O Ministério Público Eleitoral em contrarrazões apresentadas aos recursos ordinários interpostos pelo Diretório Nacional do Partido Social Liberal, pela senadora Juíza Selma Rosane de Arruda (PSL) e seus suplentes Gilberto Eglair Possamai e Clérie Fabiana Mendes, reforçou que a chapa é indivisível e, portanto, deve ser mantida a cassação de todos os seus membros. Ou seja, da senadora e de seus dois suplentes.
No mesmo processo, o MPE entende que o primeiro suplente Gilberto Possamai “comprou” a vaga na chapa de Selma, pois foi responsável pelo investimento de R$ 3,17 milhões, no financiamento da campanha.
Os recursos ordinários foram propostos contra acórdão que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral para efeito de cassar os diplomas outorgados aos candidatos, decretando-se, por consequência, a perda de seus mandatos eletivos e a inelegibilidade de Selma e Possamai.
Nessa senda, toda a chapa encabeçada pela candidatura de Selma Rosane de Arruda restou beneficiada pelo abuso de poder econômico e pelos gastos ilícitos de campanha, havendo de ser cassada em sua integralidade.
“A chapa, na eleição majoritária, é una e indivisível, sendo que, para fins de cassação de registro ou de diploma, a sorte do titular importa a sorte, no caso de Senador, dos suplentes. Assim, é inviável a cisão, no tocante à consequência jurídica de cassação de registro/diploma em ação de investigação judicial eleitoral, sendo incabível a cassação da titular, sem que tal medida atinja, também, os demais”, cita trecho das contrarrazões do MPE.
No mesmo contexto, o MP Eleitoral ainda diz que “a expressiva votação obtida pela investigada Selma Arruda não se materializa em salvo conduto ou excludente de ilicitude para ações graves e ilícitas perpetradas ao longo de pré-campanha e campanha, viáveis objetivamente a desequilibrar o pleito”.
“A gravidade, ressalte-se novamente, está escorada em dois pilares: precocidade de efetivos atos e gastos de campanha (contabilidade paralela), predominantemente no financiamento desses atos anteriores ao período eleitoral. Em suma, são esteios aptos a gerar abuso de poder econômico”, destaca.
Para o MP Eleitoral, é nítido que, apesar de gastos ilícitos de campanha e abuso de poder econômico representarem, cada um, por si só, motivo para a cassação do mandato (ou seja, ainda que um deles seja afastado, o outro justifica a penalidade), formam um todo harmônico amalgamado e consistente a robustecer a reprovabilidade das condutas.
O MPE ressalta que os investigados também não conseguem explicar a alegação de que o primeiro contrato tenha sido supostamente firmado com o Diretório Regional do PSL em Mato Grosso, ao passo que o pagamento, ou parte dele, foi realizado pela candidata Selma Arruda, com recursos oriundos do primeiro suplente.
“Se realmente os gastos efetuados na fase de pré-campanha estivessem acobertados pela figura jurídica do artigo 36-A da Lei das Eleições, é de se questionar, pois enigmático, o motivo pelo qual os investigados fracionaram o objeto da avença, bem como simularam um contrato de mútuo para tentar justificar a origem da receita utilizada na quitação de despesas. São tantas versões, incongruentes e incompatíveis entre si, que até os próprios investigados têm dificuldade em traçar uma coerente linha de defesa”, aponta o MPE.
Segundo o MP Eleitoral, “ainda que se ignore o óbvio e se conceda amparo à tese de que os gastos efetivados pelos investigados configuram despesas de pré-campanha, não há como negar que o volume de recursos financeiros despendidos e movimentados caracteriza prática de abuso de poder econômico, a violar o equilíbrio das eleições”.
“Nesse contexto, é de se concluir que houve a utilização de recursos ilícitos e ao arrepio do controle da prestação de contas na campanha, resultando em inequívoca prática de abuso de poder econômico. Insista-se: ao contrário do que afirmou os investigados, o órgão plural do c. TSE, no julgamento do REspe 4346 – Itabaiana/SE e do AgR AI 924 – Várzea Paulista/SP, firmou o entendimento de que os gastos de pré-campanha devem se sujeitar ao padrão de um pré-candidato médio e não ao limite total da campanha (R$ 3.0000.000,00)”.
Conforme o Ministério Público, em pré-campanha, Selma e seus suplentes, em gastos paralelos, desembolsaram, no mínimo, R$ 857.269,00, o que corresponde a 52 % da quantia oficialmente apresentada para o período eleitoral. “As despesas totais não contabilizadas somaram, no mínimo, R$ 1.246.256,36, o que corresponde, repito, a aproximadamente 7 3 % dos gastos financeiros oficialmente contabilizados (R$ 1.704.416,93) e a 41 % do limite de gastos (R$ 3.000.000,00)” explica.
O valor, de acordo com o MPE, quando somado à dívida de R$ 534.808,44 (excluído o valor contratual da multa de 40%), objeto de cobrança na ação monitória movida pela Genius At Work Produções Cinematográficas LTDA, e aos R$ 1.704.416,93 devidamente declarados na contabilidade oficial, ultrapassa, e muito, o limite de gastos de R$ 3 milhões, atingindo a quantia de R$ 3.485.481,73.
O MPE ainda destaca que somente o primeiro suplente Gilberto Possamai e sua esposa, Adriana Possamai, investiram R$ 3.170.886,9314 na campanha vitoriosa da chapa demandada. E que resta “evidente, pois, que com tamanha injeção de recursos financeiros, a conclusão lógica e inexorável é a de que o recorrente GILBERTO comprou a vaga de primeiro suplente da chapa majoritária vencedora”.
“Como é cediço, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam (Art. 22, XVI, da Lei Complementar n.º 64/90). Considera-se abusivo o fato que, por sua gravidade, ostente objetivamente aptidão para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito, ao desenvolver de ideias do tópico seguinte” enfatiza.
Além dos gastos de campanha efetivados, o MPE diz que restou comprovado que outra parte do aporte financeiro recebido via “contrato de mútuo”, mais especificamente a quantia de R$ 188 mil, foram “legalizados” ou “esquentados” por Selma mediante transferência para a conta oficial de campanha como se doação de recursos próprios fosse.
“Trata-se, portanto, de doação proveniente de FONTE ILÍCITA ou ILEGAL, como queira, porquanto o artigo 18 da Resolução TSE nº 23.553/2017 proíbe a captação de recursos via pessoa física (empréstimo) e, o que é pior, sem o devido caucionamento e comprovação de capacidade econômica para saldar a dívida, conforme demonstrado acima. Referido montante, seja em termo absoluto ou relativo, é significativo, pois corresponde a pouco mais de 11,03% do volume da receita financeira auferida (R$ 1.704.416,93) pela chapa recorrente. Assim, é considerado abusivo o fato que, por sua gravidade, ostente objetivamente aptidão para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito” reforça.
Além disso, o MPE cita que antes mesmo do início do pleito, Selma e sua chapa buscaram extrair grande margem de vantagem perante os demais candidatos. “Conforme a narrativa fática acima esgotada, houve, em pré-campanha, R$ 1.500.000,00 não declarados à disposição de SELMA ARRUDA, conjugados com elevados gastos de marketing – contrato inicial no valor de R$ 1.882.000,00 (Genius at Work), abarcando equipe multiprofissional a servir diariamente à representada. Tudo isto, bem antes de 05/08/2018, data em que efetivamente os candidatos deveriam iniciar a disputa em pé de igualdade”.
Ao final, o MPE dispara: “Imagine-se não houvesse qualquer controle pelo Estado na fase denominada “pré-campanha”… e as regras que asseguram o equilíbrio democrático entre candidaturas não teriam qualquer efetividade. A prestação de contas se tornaria um faz de conta. Nem o céu seria o limite para aqueles com poderio ou patrocínio financeiro ilimitado”.
Cassação – Conforme decisão do Tribunal Regional Eleitoral, a “utilização excessiva, pelos representados, de aportes financeiros em desacordo com as normas relativas à arrecadação e gastos de recursos, no valor de R$ 1.232.256,00 – quantia que corresponde a 72,29% das despesas efetivamente declaradas pelos representados à Justiça Eleitoral, revela a prática de abuso de poder econômico revestido de gravidade suficiente para aplicação das sanções previstas no inciso XIV, do art. 22, da Lei Complementar n.º 64/1990, porquanto afetaram objetivamente a igualdade de oportunidades entre os candidatos na disputa eleitoral e a normalidade das eleições.
Defesa – Em suas defesas, Selma e seus suplentes sustentam inexistir o propalado abuso de poder econômico e o caixa 2 de campanha. Afirmam que todo o gasto efetivado e tido como pago via contabilidade paralela está amparado pelo permissivo legal do artigo 36-A da Lei das Eleições e que tais gastos não tiveram repercussão no processo eleitoral, já que o material produzido não foi utilizado na campanha. Explicam que o caixa 2 somente se configura na hipótese de despesas de campanha quitadas com recursos que transitaram à margem da contabilidade oficial quando já deflagrado certame eleitoral.
Afirmam que as pesquisas tidas como gastos de campanha não foram publicadas. Longe disto, foram contratadas para consumo próprio, mais especificamente para análise de viabilidade de pretensa candidatura e de construção de conceito. Com relação aos pagamentos efetuados a pessoas físicas, argumentam que o fato de terem sido contratadas para prestarem serviço durante a campanha não permite presumir que os pagamentos impugnados e tidos como caixa 2 são ocultações de gastos eleitorais.
Nessa toada, afirmam que desde o tempo de magistrada que Guilherme Leimann, Paulo Ricardo Schenatto e Ismaela de Deus S. T. Silva prestam serviços particulares à recorrente Selma Rosane Arruda, como assessor pessoal, motorista profissional e secretária-executiva, respectivamente, ao passo que, com relação aos pagamentos efetuados aos advogados (Lauro e Diogo) e contador (Átila), alegam que tais despesas não configuram gastos de campanha, nos termos do §3º do artigo 3º da Resolução TSE nº 23.553/2017 e, por essa razão, devem ser desconsiderados.