Em um cenário político dominado por homens, figuras femininas conseguiram abrir caminho e ocupar espaços de poder que, até aquele momento, não haviam sido alcançados em Mato Grosso.
Nomes como Ligia Borges, primeira prefeita eleita no Brasil por Rosário Oeste, Sarita Baracat, primeira prefeita de Várzea Grande, Oliva Enciso, primeira deputada estadual, quebraram a barreira do machismo e da falta de recurso para construírem suas histórias na política.
Apesar da conquista de direitos ao longo dos anos, com implementação de cotas, hoje o número de mulheres no poder ainda é mínima no Estado.
Janaína Riva (MDB) é a única mulher a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa, assim como Rosa Neide (PT), que também está na Câmara Federal. Já na Câmara de Cuiabá, somente Michelly Alencar (União Brasil) e Edna Sampaio (PT) conseguiram ocupar o cargo de vereadora.
A escritora e historiadora Neila Barreto explicou que as mulheres mato-grossenses sempre foram vistas como heroínas que enfrentaram o preconceito e foram à luta.
“Sarita Baracat dizia que preconceito existia e sempre irá existir. No entanto, procurou sempre o apoio de homens e mulheres. E sempre conseguiu. ‘Consegui até apoio dos militares’, dizia ela”, contou a historiado em entrevista ao MidiaNews.
“E, apesar dos anos, a política continua extremamente machista. É só olharmos no quadro da Assembleia Legislativa, na Câmara de vereadores e compararmos com o número de eleitores em Cuiabá e Mato Grosso”, acrescentou.
Ganhando espaço
A ex-senadora Serys Slhessarenko, candidata à deputada federal, é uma das que precisou enfrentar a resistência dos homens para se firmar como deputada estadual e senadora.
Com uma campanha simples em seu primeiro mandato na Assembleia, Serys não esperava se eleger, mas foi a primeira candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) a conseguir se eleger em Mato Grosso. De lá para cá, nenhuma outra mulher petista ocupou posto no Legislativo estadual.
“As pessoas perguntavam, ‘mas você não tem medo?’ e eu respondia: ‘Tenho, mas não uso’”, afirmou.
Apesar de ter conquistado o povo, ela assume que em muitos momentos enfrentou ataques por ser mulher. O machismo, muitas vezes velado, se manifestava até mesmo na estrutura da Assembleia, que não dispunha de banheiros femininos próximo ao plenário.
A ex-senadora lembra que em dias em que a sessão durava mais de oito horas, o presidente da época precisava emprestar a chave para que ela usasse o banheiro de seu gabinete para que não precisasse se deslocar pela longa distância até o feminino.
“Agora está muito melhor, tem percentual de candidatura, percentual de recursos. Está longe de estar do jeito que a gente gosta e quer, mas perto do tempo que eu disputei… Nossa senhora, para você conseguir um espaço e ser candidata era uma guerra”, disse.
Feitos na política
Uma característica em comum entre as mulheres que ingressaram na política é o desprendimento do medo e a vontade de mudar e melhorar desde questões sociais, de educação, até infraestrutura nos municípios do Estado.
Neila relata que Ligia Borges foi pioneira como mulher a comandar a construção de uma usina hidrelétrica, em Mato Grosso e no Brasil.
À época, a prefeita conseguiu apoio de João Ponce de Arruda, Filinto Muller e do engenheiro Alberto Addor para colocar em prática o plano que levou energia para Rosário D’Oeste e Nobres ainda nos anos 40.
Outra que se destacou foi Oliva Enciso, que além de ser a primeira parlamentar mulher da Assembleia, também executou trabalhos que melhoraram a educação e o social do Estado quando ele ainda era unido com Mato Grosso do Sul.
A pesquisadora Dayane Freitas fez uma dissertação de mestrado sobre a vida da ex-deputada.
Apesar de ter inspirado e aberto caminho para outras mulheres da Assembleia, Oliva não lutava por pautas feministas.
Diretora de um orfanato que abrigava crianças e oferecia assistência, ela entendia as demandas que faltavam nas áreas sociais e lutava pela educação. Segundo Dayane, Oliva carregava com ela a visão de que precisava ajudar o povo.
Um dos feitos mais marcantes da carreira política da ex-deputada foi a fundação do Senai em Campo Grande, que fazia parte de Mato Grosso naquele período. A pesquisadora relata que Oliva, nos anos 50, conseguiu uma ponte com o líder do instituto em São Paulo para trazê-lo para o Estado.
“Naquela época, mulher era para estar casando e tendo filho e ela estava no meio da política. Tem uma foto de vinte homens e só ela de mulher. Para a representação daquela época, ela era diferente”, afirmou Dayane.
“Não tinha como achar que ela estava ali por outro propósito, não havia como ter uma visão machista sobre ela, porque a causa dela era muito nobre”, acrescentou.
Legado permanece
“São exemplos a serem seguidos. Em uma época com mais dificuldade, em nenhum momento abandonaram as suas frentes de trabalho. Todas foram deixando o seu quinhão de contribuição para as que vieram depois e estão por vir”, assim resume Neila ao falar sobre as pioneiras na política.
Mesmo admitindo que ainda há muito que melhorar, é um consenso que um grande caminho já foi percorrido pelas mulheres na política de Mato Grosso.
Questionada sobre o que gostaria de ver no futuro, Serys, que ainda almeja contribuir politicamente agora na Câmara Federal, afirma que há muito mais a ser feito pela e para as mulheres.
A ex-senadora diz que sua vontade é que algum dia as mulheres se tornem maioria no parlamento, realidade que ainda não pôde ser presenciada pelos mato-grossenses.