Logo em suas primeiras aparições na nova versão da novela Pantanal, exibida pela rede Globo, a onça-pintada Matí, de três anos, encantou quem acompanha a produção.

O animal chegou com um ano e meio no NEX No Extinction, Instituto de Defesa e Preservação de quatro tipos de felinos selvagens criado em 2001, que permitiu e acompanhou a participação da onça nas gravações.

Para Daniela Gianni, coordenadora de projetos e filha dos fundadores do Instituto localizado em Corumbá de Goiás, o sucesso medido pelos comentários do público – e também pelos novos seguidores nas redes sociais do NEX – faz com que ela acredite que a missão tenha sido cumprida.

“Quando aceitei o convite da emissora, foi pensando em trazer evidência para a onça pintada. A gente não protege o que a gente não conhece, por isso queria que as pessoas pudessem ver, mesmo que pela tela, a beleza e a importância dela. E alcancei esse objetivo.”

O Brasil é o país com a maior densidade populacional de onças-pintadas do mundo. Os animais estão presentes em todos os biomas brasileiros, com exceção do Pampa, e apresentam características diversas de acordo com o ambiente onde vivem. No  Pantanal de Mato Grosso, a população de onças pintadas vem crescendo, nos últimos anos.

“Uma onça-pintada da Caatinga, por exemplo, pelas condições climáticas que oferecem menos água e alimento, chega a pesar no máximo 45 quilos. Já no Pantanal, onde a fartura é maior, a onça-pintada pode chegar a 135 quilos”, explica Thiago Luczinski, veterinário do NEX.

Apesar da presença dos felinos no país, eles são quase lendas para boa parte dos brasileiros, que, se não viram apenas por fotos, no máximo passaram pelo animal em um zoológico.

E assim que deve ser, já que o ser humano é o único predador da onça-pintada, e por seus instintos selvagens e própria segurança, ela deve se manter longe.

Mas a falta de familiaridade com o animal também pode afastar a população de conhecer a situação de risco em que a espécie se encontra: queimadas, caçadores, desmatamento e tráfico de animais ameaçam a vida da onça-pintada no Brasil.

“Por isso a visibilidade é tão importante e ajuda na conscientização e na manutenção do Instituto, que só sobrevive por meio de doações”, diz Gianni, complementando que o NEX hoje abriga 25 animais, entre onças pintadas, pardas, jaguatiricas e jaguarundis, cada qual com um custo mensal de cerca de R$ 2.300.

Algumas onças são ‘humanizadas’, mas nunca domesticadas

Matí não foi escolhida para estrelar na novela por acaso. Por ter precisado de cuidados humanos constantes desde o começo de sua vida, acabou se tornando o que os técnicos do Instituto chamam de “onça humanizada”.

“Geralmente, depois que o animal não precisa dessa assistência, nós o ‘isolamos’ de nós e ele recupera seus instintos e agressividade. Mas com Matí não foi assim, ela ficou mais dependente, e hoje não tem características comuns como soltar os esturros [o rugido da onça] e também não mostra as garras”, explica Gianni, complementando que a cena em que Matí aparece com uma feição agressiva é uma montagem.

Para que as filmagens da novela fossem feitas em segurança, o animal foi acompanhado pela coordenadora de projetos, dois técnicos, três veterinários, além de bombeiros e seguranças na área, que tinham como objetivo impedir que outros animais se aproximassem.

Mas ainda que existam onças de comportamento mais tranquilo, como Matí, não quer dizer que é possível transformá-las em pets.

“Não concordamos com esse tipo de conduta. A onça não tem como ser domesticada, ela pode ser condicionada, mas uma hora ou outra, pode acontecer um acidente. É um animal individualista e territorialista, que não aceita ser controlado”, diz Gianni.

Como as onças chegam e são cuidadas no Instituto

Os felinos que o NEX recebe são encaminhados pelo Ibama, após consulta prévia. Ficam abrigados, provisoriamente, nos diversos CETAS (Centro de Triagem de Animais Silvestres) ou CRAS (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) localizados em vários Estados do Brasil.

A depender do orçamento, espaço e da situação do animal, o Instituto avalia se poderá recebê-lo. “Nós pedimos que os exames sejam feitos nos órgãos ambientais para evitar casos de contaminação e não colocar os outros em risco. De qualquer forma, todos os recém-chegados passam por quarentena”, diz o veterinário.

Se o animal é aceito, os órgãos de fiscalizam fazem visitas periódicas presenciais sem aviso prévio para checar as condições.

Lá, os felinos têm espaços abertos e vastos para se exercitar, e são constantemente estimulados com as chamadas “atividades de enriquecimento ambiental”.

“Um exemplo é em vez de dar um pedaço de carne para eles, o cuidador entra, espalha o cheiro do alimento no local e esconde, digamos, no fundo do lago. Assim o animal precisa ir atrás dessa comida”, aponta a coordenadora.Amanaci com as patas enfaixadas

A onça Amanaci com as patas enfaixadas durante recuperação (Crédito da foto: Polícia Militar de Mato Grosso)
 

Em alguns casos, quando o animal tem sequelas, os profissionais do NEX fazem mudanças para que ele se adapte.

“Temos aqui o Merlin, que levou um tiro na cabeça e ficou cego. É o retrato do quão cruel o homem é capaz de ser. Precisamos reservar um local só para ele, porque é mais vulnerável e não consegue se defender. Outras mudanças que fizemos foram instalar corrimões para que ele se sinta mais seguro e criar um lago raso, porque onças amam nadar, mas como é cego, poderia se afogar”, diz Daniela Gianni.

Amanaci, uma onça que teve as patas carbonizadas por um dos incêndios no Pantanal em 2020 é outra moradora que precisou de cuidados especiais. “A recomendação era eutanásia, mas conseguimos salvar a vida dela”, lembra.

Apesar de o intuito do NEX não ser a reprodução em cativeiro, como Amanaci nunca poderá voltar à natureza, os profissionais responsáveis pelo local permitiram a cruza dela com um macho que veio da mesma região, para que gerassem um filhote com as características do bioma.

O Apoena, filhote do casal, já nasceu e será treinado durante cerca de três anos antes de ser solto no Pantanal.

Soltura dos animais na natureza

Gianni diz que o intuito é que o NEX fosse um local principalmente de pesquisa, mas a realidade do sofrimento desses felinos fez com que os planos mudassem. “Viramos abrigo desses animais que não podem voltar. Não tínhamos noção que tantas precisariam disso.”