Jair Bolsonaro, com sua caneta cheia de tinta, sai do PSL e anuncia a criação de um novo partido, Aliança pelo Brasil, que ficará sob seu mando. Se arrumar 500 mil assinaturas e conseguir que o TSE aprove a nova sigla até maio de 2020, teremos a eleição para prefeitos e vereadores em outubro com sua participação ao lado de outras 30. O que é comum a essas entidades? A luta pelo poder. Sem nenhum verniz ideológico.
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Lula da Silva, o maior líder da oposição, que disse sair da prisão “mais à esquerda”, estará também na luta, desfraldando a bandeira do socialismo como prega o ex-todo-poderoso José Dirceu. Será o grande teste antes do jogo de outubro de 2022. Lula, na condição de condenado em 2ª instância, não poderá ser candidato. Porém, por nossas plagas tudo é possível. Basta que o processo que o condenou, o do tríplex, seja anulado para ele adquirir e elegibilidade. Bolsonaro, pelo lado direito, continuará a puxar o cabo de guerra e a mobilizar a militância.
Situação e oposição, desde já, se preparam para o embate. Que doutrinas balizarão os próximos tempos? O socialismo de Dirceu? O que isso significa? Um Estado paquidérmico, com 600 empresas e autarquias, a sustação do processo de privatização? E o liberalismo de Bolsonaro? Será entendido que as forças do mercado darão o tom da política, sem intervenção do Estado na correção de desvios e situações anômalas? E a social-democracia, a terceira via encostada pelo tucanato, disporá de novos crentes? Quem se habilita a resgatar seus eixos?
Vamos a uma pequena leitura da política, aqui e alhures. O que se observa no cenário é um fenômeno que se pode chamar de embaciamento do jogo político, ou, como denomina Roger-Gérard Schwartzenberg, uma “uniformização no cinzento”. O posicionamento dos partidos em zona cinzenta aponta para a gangorra que os caracteriza. Quer dizer, estão eles identificados com o pragmatismo, a política de resultados.
Cada vez mais assemelhados, partidos e líderes se afastam do campo doutrinário, interessados apenas na luta do “poder pelo poder”. Alternativas para construção de avanços que, em tempos idos, eram fincadas em bases sólidas de um ideário são, agora, substituídas por um discurso de oportunidade, balizado em questões pontuais, como carga de impostos, reformas (previdência, trabalho), projetos polêmicos, comportamentos e desvios de agentes públicos.
Não se quer dizer que tal escolha é condenável. Impõe-se, porém, acentuar o papel dos partidos no debate sobre um projeto de longo alcance para o País. O que pensam os partidos a respeito de uma estratégia para o desenvolvimento? Em sua trajetória, o PT, maior partido de oposição, caminhou em direção ao centro, ocupando flancos da social-democracia. Os grandes partidos da situação refugiam-se em um “centrão democrático”. Em suma, os entes partidários se encontram, hoje, reunidos nas salas e antessalas do poder, onde se serve geleia insossa e inodora.
Mesmo nos EUA, onde os partidos Republicano e Democrata dominam a política desde 1852, abrigando a grande maioria do eleitorado, cresce a tendência para a pasteurização do discurso. Lá ainda se consegue enxergar que os republicanos são mais fiéis aos princípios do nacionalismo e da ênfase no individualismo, no moralismo e na religião, sustentando a base do conservadorismo. E os democratas se posicionam mais na banda esquerda do Centrão, havendo até protagonistas com certo ar radical, como o senador Bernie Sanders, este que faz questão de avocar índole socialista.
Na Europa, os partidos social-democratas ganharam força em um primeiro ciclo e hoje tentam reconstruir suas identidades, sob a ascensão da direita. Na nossa América Latina, a instabilidade se generaliza. O Chile do liberal Piñera vê multidões nas ruas. No Uruguai, a esquerda pode ceder o poder para a direita. A Argentina volta a desfraldar a bandeira kircnherista com a vitória do Alberto Fernández e de Cristina. Peru vive momento tormentoso. No Equador, a ciclotimia entre esquerda e direita também se instala. Na Bolívia, Evo renuncia sob pressão das Forças Armadas e suspeição de fraude eleitoral.
Aqui, uma grande interrogação está no ar: onde vamos parar? O vale-tudo é o jogo imposto pelo domínio da máquina e não pelas ideias. Uma leva de partidos, infidelidade, alianças movidas por interesses momentâneos e o experimentalismo político de parcela dos representantes. No deserto, só se vê areia. E animais invertebrados. Sem nenhum vale.
*FRANCISCO GUADÊNCIO TORQUATO DO REGO é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
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