantino na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, aliada ao movimento de clubes tradicionais em direção à Sociedade Anônima do Futebol (SAF), faz parecer que o clube-empresa é novidade absoluta no Brasil. O Cuiabá, aliás, foi o primeiro clube a implantar o sistema SAF, no futebol brasileiro.

Na mesma linha, os investimentos prometidos por John Textor e Ronaldo em Botafogo e Cruzeiro, além do próprio Bragantino, alavancado pela grana austríaca dos energéticos, sugerem que a estrutura empresarial vem acompanhada de volumes enormes de dinheiro.

O mapa que baseia esta reportagem foi produzido por um geógrafo, Jonathan Ferreira, e um advogado especializado em direito societário, Luciano Motta, ambos oriundos do mundo acadêmico. Jonathan é mestrando do curso de Geografia da Unesp de Rio Claro, em São Paulo, além de bolsista Capes. Luciano é doutorando pela Universidade de Salamanca, na Espanha, e autor do livro “O mito do clube-empresa”.

Eles buscaram dados para responder às seguintes perguntas:

  • Quantos clubes-empresas o futebol brasileiro já tem?
  • É possível dizer que a existência deles segue lógica geográfica?
  • Qual é a distribuição territorial dessas agremiações?
  • Quais são as características delas, em termos de capital e divisão?

Jonathan e Luciano participaram do episódio desta semana do podcast Dinheiro em Jogo (clique aqui para ouvir, ou busque em seu player favorito). A seguir, o ge reproduz as principais informações contidas no artigo acadêmico escrito pela dupla, também disponível neste link.

O QUE É CLUBE-EMPRESA?

Juridicamente, a estrutura societária “clube-empresa” não existe. Ou é associação civil sem fins lucrativos, como a maioria dos clubes se organiza no Brasil atualmente, ou segue algum formato empresarial.

Essa denominação, usada no futebol há décadas, existe para facilitar a denominação daquele clube que nasce ou migra para uma dessas estruturas empresariais. As mais comuns são microempresa (Eireli), limitada (Ltda) e sociedade anônima (S/A).

Recentemente, o Congresso brasileiro criou a sociedade anônima do futebol (SAF), um tipo específico para essa modalidade esportiva, com características ligeiramente diferentes de uma S/A convencional.

No mundo, de acordo com o levantamento de Luciano Motta, estruturas empresariais foram impostas a clubes de futebol como uma forma de forçá-los a se tornarem mais bem administrados e menos endividados. Não existem evidências de que esse processo tenha funcionado.

Essa foi a ordem dos países nessa transformação:

  • Itália – 1981
  • França – 1984
  • Espanha – 1990
  • Portugal – 1996

Na Inglaterra, os clubes nesceram com tipologias jurídicas próprias de empresas, desde o fim do século 19, embora também tenham em suas origens associações entre pessoas da classe trabalhadora.

No Brasil, a Lei Zico tentou estimular a conversão, da associação civil sem fins lucrativos para a empresa, em 1993. A Lei Pelé, de 1998, tinha como um de seus pilares a migração obrigatória, a partir de determinado porte. Nenhuma delas funcionou em massa, no primeiro escalão nacional. A SAF, de 2021, corresponde a nova tentativa nesse sentido.

O MAPA DO CLUBE-EMPRESA

Atualmente, o Brasil possui 136 clubes-empresas. Eles representam 13% de todos os clubes registrados como profissionais, segundo levantamento recente da CBF. De acordo com os autores, essa quantidade deixa o Brasil próximo de França, Itália e Espanha.

– É inverídica a afirmação de que o Brasil possui “poucos clubes-empresas” ou que essa tipologia simplesmente “não pegou” – afirmam Jonathan Ferreira e Luciano Motta no artigo.

A diferença é que, enquanto esses países têm as suas elites preenchidas por empresas, no Brasil existem apenas dois na primeira divisão: Cuiabá e Red Bull Bragantino. A percepção das pessoas costuma estar condicionada ao topo da pirâmide, e não a todo o futebol brasileiro.

Em termos de distribuição geográfica, o Estado de São Paulo concentra a maior quantidade de empresas, seguido por Paraná e Rio de Janeiro. Há uma nítida concentração no Sudeste. A concentração ocorre por causa da busca de empresários por área com maior densidade populacional.

Número de clubes-empresas por Unidade da Federação

  1. São Paulo – 37
  2. Paraná – 15
  3. Rio de Janeiro – 13
  4. Mato Grosso – 11
  5. Distrito Federal – 9
  6. Espírito Santo – 9
  7. Minas Gerais – 7
  8. Pará – 7
  9. Bahia – 4
  10. Rio Grande do Sul – 4
  11. Santa Catarina – 4
  12. Alagoas – 3
  13. Pernambuco – 3
  14. Ceará – 2
  15. Sergipe – 2
  16. Tocantins – 2
  17. Amazonas – 1
  18. Goiás – 1
  19. Mato Grosso do Sul – 1
  20. Paraíba – 1

AS DIVISÕES DOS CLUBES-EMPRESAS

Em linhas gerais, clubes-empresas são abertos para que seus acionistas, os donos, tentem ganhar dinheiro com transferências de jogadores, não necessariamente para disputar competições em alto nível. E essa característica influencia a capacidade esportiva.

Quase a metade de todas as empresas ativas no futebol brasileiro – ou 63, no total – está sem divisão até mesmo na esfera estadual. Apenas 15% (20 clubes) estão presentes nas respectivas primeiras divisões.

Além dessa hierarquia, os autores descobriram que 20% dos clubes-empresas disputam apenas competições de base, o que reforça a natureza “revelar para vender” dos negócios que são abertos.

Jonathan Ferreira e Luciano Motta afirmam que os clubes têm estruturas primitivas. Uma conclusão que também se apoia na quantidade de capital aportada em cada negócio – ao menos do ponto de vista legal.

O CAPITAL DO CLUBE-EMPRESA

Antes de avançar sobre os dados, é importante entender: o que é capital social? Trata-se do valor que os sócios de uma empresa estabelecem para ela no momento da abertura. Esses números são públicos, ao menos no Estado de São Paulo, pois são registrados na Junta Comercial.

Nem todos os Estados possuem um sistema online e aberto para a consulta dessas documentações, motivo pelo qual os pesquisadores restringiram o levantamento, nesta parte, a São Paulo.

Teoricamente, o capital social refletiria o investimento feito pelos sócios na constituição da empresa. Se o negócio em questão fosse uma padaria, seria necessário dinheiro para comprar equipamentos, estoque de matéria-prima, locação do espaço, pagamento a funcionários etc. A verba aportada pelos donos da empresa dimensionaria o capital social.

Na prática, muitos negócios são constituídos sem que o capital social corresponda ao investimento inicial. Há casos de companhias abertas com apenas R$ 1, um valor simbólico, ou mesmo R$ 1.000, insuficientes para fundar um clube de futebol. Portanto, esse é um quadro com limitações em sua interpretação, mas que não deve ser ignorado.

Para analisar os dados do quadro acima, os pesquisadores fizeram o seguinte exercício. Digamos que um clube-empresa fosse fundado, com a expectativa de lidar com o custo para a inscrição na Federação Paulista de Futebol (FPF), hoje equivalente a R$ 800 mil, e almejasse subir desde a quarta divisão até a primeira. De quanto dinheiro ele necessitaria?

Jonathan e Luciano estimaram em R$ 20 milhões – a soma da taxa de registro, mais as despesas operacionais em cada uma dessas divisões por quatro anos. Logo, eles concluem que grande parte dos clubes-empresas está “subcapitalizada”, ou seja, não recebeu investimentos necessários em sua fundação para almejar a competição em alto nível.

– A conclusão, seja sob o aspecto desportivo, seja pelo constitutivo, é a de que o clube-empresa no Brasil ainda é um “investimento” rudimentar, quase que sob uma estrutura “doméstica” obsoleta, circunscrita a um grupo fechado de pessoas e carente do vigor e da robustez de grandes grupos empresariais – escreveram os autores no artigo acadêmico. (GE)