Após a denúncia feita a Índio Ramírez, do Bahia, por Gerson, do Flamengo, surgiu na terça-feira vídeo de discussão do colombiano com Bruno Henrique durante o jogo de domingo entre as duas equipes. O clube baiano contratou perícia própria para apurar o caso, e os laudos das cinco empresas contratadas apontam que o meia não chamou o atacante de “negro”.

Na terça, o vice geral do Flamengo, Rodrigo Dunshee de Abranches, anunciou que o laudo encomendado pelo Rubro-Negro comprovava ofensa de Ramírez a Bruno Henrique. Nesta quarta, o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, explicou o movimento do Tricolor.

– O processo é delicado o suficiente, precisa ter profundidade suficiente (de análise) para que tenhamos mais opiniões sobre o assunto, com peritos que tenham mais expertise no assunto, que tenham histórico sobre o tema e que tenham vivência genuína na língua espanhola. Foi isso que a gente fez. Imagino que a visão do que temos visto até agora nos indique para não confirmar que teve outro caso de injúria racial no jogo.”

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia — Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia — Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia

Um dos cinco especialistas procurados pelo Bahia, Eduardo Llanos é chileno e tem o espanhol como língua materna. Ele explica a sequência de atos flagrados no vídeo, na interpretação da perícia contratada pelo clube baiano.

– Incialmente nós conseguimos ver que ele (Bruno Henrique) fala para Ramírez: “arrombado” e depois “gringo de m…”. A palavra “arrombado” também é utilizada em cima do outro jogador (Daniel) do mesmo time do Ramírez. Posteriormente, na sequência, quando vem aquela conduta de ambos os jogadores, Ramírez pergunta: “qué pasó?”. Que é o mesmo que perguntar qual é o problema, o que você está querendo. “Qué pasó” é chamar para a briga.

– Com a mão, ele faz o gesto, que significa que você é um fanfarrão, um falador, você fala o que não sabe, o que não conhece. Para irritar o jogador. E posteriormente, ele fala “tá quanto?”, “tá quanto?”, separado. A palavra correta seria “está quanto” – afirma o especialista

Ramírez faz gesto com as mãos para Bruno Henrique durante a discussão — Foto: Reprodução

Ramírez faz gesto com as mãos para Bruno Henrique durante a discussão — Foto: Reprodução

O especialista acredita que, por conta das diferenças linguísticas, é natural Bruno Henrique não entender o que o jogador colombiano quis dizer no calor do jogo.

– “Tá quanto?” significa provocar o jogador do outro time: abre os seus olhos, o placar está favorável para nós, e não para vocês. Por isso ele falou “tá quanto?”. Ou seja, veja quem está ganhando, você está perdendo. E com isso irritar e deixar ele prejudicado para continuar jogando concentrado, que é o que mais necessita um jogador de futebol.

Outro especialista consultado pelo Bahia, o perito argentino Roberto Niella também emitiu laudo no qual descarta que Ramírez tenha dito a palavra “negro” durante a discussão com Bruno Henrique. As análises do Instituto Brasileiro de Peritos (IBPTECH), do perito baiano Antonio César Morant Braid e do paulista Mauricio Raymundo de Cunto, todos procurados pelo clube baiano, tiveram o mesmo resultado.

Procurado, o Flamengo informa que não vai opinar sobre os laudos feitos a pedido do Bahia e que aguarda decisão da Justiça.

No momento da discussão entre Ramírez e Bruno Henrique, aos 20 minutos do segundo tempo, o Bahia vencia o Flamengo por 3 a 2 – o jogo acabou com vitória rubro-negra por 4 a 3. A troca de farpas é posterior ao momento em que Gerson afirma ter sido chamado de “negro” por Ramírez, o que ocorreu aos 6 minutos do segundo tempo, quando o placar era de 2 a 1 para o Flamengo.

– É importante lembrar que esse suposto fato de injúria racial de Ramírez em Bruno Henrique seria após toda a confusão e toda a acusação que ele já sofreu do primeiro caso com Gerson. Imaginemos aqui que depois de toda aquela confusão, de ele ter sido acusado de injúria racial, o jogo retoma e ele faz novamente. Se a gente confirmasse isso, naturalmente, seria algo muito assustador. Entendo como improvável que tenha acontecido não só pelos laudos, mas pela circunstância do jogo e do ser humano em uma situação de pressão como aquela – afirmou o presidente do Bahia.

Na terça-feira, o ge consultou três especialistas em leitura labial: Luis Felipe Ramos Barroso, Felipe Oliver e Mikel Vidal, os dois últimos do Ines (Instituto de Educação de Surdos), que produziu o laudo para o Flamengo. Os três afirmaram que Ramírez disse “fala muito, seu negro” na direção de Bruno Henrique durante a discussão.

Eduardo Llanos, um dos especialistas consultados pelo Bahia, diz que descarta a hipótese de que o colombiano tenha dito a palavra “negro” ao atacante do Flamengo.

– Junto com a fonoaudióloga forense, que é especialista em leitura labial, foi constatado tecnicamente que não existe a palavra negro em nenhuma das frases faladas pelo Ramírez na discussão. Não existe. O que acontece é que você observa a forma de colocar os lábios, a projeção da boca, tudo isso vai entregar uma palavra similar ou uma que você precisa encontrar. Mas não tem indícios de ele ter falado essa palavra. A palavra negro não existe em nenhuma palavra emitida pelo jogador.

Ramírez está afastado das atividades do Bahia desde a noite de domingo, após a acusação de Gerson. O meio-campista do Flamengo prestou depoimento sobre o caso na terça-feira, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, no Rio de Janeiro.

– Vim falar sobre o ocorrido, mas não vim falar apenas sobre mim. Falo pela minha filha, que é negra. Pelos meus sobrinhos, que são negros. Meu pai, minha mãe, amigos… por todos os negros. Hoje tenho status de jogador de futebol e voz ativa para falar e dar força a quem sofre racismo ou outros tipos de preconceito – disse Gerson. (Globo Esporte)