Isaac Newton, matemático responsável por formular a teoria da gravidade, que revolucionou a ciência no século 17, pode ter enriquecido graças ao tráfico transatlântico de pessoas escravizadas da África para a América — sobretudo, para o Brasil. É isso o que sugere pesquisador em um novo livro sobre história econômica, lançado este mês no Reino Unido.
O livro, Ricardo’s Dream :How Economists Forgot the Real World and Led Us Astray (2024, sem versão em português), escrito por Nat Dyer, aborda a vida e a obra de David Ricardo, um pioneiro da teoria econômica e o mais rico corretor de ações de sua época. A obra ainda examina o tempo de Newton como mestre da casa da moeda na Royal Mint, onde ele exerceu influência política e acumulou vasta riqueza pessoal após deixar sua posição acadêmica na Universidade de Cambridge.
Nat Dyer é formado em história pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e tem mestrado em política internacional pela Universidade de Edimburgo, na Escócia. Com histórias reportadas em veículos comunicativos de grande circulação por todo o mundo, tem particular interesse em economia política global, motivo pelo qual escolheu escrever sobre David Ricardo. Para sua produção, ele pesquisou por três anos e, nesse tempo, vasculhou documentos de arquivos nacionais, manuseou moedas antigas e visitou minas de ouro e fossos funerários de escravizados no Brasil.
Dinheiro fruto da escravidão
Segundo Dyer, o “pai da física” supervisionou um influxo de ouro extraído por indivíduos escravizados no Brasil. E, como mestre de uma casa da moeda por 30 anos, ele cobrava uma pequena taxa por cada unidade de moeda cunhada.
Desta forma, estima-se que Newton ganhasse em 1702 um salário de quase 3.500 libras esterlinas por ano (aproximadamente R$ 26 mil). Na correção da inflação, esse valor seria atualmente de 1,26 milhões de libras (ou R$ 9,27 milhões).
“Mesmo tendo perdido muito dinheiro na quebra da bolsa de valores em 1720, Newton morreu como um homem incrivelmente rico. E boa parte de seu dinheiro estava intimamente conectado à escravidão”, afirma Dyer, ao jornal The Guardian. “Eu mostro, em parte com sua própria correspondência, digitalizada pelo Projeto Newton [iniciativa que revisa documentos que estiveram em sua posse], que o cientista se beneficiou principalmente do ouro extraído do Brasil”.
Os minérios precisos teriam sido enviados à Inglaterra por meio do comércio com Portugal. Na época, o país ainda atuava como a metrópole do território brasileiro e levava boa parte das barras de ouro escavadas para a Europa, onde as trocava por tecidos britânicos. Essas barras, então, eram encaminhadas para serem transformadas em moedas no setor administrado por Newton.
O livro cita evidências de que, durante as três décadas do físico na instituição, a Inglaterra cunhou cerca de 14 milhões de libras (R$ 104 milhões) em moedas de ouro, o que equivale a praticamente todo o valor cunhado nos 136 anos anteriores.
Correspondências do físico confirmam a origem do ouro, inclusive. Em uma carta de 1701 é possível ler “não podemos ter barras de ouro senão das Índias Ocidentais [América do Sul e Central] pertencentes à Espanha e Portugal”. Já em uma mensagem de 1717 ao Tesouro, ele descreve o oeste da Inglaterra como “cheio de ouro” de Portugal, trazendo “para a casa da moeda grandes quantidades de ouro”.
Para outros pesquisadores, não é surpresa que Newton tenha sido um beneficiário financeiro da escravidão. Como a América Ibérica está bem estabelecida como a principal fonte de barras de ouro na época, o tráfico transatlântico toca, mesmo que indiretamente, diversas figuras de destaque.
“Essa mesma relação entre escravidão e enriquecimento pode ser encontrada em Locke, Davenant e tantos outros escritores mercantilistas da época”, explica Leonardo Marques, da Universidade Federal Fluminense (UFF), também ao The Guardian. “Todos os envolvidos com bancos e finanças na Grã-Bretanha do início do século 18 estavam, de certa forma, conectados ao que ocorria no Brasil”.
(Por Arthur Almeida)