Entre os 30 brasileiros que atuam na primeira divisão do futebol ucraniano, a situação de Junior Moraes é a que mais chama a atenção. Nascido em Santos, no litoral paulista, o atleta de 34 anos é o único deles que possui passaporte ucraniano, após se naturalizar cidadão do país em 2019. Um dos 13 brasucas do elenco do Shakhtar Donetsk, ele está ao lado dos companheiros, em Kiev, aguardando o desenrolar dos fatos no conflito do país com a Rússia, mas convive com a possibilidade de ser convocado para o exército local.
A apreensão que teve início na madrugada de quinta-feira se divide com a saudade da esposa Priscila, e os dois filhos, Lucca e Maria Julia, que estão no Brasil e conversaram com o pai através de chamada de vídeo.
Antes mesmo do conflito, a família do jogador retornou ao Brasil, quando o atacante saiu de férias no fim de 2021. Na virada para 2022, Moraes rumou com o Shakhtar para uma intertemporada na Turquia e só retornou à Ucrânia nesta semana.
Situação delicada em hotel
Moraes está junto com os brasileiros em um hotel na região central de Kiev. Os jogadores tiveram um espaço improvisado destinado a eles, mas estão se alimentando com base nas reservas do hotel, que deixou claro que não sabe por quanto tempo haverá comida.
Enquanto os brasileiros se movimentam para tentar uma solução, o caso de Moraes é diferente. Por ser naturalizado ucraniano, o jogador, em tese, pode ser convocado para o exército local.
Foi o que aconteceu com o volante Edmar, em 2014, na guerra que resultou na anexação da Crimeia pela Rússia. Na época, o brasileiro, também naturalizado, chegou a ser chamado para o exército, mas conseguiu a liberação graças à intervenção de seu clube.
Marlon Santos, do Shakhtar Donetsk, grava vídeo em bunker de hotel na Ucrânia
Na noite de quinta-feira, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, declarou estado de mobilização geral na Ucrânia, com validade de 90 dias. A medida proíbe a saída do país de cidadãos ucranianos do sexo masculino pelo período em que a legislação permanecer em vigor.
A medida convoca ainda todos os recrutas e reservistas aptos para o serviço. Eles precisarão se apresentar às instituições militares do país.
Brasileiros na Ucrânia pedem ajuda para deixar o país — Foto: reprodução/vídeo
Relação antiga com a Ucrânia
A relação de Moraes com a Ucrânia começou há 10 anos, antes mesmo de a tensão entre a Rússia e a Ucrânia aumentar e resultar na anexação da Crimeia pelos russos. Formado nas categorias de base do Santos, o atacante era conhecido no Peixe apenas como Moraes e conseguiu deixar uma pequena marca na história do clube ao marcar o gol do título paulista de 2007, diante do São Caetano.
Aquela também seria a última temporada do jogador no clube, antes de ele passar por Ponte Preta e Santo André e, em seguida, rumar para o futebol do Leste Europeu. Junior Moraes estreou no Velho Continente defendendo o Gloria Bistrita, da Romênia, onde ficou uma temporada e meia antes de ser comprado pelo Metalurg Donetsk, da Ucrânia, em 2010.
O atacante, porém, não atuou naquela temporada em solo ucraniano, sendo emprestado para o CSKA Sofia, da Bulgária, também no Leste Europeu. Após uma boa temporada, ele retornou no ano seguinte para o Metalurg e passou a ser utilizado – e a construir a trajetória que o levaria aos dois principais clubes da Ucrânia e, posteriormente, à seleção do país.
Junior Moraes na época de Metalurg Donetsk — Foto: Divulgação
Foi no Metalurg que Moraes teve o primeiro contato com o conflito entre ucranianos e russos. O clube tinha com base a região de Donetsk, que está na fronteira com a Rússia e é pivô da guerra atual, junto a Luhansk – Vladimir Putin alega que invadiu o país vizinho para proteger russos que moram nestas regiões, que vivem em batalhas entre separatistas pró-Rússia e tropas governistas.
Em 2014, a cidade foi palco de um conflito armado que forçou o Metalurg – e o rival Shakhtar – a deixar de treinar e mandar seus jogos no local. A questão política viria a causar graves problemas econômicos ao clube, que anunciou sua falência em 2015. Junior Moraes, pouco antes, havia acertado sua transferência para o gigante nacional Dínamo de Kiev. Ele deixou o Metalurg como maior artilheiro da história do time, com 35 gols.
Junior Moraes comemora gol pelo Shakhtar — Foto: Divulgação
Após uma temporada e meia no clube da capital, o brasileiro foi emprestado ao Tianjin Tianhai, da China, por seis meses. Depois da breve aventura na Ásia, retornou à Ucrânia para reforçar a legião brasileira do Shakhtar Donetsk a partir de 2017.
No Shakhtar, Junior alcançou o auge dentro do futebol do país, marcando 26 gols em duas temporadas seguidas. O bom desempenho levou o na época técnico da seleção ucraniana – ninguém menos que o ex-atacante e ídolo nacional Andriy Shevchenko – a apoiar que Junior Moraes entrasse com o processo para ter a cidadania do país.
Moraes passou a ser cidadão ucraniano em março de 2019, quando também foi convocado pela primeira vez para a seleção nacional. De lá para cá, realizou 11 partidas e marcou um gol com a camisa do país.
O atacante tinha planos, inclusive, de lançar um livro contando sobre sua carreira na Ucrânia. Novos capítulos aguardam Moraes. (GE)