Não é só você: há 33 mil anos as pessoas também gostavam de ganhar e dar presentes para os amigos e familiares queridos — pelo menos é isso que indica um estudo publicado no PNAS. Segundo a pesquisa, na pré-história da África era comum que membros de diferentes grupos presenteassem os outros com pingentes feitos de casca de ovo de avestruz.

Os especialistas já sabiam que caçadores-coletores que viviam no deserto de Kalahari, no sul africano, mantinham a prática de dar “souvenirs” para pessoas de outros grupos que estavam passando por situações difíceis. A ideia, como explicam os historiadores, era cimentar esses laços, transmitindo objetos simbólicos para assegurar que poderiam confiar uns nos outros quando fosse necessário.

O que os pesquisadores não sabiam era o quão antiga e ampla era essa prática. Graças a alguns pingentes encontrados em Lesoto, os estudiosos puderam concluir que a ideia de presentear o próximo era amplamente aceita no sul da África há pelos menos 33 mil anos.

Para Brian Stewart, professor assistente da Universidade de Michigan e coautor do estudo, a descoberta é a prova de que os seres humanos são animais extremamente sociais — algo que se reflete até nas atitudes dos caçadores-coletores há milhares de anos. “As contas de casca de ovo de avestruz e as joias feitas a partir delas agiram basicamente como versões da Idade da Pedra das ‘curtidas’ no Facebook ou no Twitter, simultaneamente reafirmando as conexões entre pessoas e mostrando aos outros o status desses relacionamentos”, afirmou o pesquisador, em comunicado.

Caçadores-coletores que viviam no deserto de Kalahari, no sul africano, mantinham a prática de dar souvenirs para pessoas de outros grupos que estavam passando por situações difíceis (Foto: Brian Stewart/PNAS)
Caçadores-coletores que viviam no deserto de Kalahari, no sul africano, mantinham a prática de dar souvenirs para pessoas de outros grupos que estavam passando por situações difíceis (Foto: Brian Stewart/PNAS)

Uma rede social

Como explicaram os arqueólogos, a prática já era conhecida, mas, quando eles encontraram ornamentos feitos de casca de ovo de avestruz em Lesoto, perceberam que a troca de presentes era muito mais comum do que se imaginava. Isso porque avestruzes não são comuns daquela região, e os arqueólogos não encontraram evidências de que esses ornamentos eram feitos por lá.

Isso levou a equipe a suspeitar que as pessoas que moravam em Lesoto recebiam esses objetos de outros indivíduos que, por sua vez, teriam ganhado de um terceiro e assim em diante, formando uma “rede de presentes”. Para testar a hipótese os especialistas resolveram analisar a composição química das cascas de ovos em busca de evidências da origem desse material.

De acordo com os pesquisadores, rochas mais antigas, como granito e gnaisse, têm mais estrôncio do que rochas mais jovens, como basalto. Além disso, quando animais como avestruzes se alimentam, parte desses detritos são ingeridos com a comida e se tornam parte de seus ovos. Sendo assim, quando a equipe analisou os pingentes feitos das cascas de ovos, foi possível descobrir qual isótopo do estrôncio era mais abundante nos artefartos, e, então, relacioná-lo ao solo de diferentes regiões.

Após as análises, os estudiosos descobriram que quase 80% dos souvenirs encontrados em Lesoto não poderiam ter se originado de avestruzes que viveram nos arredores da região. “Esses ornamentos vieram consistentemente de longas distâncias”, observou Stewart.

Principal "souvenir" trocado entre grupos pré-históricos eram pingentes feitos de casca de ovo de avestruz (Foto: Brian Stewart/PNAS)
Principal “souvenir” trocado entre grupos pré-históricos eram pingentes feitos de casca de ovo de avestruz (Foto: Brian Stewart/PNAS)

Ainda segundo o estudo, alguns isótopos de estrôncio só são encontrados a mil quilômetros de distância do local, o que é notável para os cientistas. “O cordão mais antigo da nossa amostra tinha o terceiro maior valor de isótopo de estrôncio, por isso também é um dos mais exóticos”, lembrou o especialista.

Suas descobertas também estabelecem que esses pingentes foram trocados durante um período de turbulência climática, cerca de 59 a 25 mil anos atrás — época em que fortalecer relacionamentos entre grupos de caçadores-coletores poderia ser essencial para a sobrevivência das sociedades. “Essas redes de intercâmbio poderiam ser usadas para obter informações sobre recursos, condições de paisagens, animais, alimentos vegetais, outras pessoas e talvez parceiros no casamento”, afirmou Stewart.

Graças a alguns pingentes encontrados em Lesoto, os estudiosos puderam concluir que a ideia de presentear o próximo era amplamente aceita no sul da África há ao menos 33 mil anos (Foto: Brian Stewart/PNAS)
Graças a alguns pingentes encontrados em Lesoto, os estudiosos puderam concluir que a ideia de presentear o próximo era amplamente aceita no sul da África há ao menos 33 mil anos (Foto: Brian Stewart/PNAS)

(REDAÇÃO GALILEU)