É muito comum, quando a Administração Pública é parte litigante do processo, verificar o uso da expressão “interesse público” para justificar atos protelatórios injustificáveis.

Esta atitude minimiza o conceito de Justiça, bem como a concretização do Direito nos casos nos quais a parte contrária é o Poder Público.

A ideia de “supremacia do interesse público”, alçada à condição de verdadeiro axioma do moderno Direito Público, acabou por ser elevado ao posto máximo e inapelável de justificação de toda a atividade administrativa.

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Como um verdadeiro mantra de legitimação da atividade administrativa, o argumento da supremacia do interesse público a tudo explica e tudo justifica, inclusive escamoteando toda sorte de arbitrariedades, autoritarismos e ofensas aos princípios constitucionais, mormente a impessoalidade e a moralidade administrativa.

Nas questões que envolvem a discussão tributária a retórica de se alegar o interesse público é evidente.

Lembro quando à revelia dos mais caros preceitos constitucionais, o Presidente da República editou uma Medida Provisória confiscando os valores depositados em contas poupança, sob a justificativa de que deve prevalecer o interesse público em detrimento do interesse do cidadão.

Malgrado todo lacônico argumento presidencial sustentado, o Poder Judiciário afastou tal arbitrariedade por entender que o alcance do conceito de interesse público não é ilimitado.

A questão é justamente saber interpretar o que venha a ser o interesse genuinamente público, sem confundir com o interesse do Estado, quer dizer, do interesse daquele que litiga contra o cidadão.

Já escrevi que ainda está em vigor uma lei processual que nasceu em pleno regime militar onde o Estado tem possibilidade de requerer aos Presidentes dos Tribunais que suspendam os efeitos de decisões judiciais que tenham a possibilidade de causar dano a preceitos de interesse coletivos, à exemplo da economia, saúde e ordem pública, ou seja, de acordo com a aludida legislação, mesmo sendo abusiva e arbitrária o ato praticado pelo Estado e que teve seus efeitos afastados por decisão judicial, é facultado ao Poder Público requerer aos Presidentes dos Tribunais que suspendam a referida ordem judicial, restabelecendo o malfadado ato estatal.

Sem prejuízo de tal atributo conferido ao Estado, ainda é vista com tamanha preocupação a aplicabilidade da regra que permite que o Poder Judiciário declare uma norma qualquer inválida, mas venha a convalidar os maléficos efeitos por ela gerados, tal qual aquelas decisões que declara abusiva certa cobrança tributária, mas impede que o contribuinte venha a requerer a devolução de toda a quantia que foi paga indevidamente, sob a justificativa que de que vai causar dano aos cofres públicos.

Portanto, a regra da supremacia do interesse público jamais pode preponderar sobre direitos e garantias fundamentais assegurados a qualquer cidadão, sob pena de macular o sentimento de Justiça, repito, tão caro à manutenção da estabilidade das relações jurídicas.

*VICTOR HUMBERTO MAIZMAN    é advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.