A análise de um filhote mumificado de tigre-dente-de-sabre (Homotherium latidens) permitiu aos cientistas verificar, em detalhes, características da aparência da espécie impossíveis de se identificar apenas pelos fósseis. Com isso, algumas lacunas existentes sobre o animal típico da Era do Gelo puderam ser, por fim, respondidas.

O corpo parcial do felino extinto foi originalmente descoberto em 2020, sob o permafrost (vegetação permanentemente congelada) de Yakutia, no extremo leste da Sibéria, na Rússia. Ele estava às margens do Rio Badyarikha, na região de Iacútia, também conhecida como República de Sakha.

Desde então, o felino foi investigado por uma equipe de especialistas russos. Eles divulgaram, na última quinta-feira (14), um artigo científico que descreve em detalhes as suas observações do bicho, publicado revista Scientific Reports.

Exemplar do Pleistoceno Tardio

Após escavarem a múmia filhote do terreno congelado, percebeu-se que o exemplar consistia em uma cabeça com parte de sua parte frontal do corpo, ossos dos quadris e membros posteriores. Estima-se que, se completo, o tigre dente-de-sabre inteiro teria apenas 35 cm de comprimento.

A análise de detalhes anatômicos do seu crânio permitiu com que os pesquisadores o identificassem como um tigre-dente-de-sabre filhote. Já sua datação por carbono apontou para uma idade de aproximadamente 31.800 anos, o que coloca o animal no Pleistoceno Tardio.

Aspecto externo de cabeças de três semanas de filhotes de grandes felinos — Foto: Lopatina et al.
Aspecto externo de cabeças de três semanas de filhotes de grandes felinos — Foto: Lopatina et al.

Os registros fósseis revelam que esse grupo de felinos ocupou, durante esse período, a Europa e a Ásia. Eles eram gatos do tamanho de leões, com pernas longas e caninos superiores serrilhados achatados de um lado para o outro.

O filhote é o exemplar mais recente de uma lista de outros animais do Pleistoceno recuperados do solo congelado siberiano, como mamutes, rinocerontes lanudos, lobos, ursos pardos e leões das cavernas. Embora muitos deles já tenham sido anunciados na mídia, como lembra o blog Discover Wildlife, da BBC, poucos foram de fato submetidos a estudos científicos relevantes.

Filhote de tigre-dente-de-sabre

Por meio da comparação dos dentes e ossos do filhote de tigre dente-de-sabre com leões modernos, a equipe conseguiu estimar que o felino possuía aproximadamente três semanas de idade quando morreu. Também se notou que o animal pré-histórico tinha uma cabeça mais curta e arredondada, com orelhas mais arredondadas e altas no crânio, bem como um pescoço alongado e grosso; o que confirma conclusões feitas anteriormente, que se baseavam apenas na anatomia de ossos.

Múmia congelada de Homotherium latidens, localizada na Rússia: aparência externa (A); e esqueleto por tomografia computadorizada (B) — Foto: Lopatina et al.
Múmia congelada de Homotherium latidens, localizada na Rússia: aparência externa (A); e esqueleto por tomografia computadorizada (B) — Foto: Lopatina et al.

O estudo permitiu ainda responder a uma questão antiga, que diz respeito à visibilidade dos caninos Homotherium sp. em vida. Um argumento recente feito por especialistas é que os lábios e a pele ao redor das mandíbulas escondiam os dentes quando a boca estava fechada. Mesmo que o filhote fosse muito jovem para apresentá-los, seus lábios são muito mais profundos do que os dos leões. Tal fato apoia a ideia de dentes ocultos.

Em relação às patas do animal, percebeu-se que as almofadas sob cada dígito são quadradas, em vez de ovais, como é mais típico em gatos. A almofada principal sob a palma é larga e em forma de rim, e não tem a margem traseira trilobada familiar em felinos modernos. Esses detalhes são sugestivos de adaptações físicas para conservação de calor e implicam que os dentes-de-sabre eram especializados em andar sobre a neve.

Comparação de pata de tigre-dente-de-sabre (A, B e C) com leão moderno (D) — Foto: Lopatina et al.
Comparação de pata de tigre-dente-de-sabre (A, B e C) com leão moderno (D) — Foto: Lopatina et al.

Apesar do filhote encontrado ter pelagem marrom-escura, os cientistas acreditam que isso não significa que os adultos apresentavam a mesma coloração. Em alguns mamíferos modernos, como a hiena-malhada, por mais que na infância os indivíduos sejam marrom-escuros, enquanto os adultos são de pelagem clara e manchados.

Esse detalhe só poderá ser investigado com precisão a partir do momento que um tigre-dente-de-sabre adulto for encontrado mumificado; o que não aconteceu até hoje. Porém, é esperado que aconteça em um futuro próximo, impulsionado pelas consequências inevitáveis e alarmantes das mudanças climáticas nos ambientes previamente congelados.

(Redação Galileu)