Mato Grosso detém as maiores taxas de detecção de hanseníase do país e, por esse motivo, é reconhecido como hiperendêmico. Para enfrentar essa realidade, além do trabalho em prol do diagnóstico precoce, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) avalia que o preconceito é um dos obstáculos na luta contra a doença.
Por ser crônica e transmissível, a hanseníase ainda é vista por muitas pessoas como lepra, termo usado na década de 20, quando os doentes eram excluídos do convívio social e enviados para leprosários distribuídos em vários lugares do país. Na época, esta estratégia foi tomada como medida de controle, por não existir tratamento com foco na cura da doença. Em 1940, com a instituição do tratamento Poliquimioterápico (PQT), as pessoas acometidas pela hanseníase foram reinseridas no meio social.
Apesar da descoberta do tratamento, ainda é preciso romper com esse mito de exclusão enraizado por décadas na sociedade. Para isso, a técnica do Programa Estadual de Hanseníase, Rejane Finotti, explica que é imprescindível entender que não é mais necessário a medida extrema de isolar alguém. Ela conta que a transmissão da enfermidade só ocorre quando o doente não faz o tratamento adequado e tem um convívio intradomiciliar (mora ou convive na mesma casa) com uma pessoa saudável por um tempo superior a dois anos.
“A hanseníase não é transmitida com apenas um toque, uma conversa, um passeio de fim de semana. Para isso, é necessário conviver – sem tratamento – com os bacilos da doença durante um período superior a dois anos. Muitas vezes, o preconceito acontece em decorrência de dúvidas relacionadas à transmissão da hanseníase, o que implica diretamente no diagnóstico tardio, pois na identificação de sinais e sintomas, a pessoa tem vergonha de procurar a unidade de saúde e, quando vai, ela já possui alguma sequela”, diz Finotti, preocupada com o prejuízo que a desinformação pode gerar à saúde pública.
Falar sobre a hanseníase com o propósito de desmitificar o tema contribui significativamente para a diminuição da resistência ao tratamento médico. O preconceito e a falta de informação ainda dificultam a eficácia da cura. “Pois a hanseníase não é mais uma doença vista como no passado, hoje ela tem tratamento e cura”, reforça Finotti.
Na expectativa pelo fim do preconceito, o professor do Instituto Lauro de Souza Lima e médico consultor da ONG AAL Institute, Jaison Barreto, lamenta que a discriminação também esteja entre os profissionais da saúde.
Ele defende a disseminação de conhecimento, em primeiro lugar, na Atenção Primária, que é onde o possível doente terá o primeiro contato. O médico entende que o profissional precisa estar preparado para receber uma pessoa com hanseníase.
“A hanseníase é pouco contagiosa, mas o preconceito é altamente contagioso e, muitas vezes, o profissional da saúde passa isso para o paciente. Agora, se o profissional tem preconceito em relação à doença do paciente, quem dirá ele [o paciente] com relação à família? A hanseníase é uma doença tratável e curável, como tuberculose e qualquer outra doença infectocontagiosa. Precisamos qualificar os nossos profissionais da saúde para entender isso. Temos que sair da idade das trevas, onde o paciente era isolado e tirado do convívio social. Essa época já passou”, diz o professor.
A fim de qualificar os profissionais no manejo clinico da doença, a SES prevê, por meio do Plano Estadual Estratégico de Enfrentamento da Hanseníase, capacitações de profissionais dos municípios das 16 regiões de saúde mato-grossense. Em 2019, a Secretaria capacitou mais de 480 profissionais da saúde de 36 cidades do Estado.
O tratamento
Inicialmente, as Unidades Básicas de Saúde são responsáveis pelo diagnóstico e tratamento da Hanseníase por meio de exames clínicos e fornecimento de medicamentos. Caso haja alguma intercorrência causada pela enfermidade, o paciente é encaminhado às unidades de referência do Estado: o Centro Estadual de Referência de Média e Alta Complexidades de Mato Grosso (Cermac) ou o Hospital Universitário Júlio Müller.
Rejane esclarece que, quando alguém é diagnosticado com hanseníase, todos aqueles que moram na mesma residência também fazem exames médicos. Os que não foram diagnosticados com a doença passam por uma investigação dermatoneurológica, que é realizada uma vez ao ano, durante cinco anos, com o objetivo de descartar a possibilidade da transmissão – já que a enfermidade é silenciosa e, por ficar incubada, demora um longo período para manifestar os sintomas.
Os sintomas
Os sinais e sintomas mais frequentes da hanseníase são:
• Manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas em qualquer parte do corpo, com perda ou alteração de sensibilidade térmica (ao calor e frio), tátil (ao tato) e à dor, que podem estar principalmente nas extremidades das mãos e dos pés, na face, nas orelhas, no tronco, nas nádegas e nas pernas;
• Áreas com diminuição dos pelos e do suor;
• Dor e sensação de choque, formigamento, fisgadas e agulhadas ao longo dos nervos dos braços e das pernas;
• Inchaço de mãos e pés;
• Diminuição da sensibilidade e/ou da força muscular da face, mãos e pés, devido à inflamação de nervos, que nesses casos podem estar engrossados e doloridos;
• Úlceras de pernas e pés;
• Caroços (nódulos) no corpo, em alguns casos avermelhados e dolorosos;
• Febre, edemas e dor nas articulações;
• Entupimento, sangramento, ferida e ressecamento do nariz;
• Ressecamento nos olhos.
“Se a pessoa identificou algum desses sintomas, é importante não ficar com medo ou vergonha em procurar uma unidade de saúde. O diagnóstico tardio pode causar lesões neurais, acarretando um alto poder incapacitante, principal característica relacionada ao estigma e discriminação às pessoas acometidas pela hanseníase”, informa Rejane.
Campanha nacional
Como as sequelas provocadas pelo diagnóstico tardio também implicam diretamente no estigma e preconceito, em 2020, a Coordenação Geral de Vigilância e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde propõe que as atividades da Campanha Nacional de Luta Contra a Hanseníase tenha como proposta o tema “Prevenção de Incapacidades”.
Pretende-se, com esta temática, alertar a sociedade civil sobre os sinais e sintomas da doença e mobilizar os profissionais de saúde quanto à busca ativa para diagnóstico precoce e prevenção de incapacidades físicas.