O jeito elegante de se vestir à beira do campo não é apenas por moda, gosto pessoal ou por seguir uma tendência europeia. Hernán Crespo, 45 anos, veste terno porque essa é a forma que escolheu para prestar homenagem ao pai. A análise é do jornalista Léo Lepri.

– Eu levantava de manhã e via ele saindo para trabalhar em terno e gravata. E eu queria ser como o meu pai. Admirava aquilo, mas era algo que o futebol não me dava. Eu usava shorts. O futebol é a minha paixão, o meu trabalho, e essa é uma maneira de prestar homenagem ao meu pai. Agora eu também vou trabalhar de terno e gravata, como ele – disse, em conversa com o diário Olé depois da conquista da Copa Sul-Americana.

E foi justamente a conquista de seu primeiro título como técnico que colocou Crespo no radar dos dirigentes do São Paulo. Mas o bom trabalho vem de antes (ainda que ele tenha uma trajetória relativamente curta no banco de reservas).

Começou no Modena, em 2015, na segunda divisão da Itália, país onde Crespo construiu grande parte da carreira como jogador.

Aliás, daqueles tempos de goleador incansável com passagens por River Plate, Parma, Lazio, Milan, Inter de Milão, Genoa e Chelsea, fica a curiosa lembrança de outra loucura Bielsista. Crespo e Batistuta, contemporâneos, não eram escalados juntos na seleção argentina treinada por Marcelo Bielsa (que anos mais tarde confessou se arrepender deste erro “um dos mais graves que cometi”, revelou o hoje técnico do Leeds United, da Inglaterra).

Acabou demitido, mas armou um time com boas promessas – sabe bem trabalhar com a base – que rendeu frutos neste ano: o Banfield foi vice-campeão argentino com um time que deve boa parte de seus talentos à formação de seu antigo treinador.

Então chegou a oportunidade de dirigir o Defensa y Justicia, clube administrado por um dos grandes empresários do futebol argentino: Christian Bragarnik. O Defensa é uma sorte de trampolim para técnicos e jogadores. A ideia é que o clube ofereça a possibilidade de boas campanhas, bons trabalhos, para depois lucrar com a venda valorizada de seus jogadores e treinadores.

Foi assim anteriormente com Sebastián Beccacece, Ariel Holan, Diego Cocca, Jorge Almirón… e agora também com Hernán Crespo. O empresário Bragarnik, aliás, é homem forte por trás de outros clubes como o Unión La Calera, do Chile, e o Elche, na Espanha.

A tranquilidade que precisava para colocar suas ideias em prática, Crespo encontrou no Defensa. Com um time de DNA puro ataque, como já explicamos aqui, o treinador fez uma ótima campanha na Libertadores no mesmo grupo do Santos.

Era só a primeira experiência do DyJ no principal torneio do continente. Só foi eliminado justamente por conta desse perfil, às vezes, excessivamente ofensivo de seu técnico: levou a virada na Vila Belmiro já nos acréscimos, tendo a bola no campo de ataque e tentando o segundo gol quando o empate já era o suficiente.

Apesar de não abrir mão de suas ideias tendo como referência sempre o gol adversário, aquela eliminação teve sua utilidade:

– Perder a classificação no último minuto é doloroso, mas uma experiência que vai nos servir futuramente. Foi uma grande aprendizagem e espero que possamos colocar em prática na Copa Sul-Americana.

Cuca e Crespo se cumprimentam antes de Santos x Defensa y Justicia — Foto: Staff Images / CONMEBOL

Cuca e Crespo se cumprimentam antes de Santos x Defensa y Justicia — Foto: Staff Images / CONMEBOL

Com um elenco enxuto, sem possibilidades de grandes contratações, Crespo forjou o seu próprio goleador. Brian Romero, artilheiro (10 gols) e artífice na campanha vitoriosa da Sul-Americana. Chegou dispensado pelo Independiente até que o técnico, aproveitando o próprio conhecimento, mostrou os atalhos para o gol.

Apelidado de Valdanito, por sua semelhança física e de jogo, com Jorge Valdano, ex-atacante da seleção argentina campeã do mundo em 1986, as coletivas de Crespo são sempre muito proveitosas.

Dessa nova camada de técnicos argentinos, sempre renovados e que se expressam muito bem, ele tem ótimas ideias e deixa claro que seus conceitos vão além do que se vê no campo de jogo:

– Meus times estão diretamente relacionados com a minha filosofia de vida. Eu sou um sujeito inquieto, que gosta de propor, construir, não gosto de ficar sentado esperando para ver o que acontece. Quero ser dono do meu próprio destino. Cometo erros e tenho acertos, mas sempre com lealdade e respeito. É isso o que tento fazer com os meus times.

Hoje o São Paulo se aproxima de jovem treinador, campeão e com um futuro muito promissor. Não à toa, o nome de Crespo foi especulado na seleção chilena, San Lorenzo, Independiente e até como o possível sucessor de Marcelo Gallardo no River, clube onde surgiu e tem grande identificação (apesar de ter se reconhecido torcedor do San Lorenzo quando pequeno). E tudo isso com menos de 100 jogos oficiais como técnico.

Hernán Crespo sonha em conquistar uma Copa do Mundo com a seleção argentina, mas agora o seu pensamento e compromisso estão mais perto do São Paulo. A desfrutar. (Globo Esporte)