O Ministério Público Federal (MPF) dará início a uma investigação sobre a conduta da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e das demais entidades envolvidas na realização da Copa América no Brasil.

Serão investigados por “atos violadores dos direitos à vida e à saúde” os estados e municípios que vão abrigar os jogos, assim como as empresas patrocinadoras e as emissoras que transmitirão a competição sul-americana de seleções, enquanto o país atravessa uma grave crise sanitária gerada pela pandemia de coronavírus.

Dessa forma, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes e o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro entram na mira das investigações. Mauro Mendes já se pronunciou sobre o fato falando em ‘hipocrisia’ e implicância do MPF contra o evento (veja mais abaixo).

O subprocurador Carlos Alberto Vilhena, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, enviou ofícios aos procuradores de Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal, determinado a abertura de inquéritos.

Os governos estaduais e municipais devem responder por colaborar com as violações ou por se omitirem da obrigação de prevenir “condutas transgressoras de direitos humanos no contexto de atividades empresariais e do dever de proteção contra comportamentos atentatórios a mencionados direitos fundamentais”, segundo consta no ofício do MPF.

As emissoras SBT e o grupo Disney, que administra os canais Fox Sports e ESPN, serão alvos das investigações, além de patrocinadores como as empresas Ambev, Latam, Mastercard, TCL, Semp, Diageo, Kwai, Betsson, Betfair22 e TeamViewer21.

A iniciativa partiu do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos e Empresas do MPF, que avaliou que o planejamento apresentado pela CBF e pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) não assegura que não haverá alta transmissibilidade da covid-19 durante a Copa América.

Dessa forma, os procuradores afirmam que a realização do evento no país – decidida às pressas após Argentina e Colômbia se recusarem a receber a competição – põe em risco a saúde dos trabalhadores, sejam estes jogadores, equipe técnica, jornalistas, profissionais de rádio e televisão, funcionários dos estádios, agentes de segurança e outros envolvidos na organização e logística da Copa.

Segundo os procuradores, o risco de contaminação se agrava ainda mais com os deslocamentos das delegações e com o “aumento do fluxo de passageiros no transporte coletivo, aéreo ou não, potencializando o aumento da transmissão do vírus”.

O MPF avalia que a logística para a realização dos jogos exige a presença física e o constante deslocamento não apenas dos próprios atletas, mas também das delegações e equipes técnicas. Além disso, as cidades que receberão as partidas estão com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados em meio a alta de casos de covid-19.

As cidades-sede da Copa América serão Brasília (DF), Cuiabá (MT), Goiânia (GO) e Rio de Janeiro (RJ).

O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) investiga a conduta do presidente da CBF, Rogério Caboclo, acusado por uma funcionária da entidade de assédio moral e sexual.

A denúncia foi formalizada na última sexta-feira perante a Comissão de Ética do Futebol Brasileiro, órgão ligado à própria CBF, o que levou o MPT-RJ a abrir a investigação. O caso levou ao afastamento de Caboclo da presidência da entidade por um prazo de 30 dias.

Mauro Mendes vê ‘hipocrisia’ e implicância

Nesta terça-feira, o governador Mauro Mendes (DEM) se pronunciou sobre o assunto e afirmou que o Ministério Público Federal (MPF) está de ‘implicância’ com a Copa América 2021 que será realizada em Mato Grosso e mais três outros estados entre os dias 13 de junho a 10 de julho. O democrata vê uma ‘hipocrisia’ do MPF e voltou a defender o torneio internacional e destacou que os organizadores de outras competições e jornalistas também deveriam ser notificados.

A declaração de Mauro veio depois de o MPF notificá-lo por suposta violação à vida durante os cinco jogos na Arena Pantanal, durante a Copa América. Além do governador, o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), também será investigado.

O governador foi além: “Eu não sei o porquê dessa implicância com a Copa América. Porque elavirou a grande vilã como se nada estivesse acontecendo, como se todo mundo tivesse paradinho em casa. Gente, pelo amor de Deus. Vão vir 40, 50 pessoas por delegação, os jogadores, em sua grande maioria, jogam na Europa, estão todos vacinados. Existe um protocolo muito rígido de teste e biossegurança. O estado vai estar fechado”, garantiu.

O governador lembrou que há outras competições ocorrendo no Brasil e que os próprios jornalistas se aglomeram. “Não fui notificado (pelo MPF). Meus amigos, vamos falar a verdade, hoje existe a Série A, a Série B, Série C, Série D, Copa do Brasil, Sul-Americana, Libertadores da América, Eliminatórias da Copa do Brasil, tudo acontecendo. O Ministério Público devia aproveitar e notificar todo mundo do Brasil inteiro. Devia notificar todos nós aqui por aglomeração. Olha vocês (jornalistas) tudo aglomerado. Está vendo? Tem que notificar todo mundo”, criticou.

Por fim, Mauro Mendes voltou a garantir que a Copa América não fará que o número de infecções aumente e que todas as medidas serão tomadas. “Vamos esperar o Ministério Público Federal (MPF) notificar, ver o que que ele pede. O governo tem o dever de explicar para o MP, para a imprensa, para o cidadão qualquer que for questionada. Vamos explicar. Estamos muito tranquilos do que estamos fazendo. A Copa América vai seguir, segue todos os protocolos de segurança”, concluiu.

A Arena Pantanal será palco de cinco jogos da Copa América

Copa América no auge na pandemia

A atual edição da Copa América, que ocorre de 13 de junho a 10 de julho, seria realizada inicialmente na Colômbia e na Argentina. Em 20 de maio, a Colômbia anunciou que não sediaria o evento devido a uma onda de protestos generalizados contra o governo e a situação sanitária do país.

Pouco depois, a Argentina afirmou que seria muito difícil realizar o torneio em seu território, após uma pesquisa de opinião apontar que 70% da população não queria a realização da Copa América, em meio a uma nova onda da covid-19 no país.

A Conmebol, então, retirou o campeonato da Argentina, e de modo surpreendente, anunciou que o Brasil seria o país-sede. “A Conmebol agradece ao presidente Jair Bolsonaro e sua equipe, bem como a Confederação Brasileira de Futebol, por abrir as portas daquele país ao que é hoje o evento esportivo mais seguro do mundo”, disse a entidade no Twitter.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Pandemia, criticou a realização do evento. “Não temos a menor condição de sediar uma Copa neste momento de pandemia no país! Sou amante do futebol, mas sou defensor da vida! Se o presidente tivesse tido essa agilidade para responder à Pfizer como foi com a Conmebol, certamente poderíamos estar recebendo esse evento”, afirmou no Twitter.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), também manifestou oposição à realização do evento no Brasil, e acusou o governo federal, a Conmebol e a CBF de formarem um  “sindicato de negacionistas”.

Diversas críticas à realização da Copa América no Brasil destacaram a rapidez com a qual o governo federal teria tomado a decisão de aceitar sediar o campeonato no país, comparando-a com a demora para responder a e-mails da farmacêutica Pfizer que ofereciam a venda de doses de sua vacina contra a covid-19.

A realização da Copa América no Brasil em meio à pandemia também foi considerada uma má ideia por epidemiologistas. Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), disse que a decisão é um “deboche e um desrespeito” aos familiares das mais de 460 mil pessoas que morreram em decorrência da covid no país.

Segundo especialistas e o próprio Ministério da Saúde, o Brasil está à beira de uma terceira onda de infecções pelo coronavírus. As UTIs de vários estados estão cheias, e a previsão de epidemiologistas é de piora no desastre sanitário brasileiro justo no período em que se disputará a Copa América.