Em tempo de eleições tão importantes para o Brasil, relembro a visita do Papa Francisco ao Brasil em 2013 que ultrapassou, em muito, sua dimensão religiosa dando uma sacudida geral no país.
Logo ao chegar, por exemplo, ele alterou de última hora seu itinerário, surpreendendo até as autoridades locais, e desarmando qualquer eventual tipo de atentado planejado, permitindo à Sua Santidade a utilização de um carro simples, com vidro aberto, em contato direto com o povo. Nada aconteceu que desrespeitasse a figura do Santo Padre.
Teria sido uma estratégia consciente ou uma irresponsabilidade dos serviços de segurança? Ou foi mais uma daquelas benvindas determinações inovadoras de Francisco?
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Impossível não lembrar o assassinato do presidente Kennedy a bordo do Lincoln presidencial conversível com hora e trajeto marcados. Não seria mais arriscado expor o papa em um carro, mesmo que blindado em meio a uma aglomeração de 1 milhão de pessoas como a que havia se reunido dias antes no Rio e que se repetiam em todo país já embaladas pela indignação política geral e pela força aglutinadora das redes sociais?
Contudo, dentre as muitas lições do Papa Francisco retomo aquela mais marcante para um estudioso das cidades proferida no Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando disse que o “futuro exige hoje a tarefa de reabilitar a Política, que é uma das formas mais altas da Caridade.”
Interessante é que esta frase que eu ouvira “ao vivo” pela TV não encontrei nas “transcrições na íntegra” a que recorri na internet. Fui confirmá-la pesquisando os vídeos do Youtube, expressa pelo próprio Papa. O que me atraiu nesta frase foi justamente a colocação da Política como uma das mais elevadas formas da Caridade, coisas que desde sempre pareceram tão opostas ao senso comum brasileiro.
Nada mais “nada a ver” do que Política e Caridade. No entanto o Papa Francisco colocou a Política como “uma das formas mais altas da Caridade”, e afirmou, com a ênfase da repetição, ser urgente reabilitá-la. Afinal, o que a Política teria a ver com a Caridade?
Uma questão intrigante e mais do que nunca atual, nos cobrando ainda hoje uma profunda reflexão. Tento uma. Em uma República, a Política, a com “P” maiúsculo, é a arte da disputa pelo poder tendo em vista a realização do bem comum, da coisa pública, a “res-publica”.
O verdadeiro político seria então aquele que se dedica a trabalhar pelo bem de todos, mesmo que em sacrifício de seus próprios interesses. Assim, ficaria claro que em sua raiz a Política é uma forma elevada da Caridade.
Jamais pode ser confundida com a política com “p” minúsculo, a politicagem, focada em interesses pessoais ou grupais quaisquer que sejam. Contra esta situação é que o povo foi às ruas em 2013, e nelas deveria permanecer. E este é o desafio colocado por Sua Santidade, servindo em especial aos novos pretendentes a tão importante ofício.
A cidade e o país são o bem comum por excelência, a grande casa, a construção coletiva que envolve a todos. Deveria ser a coisa pública mais palpável. No entanto as cidades brasileiras e o país de um modo geral viraram butins eleitorais, tomados pela classe política como objetos de barganhas eleitoreiras condutoras de forma acelerada ao caos e à metástase urbana, ética e moral que assistimos e sofremos.
É cada vez mais claro que as cidades brasileiras e o país só terão a qualidade que a população exige e tem direito quando forem retomados pela cidadania. O resgate da cidade pelo cidadão, seu verdadeiro dono, passa pelo resgate do bem comum como objetivo máximo de uma nação, a reproclamação da República e, como disse Francisco, a reabilitação da verdadeira Política como a principal ferramenta para sua realização.
*JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS é arquiteto e urbanista; membro da AAU/MT e professor universitário aposentado.
CONTATO: www.facebook.com/joseantonio.lemossantos