As águas corriam tranquilas, suavemente, sem alarde, e não formavam ondas violentas. Era o primeiro dos últimos três ou quatro dias. Isto arrancou um sorriso aberto nos semblantes dos turistas, que saíram das janelas dos apartamentos, alcançaram o saguão dos hotéis, e rumaram-se porta-fora. Corriam, não andavam, até uma das beiradas do mar, e se esparramaram pela areia.
Algumas delas ousaram dar um mergulho. Mergulho que se repetiu, enquanto o cachorrinho de estimação parecia brincar com o balé das águas, cujo balanço ora as levava até um pedaço, ora as fazia recolher. O que apagavam os rastros que, até então, se encontravam pela praia. Rastros maiores, rastros menores.
Nenhum deles, porém, se assemelhava aos das gaivotas, mais frágeis e delicados, e se estivessem, teriam igualmente o mesmo fim. Fim da alegria anunciado com a substituição do entardecer pela chegada da noite. Hora de deixarem a boa-vida proporcionada pelo lugar, regado de sombra e bebidas geladas. Romaria de volta. Foi um sonho, “feito”, “perdido em pensamento/…/Descansei, joguei/investi, desisti/Se há sorte, não sei, nunca vi”.
Ouvia, ao longe, a voz suave e melodiosa de Elis Regina. Não se tinha alto-falante, nem vitrola, tampouco o rádio do carro se encontrava ligado. Mas se ouvia o som de “Romaria”. Inexistia dúvida quanto a isso.
Ainda que produzida pela imaginação, enquanto os olhos se fixavam no vazio, cuidadosamente desenhado pela sensação de perda, não de algo que se tinha, nem de alguma coisa que se adquiriu, mesmo assim de algo que se esvaiu, e foi se perdendo aos poucos, sem tanto alarde, como as águas, não de mar, mas da mina, que escorre suavemente sobre seu caminho, embora que espremida entre paredes formadas de pedras. Escorre e escorre.
Muitas vezes, sem serem notadas, percebidas inclusive. Mal se dá conta de que o tal filete, que começou de mansinho entre as pedras, se torna mais largo, maior e volta se esconder ao se misturar com outras, em um redemoinho gigante, porém invisível, pois gente alguma parece ter tempo para as horas, para os dias, para o próprio ano, que se vai.
Daqui a pouco, em dois dias, o ano de 2019 será passado, pretérito como fora 2017, 2016, enfim todos aqueles que chegaram a ser presente. Mas, como este domingo, amanhã será o ontem, assim mesmo acontece com o ano. É visto, inicialmente, como futuro. Vive-o, para depois desaparecer em meio aos dedos, em forma de meses.
Ficam-se as lembranças do que fora. Mesmo estas, podem desaparecer, tal como se deu com os rastros registrados na areia de uma praia imaginária, toda ocupada por banhistas também imaginados, embora estejam de sunga e de biquíni, curto e curtíssimo, a mostrar as curvas de algo que chegou a ser, sem nunca ter sido, ainda que ideado.
Talvez não pelas águas bravias do mar revolto, mas pelas ondas provocadas pelas intempéries de uma vida. Vida que caminha em ziguezague, cheia de idas e vindas, paradas e, em seguida, retomada. Retomam-na. Longe de ser de onde se parou, embora o recomeçar jamais será do zero.
Nem o começo se parte do zero, pois sempre se parte de um ponto, é assim também com as administrações, ainda que os governantes insistam na lengalenga de que encontrou a casa desarrumada, bagunçada, e, portanto, precisou reorganizá-la do nada. Falácia! Aposta na ignorância coletiva. Esta igualmente não será para sempre. Um dia ela desaparece, e, então, se sabe de que as verdades contadas, não passaram de mentiras, ou meias verdades. Pois o óbvio sempre esteve diante dos olhos. Mas… Sempre há um “mas”. É isto.
Ob.: Caros (e) leitores, tenham um grande e abençoado Ano Novo.
*LOUREMBERGUE ALVES é professor universitário e analista político.
E-MAIL: Lou.alves@uol.com.br.