A história de Centro Geodésico da América do Sul não veio do nada, tem uma origem e tem gente muito mais capaz que eu para contá-la. Dadas as desinformações danosas a Cuiabá e ao estado, arvoro-me a contar o que aprendi nestes quase 40 anos em que trato o assunto em artigos e debates.
De início recorro ao geógrafo Aníbal Alencastro, maior estudioso da matéria, que cita Joseph Barbosa de Sá, do século XVIII: “Achace esta Villa assentada na parte mais interior da América Austral, em altura de quatorze graos não completos ao Sul da linha do Equador, quase em igoal paralelo com a Bahia de Todos os Santos, pela parte Occidental com a cidade de Lima, capital da Província do Peru, em distancia igoal de huma e de outra, costa setecentos e sincoenta légoas que sam as mil e quinhentas que tem latitude nesta altura deste continente, assentada a beira do rio Cuyabá …”.
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Muito embora se refira a uma centralidade geográfica definida através de medidas (“graos”), sem dúvida é com Barbosa de Sá que começa essa história. Cabe aqui uma distinção entre centro geodésico e centro geográfico. Data vênia dos especialistas, grosso modo, centro geográfico de um território seria o ponto médio entre suas latitudes e longitudes extremas. Já centros geodésicos são marcos físicos onde estão registradas as coordenadas e altura daquele ponto, integrados numa rede planetária e destinados a embasar de maneira uniforme serviços cartográficos, topográficos, cadastrais e outros.

Existem muitos pelo mundo e em Cuiabá um deles é o demarcado pela Comissão Rondon em 1909 na Praça Moreira Cabral, antigo Campo D’Ourique.

Aconteceu que Rondon ao fazer o primeiro mapa de Mato Grosso ao milionésimo ele se utilizou daquele ponto geodésico como referência inicial ao qual se amarraram todos os demais pontos demarcados à medida do avanço dos trabalhos de mapeamento. Mais tarde, em 1927, o mesmo Rondon foi incumbido de retificar as fronteiras terrestres brasileiras com todos os países da América do Sul e de novo este marco serviu como referência “zero” para este hercúleo trabalho que, segundo Alencastro, percorreu “um total de 17.366 Km, com implantação de marcos que até hoje lá estão firmes e sólidos não ocorrendo nenhuma dúvida quanto aqueles limites de fronteira até hoje”. Depois, ainda segundo Alencastro, em 1934 “Rondon foi o árbitro do “Conflito de Letícia” harmonizando as fronteiras entre a Colômbia e o Peru, e o marco em Cuiabá continuou servindo de referência inicial.

Por último recorro ao saudoso professor Lenine de Campos Póvoas que em sua residência explicou pessoalmente a mim e ao então deputado José Lacerda que anos depois foi elaborado o mapa da América do Sul, também tendo como referência os trabalhos de Rondon. Daí e mais a centralidade identificada por Barbosa Sá no século XVIII, surgiu a expressão “Centro Geodésico da América do Sul”, que em 1972 virou lei e por isso deve ser escrito respeitosamente com iniciais maiúsculas.

No último dia 23 de janeiro de 2020 o governo do estado criou o “Monumento Natural Centro Geodésico da América Latina”. Louvável a criação da Unidade de Proteção Integral para a beleza cênica e a biodiversidade local, bem como o fomento ao turismo, mas América Latina é uma coisa e América do Sul é outra.

O risco é expor ao descrédito dois recursos turísticos extraordinários de Mato Grosso: a beleza do mirante na Chapada e todo o significado do “Centro Geodésico da América do Sul” de Rondon no Campo D’Ourique. Tenho elogiado o governador em muitas de suas ações como as referentes ao gás, aos cuidados com a Arena Pantanal e à retomada das obras da Copa. Mas este “centro geodésico da América Latina” juro que ainda não entendi.

*JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS é arquiteto e urbanista; é conselheiro licenciado do CAU/MT, acadêmico da AAU e professor aposentado.

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José Antônio Lemos dos Santos é arquiteto e urbanista; professor aposentado