Bruno Oliveira Castro
O planejamento sucessório e patrimonial ganhou notoriedade no cenário jurídico brasileiro, diante do expressivo número de empresas familiares que careciam de auxílio jurídico para melhor organizar o seu patrimônio, para poder transmitir com maior tranquilidade e segurança a herança aos seus herdeiros, mitigando os efeitos danosos causados por um processo de inventário litigioso e custoso.
Nesse contexto, a criação de uma sociedade para deter o patrimônio da família e centralizar a tomada de decisões, denominada “holding”, ganhou atenção do mundo jurídico, tornando-se importante instrumento para o planejamento sucessório e patrimonial. Trata-se de uma estrutura que permite ao patriarca e/ou a matriarca integralizar seus bens na sociedade, como imóveis, dinheiro, ações ou cotas detidas em outras sociedades, possibilitando a transferência por meio da doação dessas cotas ou ações aos herdeiros de maneira mais organizada e segura.
Dentre as vantagens tributárias deste planejamento, destaca-se a possibilidade da integralização dos bens imóveis na sociedade pelo valor histórico constante na declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física, conforme facultado pelo art. 23 da Lei nº. 9.249/95. Ademais, tal operação encontra amparo na imunidade incondicionada conferida pela Carta Magna em seu art. 156, II e §2º, I, afastando a incidência do imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) sobre a integralização dos bens imóveis.
Uma vez integralizados, esses bens passam a integrar o capital da sociedade, subdividindo em cotas ou ações, pelo respectivo valor atribuído, de modo que tais ações poderão ser repartidas para as próximas gerações com eficiência e segurança.
Assim, a doação das cotas ou ações, em se tratando de bens móveis, fará incidir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer Bens ou Direitos (ITCD), tributo de competência estadual, no qual o Estado do Mato Grosso o regula por meio pela Lei n° 7.850/2002 e pelo Decreto n° 2.125/2003, estando sob competência da Secretaria de Fazenda do Estado (SEFAZ/MT), promover a fiscalização e cobrança do mencionado imposto.
Recentemente, após debates sobre a base de cálculo do ITCD na doação de cotas ou ações não listadas em bolsa de valores, o Estado do Mato Grosso editou a Lei nº Complementar nº 798/24, que modificou o art. 17º da supracitada Lei Estadual publicada em janeiro de 2025, consolidando o entendimento de que o cálculo deverá ocorrer com base no balanço patrimonial e na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica, sob o ponto de vista do valor contábil.
Antes dessa modificação legislativa, a falta de clareza favorecia interpretações extensivas pelo fisco, que reavaliava os bens integrantes da sociedade pelo valor de mercado, o que afetava diretamente a base de cálculo do imposto.
Justamente nesse cenário, surgiu o polêmico julgamento do Recurso Especial 2.139.412/MT, em que o Estado do Mato Grosso questionou a decisão prolatada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que definiu a base de cálculo do ITCD na doação de cotas sociais como sendo aquele obtido através da divisão do patrimônio líquido da sociedade na data da ocorrência do fato gerador, pela quantidade de quotas representativas do capital social integralizado.
Assim, em seu recurso, o Estado alegou a subvalorização dos ativos integralizados na sociedade, quais sejam os bens imóveis, o que resultaram em um imposto recolhido a menor do que o devido, de modo que seria imperioso a reavaliação dos ativos pelo valor de mercado.
Surpreendentemente, a Colenda 2ª Turma do E. STJ acolheu o pleito recursal, contendo, com o devido respeito, um grave equívoco jurídico. Explica-se.
Primeiramente, fundamentou-se equivocadamente em artigos do Código Tributário Nacional (CTN) – Arts. 38 e 148 – ignorando que tais dispositivos não se aplicam diretamente às especificidades da legislação estadual, conforme claramente dispõe o Art. 155, inciso I, da Constituição Federal, que confere autonomia aos Estados para definir as bases de cálculo do ITCD.
Mais alarmante ainda foi o uso de precedentes jurisprudenciais oriundos de Estados com realidades jurídicas distintas, como São Paulo e Mato Grosso do Sul, cujo contexto legislativo não se aplica ao Estado do Mato Grosso. Essa comparação jurisprudencial é indevida e viola a autonomia dos Estados, conferida expressamente pela Constituição.
Como previamente exposto trata-se de tributo de competência estadual, conforme preconiza o art. 155, I, da Constituição Federal. Sendo assim, no sistema atual, cabe a cada Estado instituir suas regras quanto à base de cálculo para a apuração do tributo. No caso em questão, trata-se de controvérsia ocorrida no Estado do Mato Grosso, o qual possui neste momento, regra clara quanto a base de cálculo, o que fora completamente ignorado e desrespeitado pelo E. Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, é perceptível uma ansiedade do Fisco em antecipar regras previstas no Projeto de Lei Complementar nº 108/24, atualmente em trâmite no Senado Federal. Entretanto, essa postura viola a segurança jurídica, visto que tais normas não podem ser aplicadas antes da devida aprovação legislativa, até porque, não se sabe qual será a redação final e seus respectivos contornos, não sendo possível querer fazer incidir uma base de cálculo em mera “futurologia”.
Em suma, a recente decisão do STJ, além de ainda pendente de julgamento final em razão dos embargos declaratórios opostos, gera profunda preocupação na advocacia especializada e entre os contribuintes, abrindo perigosas brechas para ilegalidades por parte das Fazendas Públicas Estaduais. Tal precedente ainda que novo e isolado, prejudica diretamente a segurança jurídica do planejamento sucessório e patrimonial, justamente quando o país necessita urgentemente de estabilidade jurídica e fiscal.
Se o objetivo do Estado é fomentar o exercício da atividade empresarial, para possibilitar a longevidade das empresas familiares que representam mais de 80% das empresas no Brasil, a sua perenidade, a geração e manutenção dos empregos, arrecadação de tributos, a distribuição de rendas e riquezas, não é com uma modalidade de “confisco patrimonial” no que tange à base de cálculo para a incidência do ITCMD que este objetivo será alcançado, até porque, nenhum proveito econômico está sendo aferido. Não se trata de venda de imóveis ou móveis. É necessário que haja equilíbrio para uma situação sensível que aflige as empresas e patrimônios familiares de todos os segmentos.
Portanto, está absurdamente equivocado o julgamento que deu repercussão na mídia nacional, sobretudo porque desprezou a previsão contida no artigo 17 da Lei Complementar 798/2024 do Estado de Mato Grosso, razão pela qual, cremos na reversão do julgamento do STJ.
Bruno Oliveira Castro é advogado e professor, Carla Gruner e Gabriel Novis Neves são advogados do escritório Oliveira Castro.
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