E agora, José? Qual é o rumo? Descartes ensinava: perdido numa floresta, sem saber se está no meio ou perto das margens, caminhe para frente. Sem fazer curvas. É o que o Brasil precisa fazer. Caminhar. Sem titubear.

Com a experiência adquirida em dois mandatos, sob solavancos, abalos, pressões e contrapressões, Luiz Inácio saberá conduzir o barco. Que deverá enfrentar tempestades, bastando que olhemos para as nuvens plúmbeas que descem de maneira ameaçadora sobre o território. A começar pela prioridade número um, acabar com a fome que assola mais de 30 milhões de brasileiros.

Afinal, o que podemos distinguir no horizonte afora os estragos que a paisagem tropical nos mostra, como a devastação de florestas, as carências nas áreas de saúde, educação, habitação, saneamento, segurança pública, mobilidade urbana? Na sequência, seleciono algumas situações e tendências que movimentarão a esfera política nos próximos tempos.

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Volta à normalidade – O país volta a respirar. Tensões institucionais, que marcaram o ciclo Bolsonaro, tendem a arrefecer, a partir de articulação mais eficaz entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O país resgatará sua credibilidade nos foros internacionais, ganhando respeito dos parceiros, tarefa que começa imediatamente com a participação de Lula no COP27, a Conferência do Clima, da ONU, a se realizar agora em novembro, no Egito.

Encerramento da era 64 – Na poeira do tempo, veremos a despedida dos protagonistas que ascenderam na política contemporânea com o discurso de combate aos anos de chumbo. Entre estes, Fernando Henrique, José Serra, o próprio Lula (que promete não voltar a se candidatar em 2026), Alckmin. Em outra ponta, Bolsonaro, que tem se posicionado como palanqueiro da ditadura.

O conservadorismo – Suas bandeiras foram levantadas por uma das campanhas. Seu discurso, porém, ficou disperso. As pautas conservadoras em campos como aborto, drogas, gêneros, tendem a ganhar força.

A direita – Esteve envergonhada por muito tempo. Ganhou coragem e mostrou sua face. Mas é a extrema direita que fará pontuações contundentes. A posição será ocupada, inicialmente, pelo líder Jair Bolsonaro. Na Câmara, a direita passa a ocupar 50% das vagas e no Senado, 44%. Em seu discurso de 2 minutos, o capitão garantiu: “a direita veio para ficar”. Terá folego para manter sua postura radical?

As oposições – Grupamentos de oposição se organizarão e sua força dependerá da articulação do novo governo. Farão uma oposição programática. Mas o PT aposentará sua contundência discursiva. Um olhar especial será dirigido ao governador eleito de São Paulo, Estado com a maior densidade eleitoral do país e o mais forte na frente da economia: Tarcísio de Freitas. Sua identidade está vinculada ao campo técnico, tendo ele servido aos governos que antecederam Bolsonaro. Sua performance o colocará na planilha das lideranças emergentes.

O quadro partidário – Carece renovar sua moldura. Parlamentares deverão mudar de posição com a nova janela partidária a ser aberta em abril do próximo ano. O PL, por exemplo, terá dificuldade em sustentar uma bancada de quase 100 parlamentares, devendo ver parcela de seus componentes migrar para outras siglas. A transferência entre siglas possivelmente não leve a canto nenhum, na esteira do ditado: “plus ça change, plus c’est la même chose”.

A democracia participativa –   Nossa democracia participativa conta com os mecanismos do plebiscito, do referendo e de projetos de lei de iniciativa popular. A CF de 88 ampliou e consolidou o leque dos direitos coletivos e individuais. A sociedade passou a participar com mais disposição do rolo compressor de pressões e contrapressões. Núcleos abrigam-se no seio de entidades intermediárias – sindicatos, associações, federações, setores, movimentos –, criando polos de poder. Exemplo recente dessa tendência: abstenção menor no 2º turno do pleito e presença maciça dos jovens às urnas.

Diversidade – Nunca os conceitos de inclusão social ganharam tanto espaço no foro nacional como na atualidade. A política tem inserido em suas cartilhas o alfabeto da inserção de etnias, negros, comunidade LGBTQIA+, etc. na paisagem institucional.

As mulheres – Seu protagonismo será cada vez mais forte. Trata-se de defesa do gênero, aumento de bancadas femininas na estrutura do poder e participação intensa da mulher no debate político. Simone Tebet, Marina Silva, Janja, foram fiadoras de uma candidatura. Ganharam ampla visibilidade. Damares Alves e Michelle Bolsonaro, incorporando o papel de pastoras evangélicas, despontaram como cabos eleitorais da outra candidatura.

O evangelismo – As igrejas neopentecostais adquirem força. O Brasil poderá deixar de ser a maior Nação de católicos do mundo para dar lugar aos evangélicos. A emergência dos credos impulsiona a participação de seus representantes na esfera parlamentar com a formação de considerável bancada.

A laicidade é uma singularidade dos Estados não confessionais. Assegura-se a separação entre o Estado e a Igreja, garantindo-se a proteção de crença e das liberdades religiosas. O debate será acirrado.

As forças armadas – Foram puxadas para a esfera política. Os quadros militares descobriram ser possível exercer novos papéis. O discurso político-governamental se impregnou de um viés militarizado. Mas a aposta melhor é na corrente que defende o profissionalismo das FFs.

As redes sociais – Depois da onda das fake news, as lideranças se esforçarão para aprimorar os mecanismos tecnológicos com vistas ao resgate dos valores éticos e morais.

 

*FRANCISCO GUADÊNCIO TORQUATO DO REGO é jornalista,  professor titular da USP, consultor político e de comunicação 

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