Quando acabei de ler o novo livro de Lucas Rodrigues, logo pensei em Jackson do Pandeiro. O paraibano não tinha qualquer pudor em debochar da elite brasileira. Era esse o seu forte, mordacidade. A música “Cachorro de Madame” é um exemplo.

 

Na high society, não raras vezes passeiam pelos shoppings os Lulus da Pomerânia, aquele pequenino e emplumado cão que assume a personalidade de pastor alemão, um caso clássico de distúrbio de personalidade. No “Mascote do Caos” (Carlini e Caniato, 2021), o escritor faz um paralelo entre poder e cachorros, escrutinando a raça de uns e outros numa crônica ligeira e cáustica.

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No livro, Lucas Rodrigues também nos apresenta o costumeiro rol de ironias, cujas vítimas vão se sucedendo página a página, conto a conto, crônica a crônica. A madame, o político, o jornalista, o advogado, o médico, tudo e todos são tratados no limite da neurastenia. Não foi surpresa para mim esse doce azedume.

 

A primeira vez que vi o jovem escritor foi ainda na condição de jornalista que, aliás, não se perdeu nos textos literários. Mais um sulista que caía de paraquedas em Cuiabá. Tendo marcado uma entrevista comigo, errou de endereço e se atrasou. Chegou ao escritório empapado de suor, mas não perdeu o bom humor. De imediato, liguei para o então chefe dele, Ramon Monteagudo, e avisei – você tem na equipe alguém diferenciado; tente mantê-lo na equipe e não esqueça dos remédios controlados.

A literatura de Lucas Rodrigues é o que há de contemporâneo. Não só. É marginal, uma desfaçatez marginal. Mistura o que é de kitsch no pop, o que há de barroco no moderno, o que há de ridículo na nossa hipócrita formalidade e debocha da pletora de tipos absurdos – do criminoso ao promotor, do banqueiro ao cliente, dos deslumbrados socialites de redes sociais aos administradores da barafunda.

 

Como se relaciona a exportação de frango brasileiro com o hit popular “Meu pintinho amarelinho”, lançado pelo Gugu? Não sabe?! Pois leia “Mascote do Caos” e será possível fazer essa esdrúxula relação com base em dados de macroeconomia e todo o resto da cartilha financeira internacional.

Como não poderia deixar de fazer, Lucas Rodrigues traduz a atual insanidade da política nacional de forma muito particular. No avião, um maluco solta uma fake news e o voo passa a ser um inferno. Sim, a relação é evidente. Estamos com um piloto disposto a dar mergulhos, partidário de bruscos solavancos. Mas como a literatura reage? Uma das muitas possibilidades está no croniconto “Porta de Emergência”.

 

De minha parte, espero que a imobilização do passageiro amalucado se concretize na vida real. Outro sintoma de que estamos vivenciando o insólito político é o debate entre parlamentares no conto “Revolta da cedilha”. Discutir o absurdo demandou o especial empenho do autor na elaboração de seu texto mais longo. Afinal, sobre o quê discutiam tanto?

A primeira certeza a que se chega é a dúvida sobre a higidez mental de Lucas Rodrigues. Alguém falhou na prescrição das bolinhas, pode ser essa a explicação. Temos um observador-ator-autor que mergulha no ridículo social e não corre. Ao contrário, lambuza-se de mais batom quando o batom já borra a cara das tradicionais madames, enforca-se de mais gravatas quanto os distintos senhores as colecionam, satiriza os gramáticos e críticos com letras revoltadas, os gourmets e gourmands com o suco “Gemido do KLB”, um ícone do kitsch nacional. Acho eu muita coragem.

Há quem torça o nariz para esse tom de descompromisso, quase um desprezo pela literatura considerada “convencional”. De fato, Lucas Rodrigues dá uma banana aos gongorismos ultrapassados, mas não é uma banana prata e sim uma Banana Split.

 

Depois de “Pirotecnia” (2017), temos agora um autor mais maduro, barbado e bombadinho. O próprio aburguesamento, ostensivamente ironizado nas redes sociais, conferiu uma percepção ainda mais real e corrosiva do mundo do poder e do dinheiro que anda sendo frequentado pelo autor. Se eu pudesse dar uma dica a quem convive com esse escritor, diria com toda a cautela – Compre o livro “Mascote do Caos”, talvez você esteja nele.

 

*EDUARDO MOREIRA LEITE MAHON é advogado e escritor em Mato Grosso; ex-presidente da Academia Mato-Grossense de Letras (AML). Idealizador e diretor da revista Pixé.

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