Minas inteira não sei, pois aquilo lá é um amontoado de universos e de identidades dispersas no Norte com aspecto nordestino, Triângulo bem ligado a Goiás, Sul identificado com São Paulo, Zona da Mata grudada ao Rio de Janeiro, Belorizonte; Vale do Rio Doce, Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha, bem baianeiros; Vale do Aço dominado por metalúrgicos e tantos outros planetas, todos alicerçados no mais puro mineirês, independentemente da influência que sofram. Superficialmente conheço aqueles mundos, mas um deles, o meu, cabe inteiro em minhas lembranças ou memórias.
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Era uma Minas simples. Simples, mas abismal. Sem a universalização de agora. Sem o vaivém aos Estados Unidos em busca da sobrevivência na arte de fazer a América. Muito simples. Simples até demais, sô! Na minha pequena vila sem energia elétrica interligada à rede nacional, sem ruas calçadas, escola, saneamento, indústrias, carros, sem nada que se identificasse com progresso ou ambição, mas transbordante de vida. Vida mineira, uaí!
A porta da cozinha de minha casa dava para um enorme quintal cercado por tábuas com arame farpado no alto, e com cerca viva de bucha aos fundos. Havia um desnível no terreno. A casa na parte alta. Minha mãe, a Dona Filhinha, cozinhava como ninguém. Num prato de alumínio me servia um mexido com carne de porco desfiada.
Servia sem garfo. Enchia a mão com a dobradinha arroz-feijão com farinha de milho e um naco da carne. Isso há mais de 60 anos, mas nem mesmo esse tempo consegue apagar da minha memória o carinho dela e o quê daquela comida.
Minas nunca teve pressa. Minha vila de Alpercata, também, não. Virar cidade, virou, mas permanece tão (ou quase tanto) pequena quanto antes. As mudanças ocorreram na população, que cumprindo o ciclo da vida se sucede. Foi assim, que meu pai, Agenor, partiu aos 49 anos vítima de um câncer. Assim partiram tantos ao término da existência terrena.
A pequena vila de Alpercata viu incontáveis filhos partindo em busca de vida nova em outras terras. Os Estados Unidos sempre povoaram as mentes, mas o encantamento da floresta e a magia do cerrado não perdem para o poderoso país do Norte. Tanto assim, que parcela da mineirada que ali vivia se dispersa pelo Pará, Rondônia, Mato Grosso e por onde mais se olhar no mapa dessa região brasileira que os conceitos políticos definem como sendo Amazônia Legal.
A população se espalha em busca do amanhã, cada vez mais difícil no meu canto mineiro. Ainda que se esparrame e por mais distante que esteja, e passe o tempo que passar, Minas não sai do mineiro, ainda que ele queira deixá-la.
O abençoado e ensolarado Mato Grosso é único, acolhedor e ideal para todos os habitantes da terra. Mas, nem essa peculiaridade territorial reforçada com o calor humano de sua coletividade consegue arrancar do peito mineiro o sentimento de naturalidade – ainda que ele em momento de fraqueza tente se livrar desse apego – pois quem nasce na terra de Chico Xavier, JK, Santos Dumont, Pelé, Drummond, Clara Nunes, Tostão, Guimarães Rosa, Staël Abelha, Magalhães Pinto e Tião Carreiro jamais rompe seus vínculos nativos.
Paixão por Minas à parte. É preciso viver intensamente Mato Grosso, que mesmo não sendo meu berço natal é minha verdadeira terra e onde nasceram meus pequenos Agenor e Eduardinho, minha netinha Ana Júlia… É bom viver Mato Grosso sem se esquecer de Minas. Caminhar pelo abençoado e ensolarado solo mato-grossense que desde os primórdios de sua colonização teve a presença mineira deixando seu DNA na construção social, política e econômica desta terra que é berço de Rondon, Bruna Viola, Roberto Campos, Filinto Müller, Nhonhô Tamarineiro, Gabriel Novis, Gilson de Barros, Sarita Baracat, João Balão , Raoni Metuktire e Zelito Dorilêo.
Viver o hoje aqui sonhando com o amanhã nesse mesmo lugar, mas sem se esquecer do ontem, lá nas montanhas mineiras onde o Brasil gritou libertas quae sera tamen.
*EDUARDO GOMES DE ANDRADE é jornalista e escritor em Cuiabá; e editor do Blog do Eduardo Gomes.
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