Nomeado pela Justiça interventor da CBF nesta semana, o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro Bastos, fez parte da folha de pagamentos da confederação até a semana passada. Por meio de uma empresa, o dirigente manteve um contrato de consultoria pelo qual recebeu R$ 1,08 milhão entre junho de 2020 e julho de 2021.

ge teve acesso ao contrato e a cópias de 17 notas fiscais emitidas. Na terça-feira da semana passada, seis dias antes de ser nomeado interventor na CBF por uma decisão judicial, Carneiro Bastos enviou e-mail ao presidente interino da entidade, Antonio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, para suspender por tempo indeterminado a consultoria.

Em comunicado enviado ao ge, Reinaldo Carneiro Bastos afirmou que a prestação de serviços à CBF ocorreu fora do âmbito de suas atribuições como presidente da FPF e que “gerou rendimentos compatíveis com o mercado”. O dirigente diz ainda que o contrato foi aprovado por todas as instâncias da CBF e que não há absolutamente nenhuma ilegalidade no acordo (a íntegra do comunicado está reproduzida ao final deste texto).

A CBF afirmou que “as informações solicitadas são de caráter sigiloso, só disponível às partes diretamente interessadas.” O presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo, não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Os pagamentos foram feitos para a Ombu Sports Consultoria, que tem como objeto “produção e promoção de eventos esportivos”. Segundo a ficha cadastral da Junta Comercial de São Paulo, a empresa foi constituída em 28 de abril de 2020, mesmo dia da assinatura do contrato com a CBF. Com capital social de R$ 110 mil, tem Reinaldo Carneiro Bastos como seu único sócio.

O contrato diz que a Ombu Sports Consultoria “tem expertise no desenvolvimento de atividades esportivas necessárias ao fomento do futebol brasileiro”. O documento também determina que o sócio da empresa, Reinaldo Carneiro Bastos, passe a integrar a “Comissão de Apoio às Competições coordenadas pela CBF.

Em 2018, quando a Fifa estava prestes a banir Marco Polo Del Nero do futebol, Reinaldo Carneiro Bastos e Rogério Caboclo disputaram para ver quem seria o sucessor dele na presidência da CBF. Carneiro Bastos não conseguiu apoio suficiente e Caboclo foi o escolhido para disputar a eleição como candidato único. Depois disso, os dois se reaproximaram.

17 notas emitidas em 13 meses

A CBF pagou para a empresa de Reinaldo Carneiro Bastos R$ 530 mil entre junho e dezembro de 2020 e outros R$ 550 mil entre janeiro e fevereiro de 2021. No total, R$ 1,08 milhão em 13 meses de consultoria.

A Ombu emitiu nove notas fiscais ao longo de 2020: oito delas no valor de R$ 60 mil cada, além de uma no valor de R$ 50 mil, referente a “13º salário”.

Em 2021 foram mais oito notas: três no valor de R$ 60 mil, no meses de janeiro, fevereiro e março, depois mais quatro no valor de R$ 70 mil cada uma, referentes a abril, maio, junho e julho. Houve ainda um pagamento extra, no mês de abril, de R$ 90 mil. Neste ano, portanto, foram mais R$ 550 mil.

O contrato foi celebrado durante a gestão de Rogério Caboclo – e também foi assinado pelo diretor financeiro, Gilnei Botrel, e pelo diretor de competições, Manoel Flores. Mas duas notas fiscais foram emitidas depois do afastamento de Caboclo da presidência, por causa de uma denúncia de assédio moral e sexual revelada pelo ge. As duas notas foram emitidas em 7 de junho e e 5 de julho, ambas no valor de R$ 70 mil cada.

Intervenção na CBF

Nesta semana, uma decisão da Justiça do Rio de Janeiro anulou a eleição de Rogério Caboclo à presidência da CBF e decretou uma intervenção na entidade. Os interventores nomeados foram o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro Bastos. A CBF vai recorrer da decisão.

A decisão do juiz Mario Cunha Olinto Filho, da 2a Vara Cível da Barra da Tijuca, também determina que Landim e Carneiro Bastos devem indicar um dos oito vice-presidentes para comandar a entidade até a realização de novas eleições. Na sentença, o juiz volta a afirmar que escolheu os presidentes de Flamengo e Federação Paulista de Futebol por critério de “representatividade”.

Nesta quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e outras quatro pessoas por gestão fraudulenta e envio indevido de recursos ao exterior. Segundo a denúncia, Landim e os demais acusados atuaram em uma operação financeira que resultou na perda de R$ 100 milhões a fundos de pensão de funcionários de estatais.

A CBF atravessa uma das mais graves crises de sua história. O presidente da CBF, Rogério Caboclo, está afastado do cargo desde 6 de junho, dois dias depois de o ge ter revelado a existência de uma denúncia de assédio sexual e assédio moral contra ele. O dirigente nega as acusações.

Leia a íntegra da nota enviada ao ge por Reinaldo Carneiro Bastos

Em abril de 2020, recebi da CBF uma proposta profissional para prestar serviços de consultoria para a Entidade, que entendeu que minha experiência pessoal de quase 40 anos no futebol era valiosa para o aprimoramento da gestão do esporte brasileiro.

Como não quis ser funcionário da entidade, abri naquele mês a empresa Ombu Sports, registrada oficialmente em meu nome na Junta Comercial do Estado de São Paulo.

A proposta de trabalho, que envolvia consultoria voltada ao desenvolvimento de competições, planejamento, arbitragem e relacionamento, foi aprovada por todas as instâncias necessárias da CBF, inclusive as diretorias jurídica, financeira e a presidência, então ocupada por Rogério Caboclo.

A prestação de serviços, realizada fora do âmbito das minhas atribuições na presidência da FPF, gerou rendimentos compatíveis com o mercado esportivo.

Causa surpresa que detalhes do contrato e notas fiscais sejam tornados públicos com ares de escândalo justamente no momento em que meu nome foi escolhido pela Justiça do Rio como interventor na CBF.

A existência do vínculo profissional nunca foi segredo, tanto que a empresa foi registrada na Jucesp em meu nome para que não houvesse dúvidas sobre a quem a Ombu Sports de fato pertence.

Não há absolutamente nenhuma ilegalidade no acordo profissional ou nos rendimentos dele provenientes, registrados oficialmente em meu Imposto de Renda e declarados integralmente à Receita Federal.

Por minha decisão, o contrato foi encerrado em junho, uma vez que não havia mais demandas de trabalho com a mudança do comando na CBF. (Globo Esporte)