Mais uma vez sob impacto da trégua da gasolina, o Brasil registrou deflação (queda de preços) de 0,29% em setembro, informou nesta terça-feira (11) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Trata-se do terceiro recuo consecutivo do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Também é a maior baixa para setembro na série histórica desde o início do Plano Real, em 1994.

O indicador oficial de inflação do país havia caído 0,36% em agosto e 0,68% em julho deste ano. Uma sequência de três meses de deflação não era verificada desde 1998.

Analistas consultados pela agência Reuters, porém, projetavam uma queda mais forte em setembro, de 0,34%. Segundo instituições financeiras, o IPCA deve voltar para o campo positivo em outubro, após os efeitos mais intensos dos cortes tributários sobre os combustíveis.

No acumulado de 12 meses, o índice de inflação perdeu fôlego, mas segue em alta. O avanço foi de 7,17% até setembro, o menor desde abril de 2021 (6,76%). O acumulado estava em 8,73% até agosto deste ano.

Dos 9 grupos de produtos e serviços pesquisados, 4 tiveram queda no mês passado, apontou o IBGE. Apesar de recuar menos (-1,98%) do que em agosto (-3,37%), o segmento de transportes teve novamente o principal impacto para a deflação. A contribuição foi de -0,41 ponto percentual em setembro.

Comunicação (-2,08%) e alimentação e bebidas (-0,51%), ambos com -0,11 ponto percentual, vieram na sequência. O grupo artigos de residência também recuou (-0,13%).

Do lado das altas, destacam-se vestuário (1,77%), com a maior inflação do mês, e despesas pessoais (0,95%), com a principal pressão positiva (0,10 ponto percentual).

“De modo geral, o pior momento da inflação ficou para trás. Parte se deu pelas desonerações de impostos que o governo fez e parte veio pelo contexto internacional”, avalia Marco Caruso, economista-chefe do banco Original.

“Estamos deixando para trás parte das pressões em alimentos, de algumas commodities agrícolas. Também há um alívio nas cadeias globais de logística”, completa.

 

Gasolina voltar a puxar deflação

Pressionado pela carestia no ano eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou em junho a lei que definiu teto para cobrança de ICMS (imposto estadual) sobre combustíveis, energia, transporte e telecomunicações.

Um dos reflexos foi a queda dos preços da gasolina, o subitem que mais pesa no IPCA. A Petrobras também passou a cortar os valores nas refinarias.

Em setembro, a gasolina recuou 8,33%, de acordo com o IBGE. Assim, exerceu o principal impacto individual para a deflação do IPCA (-0,42 ponto percentual).

Conforme o instituto, se a gasolina fosse excluída dos cálculos, o índice não teria recuado nos últimos três meses. Na simulação, o indicador subiria em julho (0,39%), agosto (0,32%) e setembro (0,15%).

“Os combustíveis e, principalmente, a gasolina têm um peso muito grande dentro do IPCA. Em julho, o efeito foi maior por conta da fixação da alíquota máxima de ICMS”, disse Pedro Kislanov, gerente da pesquisa do IBGE.

“Além disso, temos observado reduções no preço médio do combustível vendido para as distribuidoras, o que tem contribuído para a continuidade da queda dos preços”, acrescentou.

Etanol (-12,43%), óleo diesel (-4,57%) e gás veicular (-0,23%) também recuaram em setembro. “O etanol, mesmo tendo um preço livre, acaba acompanhando a gasolina, pois é um produto substituto”, apontou Kislanov.

Alimentos mostram alívio

O grupo alimentação e bebidas teve fortes avanços no início do ano e abriu o segundo semestre ainda pressionado. Só agora passa a dar sinais de alívio para o consumidor.

A baixa do segmento em setembro (-0,51%) é a maior desde maio de 2019 (-0,56%). O grupo não recuava desde novembro de 2021 (-0,04%).

Os preços do leite longa vida caíram 13,71% em setembro, contribuindo com -0,15 ponto percentual no IPCA. Apesar de mostrar redução, o produto ainda acumula alta de 36,93% nos últimos 12 meses.

Segundo Kislanov, a trégua do leite pode ser associada ao final do período de entressafra e à volta das chuvas. Esses fatores contribuem para elevar a oferta do produto. Além disso, há o efeito da base de comparação alta.

O IBGE destacou ainda a baixa nos preços do óleo de soja (-6,27%) em setembro. Do lado dos avanços, a maior contribuição (0,02 ponto percentual) veio da cebola (11,22%). O alimento acumula disparada de 127,3% em 12 meses.

De acordo com o IBGE, a produção de cebola no Nordeste está aquém da esperada, e os preços no país também foram influenciados pela redução da área de plantio.

Até setembro, o grupo alimentação e bebidas subiu 11,71% no acumulado de 12 meses. A carestia impacta sobretudo o bolso dos mais pobres, que têm menos condições financeiras para enfrentar a situação.

Bolsonaro busca melhorar sua aprovação junto aos mais vulneráveis para tentar vencer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições. Lula terminou o primeiro turno à frente na disputa.

“O começo de ano tem bastante chuva, o que prejudica a produção de alimentos. Neste ano, as chuvas foram mais fortes ainda. E também teve o efeito da guerra entre Rússia e Ucrânia, porque são países que exportam insumos agrícolas”, disse Kislanov.

Projeções

Nas últimas semanas, analistas reduziram as projeções para o IPCA no acumulado de 2022 em razão do teto de ICMS. A estimativa mais recente do mercado financeiro é de alta de 5,71% até dezembro, conforme a mediana do boletim Focus, divulgado na segunda (10) pelo BC (Banco Central).

Mesmo com a perda de força do IPCA, o Brasil caminha para estourar a meta de inflação pelo segundo ano consecutivo. A meta perseguida pelo BC tem centro de 3,50% em 2022. O limite da medida de referência é de 5%.

Para Caruso, do Original, um dos pontos que desafiam o controle da inflação pelo BC é a retomada do setor de serviços. A demanda por essas atividades cresceu após a derrubada das restrições na pandemia. A procura aquecida gerou repasses para os preços, segundo o analista.

O Bank of America reduziu nesta terça seus prognósticos para a inflação neste ano e no próximo. A instituição agora espera que o IPCA suba 5,30% em 2022, contra estimativa anterior de 5,90%. Para 2023, a projeção foi cortada a 4,80%, ante 5,50%

A divulgação do IPCA desta terça é a última antes do segundo turno das eleições. A votação está agendada para 30 de outubro.

O IBGE indicou que terá de fazer ajustes na parte de energia dentro do IPCA. Em junho, o governo determinou a retirada dos serviços de transmissão e distribuição da base de cálculo do ICMS.

A ideia do ajuste é verificar se de fato o desconto está sendo cobrado ou não do consumidor. A medida deve valer já no IPCA-15 de outubro, um indicador prévio do IPCA.

Fonte: FOLHAPRESS