O ministro da Economia, Paulo Guedes, ironizou a atuação da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, disse que ela “tem trabalhado muito mal” e chegou a sugerir a senadores que revejam o seu comando, afirmações que desencadearam críticas em série de economistas, políticos e juristas.

O ataque ocorreu nesta quinta-feira em audiência pública da comissão temporária que acompanha ações contra a covid-19 no Senado, após pergunta do relator, o senador Wellington Fagundes (PL-MT). “A Instituição Fiscal Independente estima que a paralisação de 50% das atividades econômicas por quatro semanas pode levar a uma redução do crescimento da economia em um ponto percentual — isso caso não haja medidas que compensem essa paralisação, como ocorreu em 2020. Vossa Excelência concorda com essa afirmativa? Qual seria esse potencial efeito, de acordo com o Ministério da Economia?”, questionou Fagundes.

Em resposta, Guedes sugeriu que a IFI tem errado suas previsões. “A IFI disse que nós iríamos furar o teto [de gastos] no primeiro ano, disse que nós iríamos furar o teto no segundo ano, a IFI disse que a dívida iria chegar a 100% do PIB. Eu acho que a IFI tem previsões muito fracas, tem trabalhado muito mal. Eu acho que até o Senado deveria rever um pouco quem é que lidera a IFI, porque, aparentemente, é um economista que tem errado dez em cada dez.” Guedes também minimizou previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apesar das críticas do ministro, o atual diretor-executivo da IFI, o economista Felipe Salto, conquistou a confiança de vários senadores. Ele é ouvido frequentemente pelos parlamentares quando se trata de temas econômicos, como aconteceu nos debates da reforma da Previdência.

Salto classificou a manifestação de Guedes como “espantosa”. “Mostra desconhecimento do trabalho da IFI, que é um órgão do Senado Federal. Seus diretores têm mandato fixo conferido pelo Plenário da Casa. Críticas técnicas são bem-vindas, mas não foi isso que ocorreu ali”, afirmou.

Em sua conta no Twitter, o diretor-executivo da IFI disse ainda que o episódio revelou “aversão ao contraditório”. “Sobre o ataque pessoal feito pelo ministro Paulo Guedes, devo lamentar. Trabalho sem descanso para construir a IFI, com equipe enxuta. O resultado é reconhecido pela OCDE, FMI, mercado, setores do governo, academia,

imprensa e Congresso”, escreveu. “Crítica técnica é bem-vinda, mas não ataque institucional. Pessoas passam, instituições ficam. Democracia é assim. Trabalhamos para consolidar a IFI, inovação trazida pelo Senado” em 2016, acrescentou ele.

Repercussão

Também em rede social, a economista Monica de Bolle, membro do Conselho de Assessoria Técnica da IFI, repudiou “com veemência” os ataques. Laura Carvalho, economista e professora da USP, escreveu que “os excelentes estudos e projeções” da IFI “contribuem muitíssimo para a transparência na área fiscal” e que “não surpreende que sejam alvo de Guedes”.

Leonardo Ribeiro, economista e analista do Senado, classificou os ataques como “vergonhosos”. Ribeiro participou dos planos iniciais para a criação da IFI. “É o nosso whatchdog [cão de guarda] da política fiscal no independente Poder Legislativo. Se não tem competência para tocar o fiscal, pede para sair.”

O economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo, disse que a IFI tem “equipe pequena, mas altamente competente e com espírito público”. Para ele, falta capacidade de realização similar “em outros lugares da Esplanada”.

No âmbito político, o ex-presidente da Câmara deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) declarou solidariedade a Salto. “Entenda que o Paulo Guedes está desmoralizado”, afirmou no Twitter. Samuel Moreira (PSDB-SP), que foi relator da reforma da Previdência na Casa, também manifestou solidariedade ao diretor-executivo da IFI. “Conheço com profundidade o seu trabalho”, disse.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) afirmou que a IFI “já entregou incontáveis contribuições para o debate econômico brasileiro, diferente de Guedes, que, durante dois anos, não entregou uma sequer.” Para a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), os ataques de Guedes à IFI “só mostram a falta de apreço que esse governo tem com a democracia”. Carlos Zarattini (PT-SP) comparou que Guedes “quer destruir o termômetro ao invés de combater a febre”.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que “quando Guedes ataca a IFI, ataca a ciência e a transparência”. Fabiano Contarato (Rede-ES) disse que, como a IFI foi criada para alertar sobre risco nas contas públicas, “a ira do ministro Guedes só significa que ela está cumprindo seu papel.”

No meio jurídico, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que a IFI “tem contribuído de forma clara no debate sobre as finanças públicas do Brasil” e pediu que “eventuais discordâncias com os diagnósticos apontados pela instituição, sob o sério e competente comando de Felipe Salto, devem se restringir a aspectos técnicos.”