O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, queria o retorno do futebol já em abril, defendeu os “protocolos” do clube na pandemia e insistiu tanto na mudança dos direitos de transmissão de jogos que a Medida Provisória que alterou as regras acabou ganhando o apelido de “MP do Flamengo”.  O artigo é do comentarista Carlos Casagrande (Globo). Confira:

“Jair Bolsonaro, o presidente do Brasil, concorda com o do Flamengo em todos esses assuntos. Landim é o Bolsonaro do futebol brasileiro. O que essas duas figuras têm feito nos últimos meses compromete a saúde das pessoas, divide a população e, em vez de fortalecer o futebol, vai enfraquecê-lo ainda mais.

Bolsonaro virou chacota mundial ao dizer que a Covid-19 não passava de uma “gripezinha”. Com essa postura, tão insensível quanto irresponsável, chegamos à notícia desta terça-feira (7 de julho): a de que Bolsonaro contraiu a tal gripezinha.

Landim foi na mesma linha, de negar o que acontece ao nosso redor. Ele perguntou no fim de maio: “Por que não voltar o futebol? Só porque a curva é ascendente?”

Ele poderia ter tirado essas dúvidas dentro do próprio Flamengo. Dias antes das declarações, Jorge Luiz Domingos, o Jorginho, massagista que se dedicou ao clube por 40 anos, tinha morrido por causa da Covid-19. Além disso, o clube tinha detectado 38 casos de contaminação em 293 testes realizados em seus atletas e funcionários.

O presidente do Flamengo diz que os “protocolos” do clube teriam se inspirado nos da Bundesliga, a liga alemã, elogiados por muitos especialistas. Sim, é verdade. Mas a Alemanha foi exemplar no combate à pandemia. O Flamengo não está na Alemanha, e sim no Brasil. Aqui, o coronavírus já contaminou 1,6 milhão de pessoas matou mais de 65 mil.

Achar que um “protocolo” exemplar resolve tudo é o mesmo que negar os fatos. Os atletas e outros profissionais de um clube de futebol não estão isolados do mundo. Fora desse roteiro de faz de conta, as pessoas estão ficando doentes e morrendo.

Depois de conseguir a volta do estadual do Rio, o Flamengo “venceu” mais uma com a Medida Provisória 984, que dá ao time mandante o direito de negociar sozinho os direitos de transmissão do jogo. Landim defendeu a ideia, Bolsonaro assinou – e os dois comemoraram a “vitória”. Vitória pra quem?

O Flamengo diz que, com a nova regra, vai conseguir fechar acordo de transmissão ainda melhores. Isso não é pensar no coletivo, no bem de todo o futebol brasileiro, mas no próprio umbigo. Que fique bem claro: é direito do Flamengo e de qualquer outra equipe querer faturar mais e trabalhar para isso. Se o clube tiver competência para isso, ótimo. Que fature dez vezes mais.

Mas esse aumento não pode acontecer à custa do sofrimento de todos os outros – ou, ao menos, da maioria dos demais. Agir sozinho pode funcionar para o Flamengo e para mais alguns poucos clubes de grande torcida. Mas que poder de fogo vão ter clubes menores nessas negociações, seja em que campeonato for? É cada um por si? É isso que queremos para o futebol brasileiro?

Jair Bolsonaro não é Angela Merkel, assim como o futebol brasileiro não é como o alemão. Mas não seria nada mau se a premiê da Alemanha inspirasse o presidente do Brasil. E, no futebol, dirigentes como Rodolfo Landim também deveriam prestar atenção no que fazem os alemães.

Na Bundesliga, uma das ligas mais ricas do mundo, os clubes têm direito de negociar os contratos de transmissão individualmente, como quer o Flamengo. Ainda assim, eles negociam em bloco, unidos, pensando no bem de todos. O resultado é que o bolo cresce mais – e todos ganham com isso.

O egoísmo vai acabar matando o futebol brasileiro. Se todos os clubes morrerem, o Flamengo vai jogar com quem?”  (Globo Esporte)