Há tempos tramita pelo Congresso projeto para regulamentar o lobby. A última iniciativa é da lavra do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), prevendo a atuação de lobistas perante órgãos e entidades federais, mediante cadastramento.
Afinal, que argumentos sustentam a necessidade de regulamentar o lobby? De pronto, a observação: se houvesse transparência sobre o sistema de pressão que existe nos espaços da administração pública por parte de grupos interessados em aprovar normas que os beneficiam, teríamos fenomenal queda nos índices de corrupção.
O lobby faz parte de um processo de ajuste da articulação da sociedade organizada junto à esfera político-institucional, significando a tentativa de expandir os canais da democracia participativa.
A afirmação é passível de uma saraivada de críticas, pois essa atividade carrega conotação negativa no ambiente político, sendo associado à corrupção, tráfico de influência, manipulação das estruturas, apropriação de fatias do Estado por forças que usam as armas do patrimonialismo.
Pincemos a lição de Bobbio: a democracia é o governo do poder público em público, sinalizando, assim, a ideia de “manifestação, evidência, visibilidade”, em contraposição à coisa “confinada, escondida, secreta”. Arremate do filósofo: “Onde existe o poder secreto há, também, um antipoder igualmente secreto ou sob a forma de complôs, tramoias.”
A intermediação de interesses privados junto à esfera pública é coisa antiga. Faz-se presente nos ciclos históricos, entrando até nos primeiros dicionários da política. Rousseau, no Contrato Social, perorava sobre a oportunidade de cada cidadão participar nos rumos políticos, garantindo haver “inter-relação contínua” do “trabalho das instituições” com as “qualidades psicológicas dos indivíduos que interagem em seu interior”. Ora, esse é o fundamento da democracia participativa, pela qual os cidadãos e suas representações devem ser livres de coerção para influir de maneira autônoma no processo decisório.
O lobby bebe nessa fonte. O ideário começou a ser conspurcado à sombra do poder invisível nas entranhas do Estado, pela confluência de interesses espúrios e alianças táticas entre máfias, grupinhos e castas que se alimentam da corrupção. Desse modo, o Estado moral soçobra diante do império imoral.
O rompimento dos diques éticos se acentuou nas últimas décadas, por conta da despolitização e desintegração das fronteiras ideológicas, inaugurando o tempo de administração das coisas em substituição ao governo dos homens.
A densidade ideológica da competição política tornou-se menos forte e o cerco utilitarista em torno do Estado se expandiu, sob um novo triângulo do poder: os partidos (menos contrastados sob o prisma doutrinário), a burocracia administrativa e os círculos de negócios privados.
Desvirtuando-se do ideário original, os lobbies tornaram-se extensões de interesses escusos, fontes de escândalos. Ao lado desses desvios, observa-se saudável movimentação da sociedade organizada, graças à CF/1988, que incentivou a formação de entidades e movimentos. O arrefecimento dos partidos políticos tem induzido milhares de cidadãos a procurar refúgio em núcleos que assumem compromissos com suas expectativas.
Neste ponto, houve o encontro de águas limpas com torrentes sujas. O joio misturou-se de tal forma com o trigo. Diferentes tipos de interesse se confundem e conflitam no epicentro das pressões e contrapressões, onde se abrigam as cúpulas do Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, os Ministérios, as autarquias e as sedes das Cortes do Judiciário. Nessa malha imbricada, grupos protecionistas, de índole corporativa, reivindicam a salvaguarda de situações e direitos adquiridos, enquanto setores antagônicos tentam transferir uns aos outros ônus e encargos. O jogo é de soma zero.
Os lobbies contam com ajuda de grupos incrustados na administração. Poderosos grupo atuam às margens do Estado.
Quando se divisa a proposta de legalizar o lobby, nos moldes praticados nos Estados Unidos, a abordagem que emerge é a da transparência. Os lobistas terão nome, endereço e farão uma articulação aberta, escancarando modos de atuação, identificando coletividades representadas e natureza de seus interesses.
O marco regulatório diminuirá a taxa de corrupção, ao desvendar o que está por trás das máscaras. A publicidade das ações propiciará distinguir o justo do injusto, o lícito do ilícito, o correto do incorreto, o oportuno do inoportuno, gato de lebre.
A democracia estará mais próxima do seu real significado: o regime do poder visível.
Gaudêncio Torquato,
*FRANCISCO GUADÊNCIO TORQUATO DO REGO é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
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