Gabriel Martinelli tinha 18 anos e havia trocado o Ituano pelo Arsenal, da Inglaterra, há pouco mais de seis meses quando recebeu a visita em Londres de Juninho Paulista, coordenador da seleção brasileira. Era início de 2020, e a CBF queria se blindar contra a cobiça da Itália sobre o jogador, que tem dupla nacionalidade.

De lá para cá, muita coisa mudou. O ainda garoto Martinelli, hoje com 20 anos, venceu o ouro olímpico no Japão, ganhou quilos de massa muscular e se adaptou à Europa dentro e fora da campo. Graças a a tudo isso e mais um pouco, o atacante foi convocado por Tite pela primeira vez, para jogos contra Chile, nesta quinta, e Bolívia, na próxima terça.

Em entrevista ao ge, Martinelli falou sobre a chegada à Seleção, a disputa por vaga no ataque, o sonho de estar na Copa do Mundo do Catar e até o hobbie por andar de kart. Confira abaixo.

ge: Como recebeu a notícia da sua primeira convocação? Você vinha alimentando expectativa de ser convocado para a Seleção ou achava difícil, por já estarmos na reta final antes da Copa do Mundo?
Martinelli: – Eu tinha esperança ainda, estava dando o meu melhor no Arsenal, fazendo meu trabalho para cavar uma oportunidade. Graças a Deus, a oportunidade veio, vou tentar aproveitar da melhor maneira possível.

Você estava assistindo a convocação?
– Sim. Deu uma atrasada, e eu estava no treino. Quando cheguei em casa, passei pela porta, sentei no sofá com meu pai, e o Tite começou a falar a convocação. Fiquei muito feliz, com meu pai, meus agentes também estavam aqui. Foi um momento muito especial, por ser a primeira. Vai ficar marcada para sempre na minha memória. Como disse, vou tentar aproveitar da melhor maneira possível.

Recentemente, você esteve com auxiliares da seleção brasileira em Londres. Como foi esse encontro? Depois desse último papo, você ficou ainda mais esperançoso em ser convocado?
– Eles vieram aqui no clube, lembro que o Edu (Gaspar, executivo do Arsenal) chamou eu e o Gab (Gabriel Magalhães) na sala dele, eles estavam lá. Foi um papo super de boa, não foi muito sobre futebol, foi mais sobre o geral, como estavam as coisas, o inglês da gente, nossa adaptação, como estava o campeonato, o time… Foi um geralzão.

Apesar dessa visita recente, não é de agora que a Seleção tenta te “cercar”. Em 2020, o Juninho foi até a Inglaterra, te encontrou e manifestou interesse da CBF em contar com você. O quanto isso fez diferença para você?
– Fez uma diferença grande o Juninho vir até a minha casa e conversar comigo e com minha família. Me deixou muito feliz saber que estava no radar. Só tentei fazer meu trabalho e dar o meu melhor no Arsenal para chegar a esse momento.

Apesar desse gesto do Juninho, em entrevistas no passado você não fechava a porta para a seleção italiana. Até essa convocação do Tite, você ainda cogitava defender outro país? Ou a conquista do ouro olímpico no ano passado já tinha feito você mudar a sua cabeça?
– Eu já tinha deixado de lado isso. Como já disse outras vezes, meu sonho era jogar pelo Brasil, só estava esperando a oportunidade de jogar pelo Brasil.

Falamos sobre a seleção brasileira te “cercar”, mas queria que você contasse como isso ocorreu do outro lado, o lado italiano.
– Nenhum jogador chegou a falar comigo, só o Jorginho uma vez falou “te espero em março”, algo assim, mas ninguém falou comigo, não.

Nem mesmo dirigentes?
– Não.

Você já falou que a camisa da seleção brasileira é a maior do mundo. Qual o fascínio que a Seleção ainda causa? O que você nota com seus companheiros de time, torcedores ingleses e outras pessoas que você conhece?
– Todo mundo tem um carinho grande pelo Brasil, os jogadores do nosso time quando falam do Brasil sabem que nós tivemos muitos jogadores de qualidade e temos até hoje. O Lacazette sempre faz brincadeiras comigo e com o Gab (Gabriel Magalhães). Mesmo sendo de outros países, há esse reconhecimento pela seleção brasileira. Na minha opinião, segue sendo uma das maiores camisas do mundo.

Nesse período de Arsenal você fez gols de diferentes formas: de primeira, de direita, de esquerda, dentro da área… Embora jogue pela esquerda, você tem muita presença na área. Na Seleção, há uma concorrência grande na sua posição, o ataque.

Como acha que pode contribuir com a equipe do Tite?
– Eu prefiro jogar pelos lados, o lado esquerdo especificamente. Mas também gosto de chegar bastante na área com chance de finalizar, para se a bola sobrar eu estar numa boa condição para fazer o gol. Também posso jogar no lado direito, mas minha posição preferida é na ponta esquerda, infiltrando e estando o mais próximo possível do gol.

A ponta esquerda da Seleção tem Vini Júnior, Antony, Rodrygo e Neymar também pode jogar por ali… Como você vê essa disputa?
– A gente tem muitos craques na nossa seleção, vou tentar aproveitar a oportunidade da melhor maneira. Todos são grandes jogadores, mas cada um tem o seu forte. O Neymar tem o dele, o Vini tem o dele, o Antony tem o dele. Vou dar meu melhor para buscar minha vaga para a Copa do Mundo.

Quando pensa em seleção brasileira, de qual jogador você tem mais lembranças? Quem mais te marcou?
Neymar, sem dúvidas.

Do Ronaldo você lembra?
– Na seleção, não muito. Lembro dele no Corinthians, porque estava lá nessa época, jogava futsal e via ele na Fazendinha treinando. Mas na Seleção foi o Neymar quem eu mais vi. Robinho também, Kaká… Ronaldinho Gaúcho um pouco.

Você está na Inglaterra há quase três anos. Imagino que sua vida tenha mudado completamente em Londres, tendo saído do

Campeonato Paulista direto para a Liga dos Campeões. Como você administrou isso?
– Ter a família comigo foi uma das principais coisas que me ajudaram aqui, meu pai e minha mãe estiveram o tempo todo comigo, passaram um bom tempo aqui, isso me ajudou bastante. Eles sempre conversam comigo, me deixam com os pezinhos no chão.

 

Em relação às questões físicas e técnicas, o que você mais sentiu diferença ao chegar na Inglaterra?
– Eu não me preocupei muito com a adaptação, tentei chegar aqui e fazer o meu melhor. Acho que funcionou, já fui bem na primeira temporada. É claro que tive que trabalhar bastante, teve muitas coisas em volta. É bem diferente do futebol do Brasil, mais físico, mais rápido, o jogo é lá e cá a todo momento, você tem que correr mais. No começo foi bem difícil para se adaptar a isso, mas hoje está tranquilo, já estou adaptado.

Você segue leve, mas percebemos que ganhou força nas disputas de bola. Como foi sua evolução física?
– Eu cheguei aqui com 68kg, hoje tenho 75kg. Isso faz muita diferença para disputar a bola. É claro que não pode perder velocidade, mas acho que não perdi e só ganhei massa muscular. Tem que comer as coisas certas também, isso faz muita diferença.

Quando você saiu do Brasil, houve debate se não teria sido melhor esperar um pouco mais e se desenvolver melhor por aqui antes de se transferir para a Europa. Hoje, quando você olha para trás, tem a certeza de que tomou a melhor decisão?
– Isso depende de cada um, às vezes é melhor para o jogador se formar no Brasil, ganhar um pouquinho de bagagem. No meu caso, ocorreu da melhor maneira, não poderia ser de uma forma melhor, tudo o que aconteceu era o que tinha que acontecer, foi tudo certo.

Foi da forma como você imaginava?
– Ah, você não pensa em tanta coisa. Mas meu sonho sempre foi jogar na Europa, num clube grande, é um sonho estar no Arsenal e, agora, conseguir chegar à seleção brasileira.

Recentemente, o Tite falava sobre a adaptação do Vini Júnior ao Real Madrid, e comentou que os jovens podem passar por mudanças muito profundas em um período curto de tempo. Você nota que mudou muito desde que chegou à Inglaterra?
– Sim, e tem que ser assim. Eu tenho certeza que tenho muito mais conhecimento agora do que quando cheguei e espero que daqui a um ano tenha mais do que tenho hoje. No futebol e na vida todo mundo tem que pensar em ser assim, ser melhor do que no dia anterior.

O que você mais gosta de Londres?
– Aqui tem tudo, o que quiser pode fazer. A única coisa que não gosto tanto é o clima, mas agora está melhorando. Gosto de sair pra andar de kart com meus amigos, aqui tem vários restaurantes bons também… Dá pra fazer tudo.

O kart é um dos seus hobbies?
– Eu gosto bastante. A gente vai com os amigos, fecha só para a gente, para ter uma diversão.

Quem costuma ir com você?
– Da última vez tinham dois amigos meus aqui, meu fisio, um amigo português que conheci em Londres, meus dois agentes… Fechamos a pista só para a gente.

Gabriel Magalhães não vai?
– Tentei armar uma com ele, os portugueses do clube… mas não deu certo. Tem que ver os compromissos deles e marcar um, nunca corri com ele.

Vi uma foto sua na London Eye, tradicional ponto turístico de Londres. Você chegou a andar na roda-gigante?
– Quando vem família e amigos, todo mundo quer ir lá, tem que ir. Eu já fui, andei, tirei fotos. Mas chega uma hora que você não aguenta mais lá, toda hora “vamos lá, vamos lá”. Eu não gosto muito dessas coisas de turismo (risos).

Vimos um vídeo do seu trote no Arsenal, contando “Ai se eu te pego”, de Michel Teló. Conta pra gente como foi aquele momento.
– Aqui, quando você vai para o primeiro time, tem que cantar. Mas é mais tranquilo, só vai lá e canta. É mais tranquilo (do que a Seleção), só vai lá, fala seu nome e canta, não tem que contar piada, Hino Nacional nem nada… É bem tranquilo, foi na pré-temporada. Fomos para os Estados Unidos, logo que eu cheguei, e cantei lá. Foi bem tranquilo, tinha bastante menino novo, outros cantaram. Foi um atrás do outro, rapidinho, quis cantar uma música que todo mundo conhecia.

Na Seleção vai ser mais complicado porque você é o único estreante.
– O Gabriel Magalhães também não cantou ainda.

Mas ele já foi convocado.
– Eu acho que não cantou, ele mandou eu decorar uma música para cantar junto (risos).

Qual foi a música escolhida?
– É do Mc Kauê, chamada Iluminado. Mas ele sabe a música de cor, eu não sei inteira, ainda tenho que decorar. Na viagem para o Brasil vou escutando ela.

(Nota da redação: após realização da entrevista, Gabriel Magalhães foi desconvocado da Seleção para acompanhar o nascimento da primeira filha).

Você já falava inglês antes de ir para a Inglaterra? Como foi a adaptação culturalmente?
– Quando eu cheguei, eu falava zero, só sabia “oi”, “tchau”, “obrigado”, hoje me viro, dou até entrevista em inglês. Eu sempre fiz aula, mas o momento em que aprendi mesmo foi quando eu me machuquei. Antes tinha o Emi (Martínez), goleiro argentino que fala um pouco de português, o David Luiz, todo o pessoal. Eu não precisava falar muito inglês. Mas quando me machuquei eu treinava em horário diferente, e só via o fisioterapeuta inglês. Então, todo dia tinha que falar inglês. Isso me ajudou bastante. Pensei: “Agora tenho que falar inglês, senão como vou falar com o cara?”. Hoje é tranquilo.

Em relação à alimentação foi fácil?
– Foi bem tranquilo. Eu tenho uma cozinheira, ela sempre faz comida brasileira, é bem de boa, não tive problema com isso.

Você mencionou um fisioterapeuta e uma cozinheira. Tem mais gente que você levou do Brasil para aí?
– Tem um português que me ajuda com várias coisas, ele é inglês, e também o meu nutrólogo no Brasil.

E de família, quem está aí com você?
– No momento, ninguém. Minha mãe sempre vem, meu pai é mais difícil, ele não curte ficar muito aqui por causa do frio, mas eu entendo, é normal. Em dezembro e janeiro começa a escurecer às quatro da tarde.

O Arsenal tem muita tradição, mas nos últimos anos não conseguiu disputar o título inglês. Mesmo assim, vem num momento de ascensão. Sente que a fase está virando?
– A gente teve uma reformulação muito grande, nosso time tem muitos jovens, de 23, 20 anos… Temos um futuro pela frente, se a gente mantiver esse time, podemos brigar por títulos nas temporadas seguintes, vamos brigar por isso. Nessa temporada vamos brigar pelo quarto lugar, para ir para Liga dos Campeões, e depois brigar pela Liga dos Campeões.

Agora, na Seleção, você vai reencontrar alguns jogadores que estavam com você na conquista do ouro olímpico no Japão, como Daniel Alves, Guilherme Arana… Como é a relação entre vocês?
– É bem tranquila, de boa, a gente sempre se fala quando é aniversário de alguém, manda mensagem. Encontrei o Dani Alves em Portugal há um tempo. Quem é mais próximo de mim é o Antony, ele veio para Londres um tempo atrás com a família, a gente se viu. São ótimos jogadores, a gente tem que manter essa boa relação, quem sabe no futuro podemos jogar juntos novamente.

Você é muito novo e já conseguiu realizar alguns dos seus maiores sonhos, como jogar na Europa e ser convocado para a Seleção. Quais sonhos ainda quer realizar, dentro e fora de campo?
– Dentro de campo eu acho que faltam dois: jogar uma Copa do Mundo e uma Liga dos Campeões. Esses são meus maiores sonhos desde pequeno. Fora de campo, acho que não tem mais. Eu tinha o sonho de comprar uma casa para meus pais e consegui isso no ano passado. Fora de campo está tranquilo, meu sonho já foi realizado.