Uma investigação do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ) concluiu que o Mesquita Futebol Clube falsificou 57 exames de coronavírus durante a disputa da última Série B2 do Campeonato Carioca, que terminou em fevereiro.
Ângelo Benachio, que é o atual presidente do clube; Cleber Louzada, ex-presidente; e o gestor Antônio Carlos Dias de Souza foram denunciados pela Procuradoria. No caso de pena máxima, eles podem ser suspensos do futebol, cada um, por quatro anos e meio, além de pagar multa de R$ 200 mil.
A suspeita veio à tona há dois meses, mas, até então, havia indícios de falsificação em apenas dois exames – o principal era a assinatura de uma coordenadora que já havia falecido. O TJD-RJ abriu inquérito e entregou o relatório do auditor Rodrigo Octávio Pinto Borges à Procuradoria, que por sua vez apresentou denúncia na semana passada. O processo deve ser distribuído nos próximos dias.
— Foto: Infoesporte
A investigação concluiu que o Mesquita apresentou à federação dois lotes de exames falsos: o primeiro no dia 29 de dezembro e o segundo no dia 7 de janeiro. Os testes antecederam os jogos da equipe, respectivamente, contra Barra da Tijuca, pela quarta rodada da Taça Waldir Amaral, que é o segundo turno da competição; e contra Mageense, pela sexta rodada.
Em determinado trecho, o relatório diz:
“Pelos depoimentos colhidos, ficou claro que o procedimento adotado do clube tinha por fim facilitar e encobrir as práticas infracionais. Isto porque o clube recebia, diretamente do laboratório, em seu e-mail, os resultados dos exames quando eram realizados, com objetivo de menos pessoas incluídas no procedimento e facilitação das utilizações de documentos falsos, sem que gerasse visibilidade dentro da própria estrutura administrativa da instituição.
Participavam do esquema o ex-presidente, o atual presidente, que à época era vice-presidente do clube, e o gestor do clube.
A prática da infração ocorreu premedita porque precisou realizar a montagem filtrada da estrutura do clube, de modo a gerar menos contato com as falsificações e dificultar a visibilidade, quando sequer os exames passavam por análise da equipe médica, que seriam os responsáveis para liberar o atleta para a competição”.
De acordo com o inquérito, o gestor era o responsável por informar ao clube as datas das colheitas de material, enquanto o ex-presidente (cuja gestão terminou em 31 de dezembro) e o atual (que assumiu em 1º de janeiro) eram as pessoas que enviavam os resultados para a federação.
“Então, começa a perceber um conluio, um orquestramento dos atos e das pessoas, de modo que todos sabiam e consentiam com a prática delituosa investigada”, diz o relatório.
Em fevereiro, tanto Ângelo quanto Cleber disseram ao ge que a gestão do clube estava entregue a uma empresa terceirizada e que, portanto, nada tinham a ver com os exames falsos. Ângelo foi novamente procurado, informou que ainda não foi notificado pelo TJD-RJ e que entrará em contato com a reportagem assim que isso ocorrer. Cleber ainda não respondeu.
O ge também tentou contato com o gestor Antônio Carlos por meio da assessoria do Mesquita, mas ainda não houve retorno. Por sua vez, a Ferj manteve o posicionamento de dois meses atrás: a entidade, que inicialmente encaminhou a denúncia às autoridades (TJD-RJ, polícia e Ministério Público), acredita que fez o que cabia a ela.
O relatório prossegue pedindo punição com “caráter punitivo-pedagógico” em função do risco à vida de todos os envolvidos nas partidas.
“E ainda, não se pode deixar de considerar que a inclusão de pessoas nas praças de desporto sem a devida atenção e testagem para SARS-COV2 é uma prática antiética e antidesportiva, pois expõe pessoas a risco de contágio e ferem direitos basilares como a saúde pública e vida.
Assim, a imoralidade e o descaso tomaram conta dos atos narrados, de modo que sabendo dos riscos de suas atitudes, conscientemente, decidiram praticar os tipos infracionais, e estes merecem ser reprimidos e punidos a fim de trazer o caráter punitivo-pedagógico, e na busca de tentar salvar a imagem das organizações envolvidas nas realizações das partidas, e não deixando cair em descrédito e macular todo o desporto. […]
A irresponsabilidade dos denunciados é gravíssima, pois é uma afronta à saúde das pessoas, e por consequência à vida, posto que muitos não sobrevivem à infecção causada pelo coronavírus. Assim, o ato de expor pessoas a risco é uma ofensa ética, pois macula o próprio desporto, criando descrédito nas instituições que regulamentam e promovem as partidas, que tanto se esforçaram para que pudessem retornar as partidas com segurança”.
Os três dirigentes foram denunciados duas vezes no artigo 234 do CBJD, que trata de falsificar documentos públicos ou particulares e que prevê pena máxima de 720 dias de suspensão e multa de R$ 100 mil.
Como o CBJD não prevê infrações ao risco da saúde pública, eles também foram denunciados duas vezes no artigo 258, que é o de assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva. A pena máxima para esse artigo é a suspensão por 180 dias. (Globo Esporte)