Guto Ferreira virou mania entre os torcedores do Ceará com o boneco Gutinho. Cheio de carisma, o técnico vem fazendo um grande trabalho à frente do clube, com direito a título invicto da Copa do Nordeste, quartas de final da Copa do Brasil e boa campanha no Brasileirão.

Em 29 rodadas, o Ceará chegou aos 39 pontos, mesma pontuação de todo o ano passado, quando lutou para permanecer na Série A. Agora, quer outros voos, principalmente para uma competição internacional.

O técnico do Ceará conversou com exclusividade com o podcast CEnaRede (ouça acima) e com o ge. Ele admite que deseja permanecer no clube após a competição, em fevereiro. Lembrou o lema da Chapecoense – o time que sofreu o acidente trágico em 2016.

– Vejo o grupo do Ceará muito parecido com o grupo da Chape de 2016, aquela equipe que acabou tendo o acidente. Participamos da formação deles, fomos campeões catarinenses e depois saímos para o Bahia, meses antes do acidente. Era uma equipe extremamente madura, muito objetiva, sabia o que queria e se impunha em campo com lideranças como Cléber Santana, Diego, Danilo. A equipe do Ceará é muito parecida – afirmou.

O técnico exaltou o meia Vina, que vem sendo o grande destaque do Ceará na temporada.

– Fica difícil você dizer que ele não está entre os melhores, se não for o melhor. Acho que os dados mostram isso. Trabalhei com ele no Bahia, foi um momento de amadurecimento dele, depois passou pelo Atlético-MG e agora no Ceará é o momento que ele chegou num ponto de amadurecimento muito grande.

Confira a entrevista completa

ge: Quando o Guto não está trabalhando, ele está fazendo o quê?
Guto Ferreira: 
– Já estive umas duas vezes no Mercado dos Peixes. Quando vinha para turismo, sempre achava bem legal. Às vezes saio com o pessoal do clube aqui para comer algo, mas a maior parte do tempo é descansando, vendo jogos, estudando, vendo séries e viajando bastante. Às vezes vou para casa para ver esposa e filhos, mas basicamente é isso. Tenho atividades físicas pela manhã, dou uma caminhada no calçadão…

ge: Você não jogou profissionalmente, mas convive com isso há bastante tempo na função de técnico. O carinho da torcida do Ceará é muito grande com você, como você lida com isso?
– É sempre muito bom receber o carinho, e a gente tenta retribuir dando atenção às pessoas. Dificilmente trabalhamos na nossa terra, então somos sempre alguém de fora. A primeira coisa é absorver a cultura da melhor maneira possível e tentar valorizar a cultura do local. O Ceará é maravilhoso, sempre gostei de vir a Fortaleza, gosto da coisa do humor cearense. Vinha muito para shows de humor locais, adoro isso, é uma terapia.

– No mais, é tratar da melhor maneira possível, mais tranquila. Lógico que quando estamos em uma situação que os resultados não estão acontecendo, evitamos o contato para não ter algum tipo de situação de o torcedor ter o espaço para se manifestar. Quase sempre, mesmo nas fases difíceis, recebemos carinho. Quando extrapola é porque alguma coisa está reprimindo o torcedor e ele acaba chegando nesse limite. Então de maneira natural, nem tanto o céu e nem tanto o inferno, tentar sempre o meio do caminho, pisando firme, sem empolgação, recebendo e tentando dar algo em troca do carinho que a gente recebe.

ge: O primeiro objetivo do Ceará, que é a permanência na Série A, já está bem encaminhado, chegar ao número mágico dos 45 pontos. Qual o próximo passo agora? Pré-Libertadores ou Sul-Americana?
– Primeiro, não estamos solidificados na manutenção. Então, se eu quero estar sempre com os pés nos chão, temos que conquistar primeiro a manutenção. À medida que se consiga isso, ampliar a pontuação até um ponto que garanta matematicamente a classificação para a Sul-Americana. Conseguimos isso? Ainda tem jogos? É possível? Vamos trabalhar para conseguir mais.

ge: Você entrega bons resultados em trabalhos nos últimos anos e em 2020 está sendo ainda mais regular na Série A. É um diferencial na sua carreira essa campanha?
– A gente fica feliz que tem conseguido realizar bons trabalhos. Eu tenho uma equipe que me acompanha há dez anos: o Valdir Júnior, preparador físico do mais alto nível, o André Luiz e o Alexandre, que são os auxiliares, me ajudam demais. A gente debate muito para fazer o melhor. E a gente tem conseguido. Cada um tem uma missão dentro da estrutura para que o trabalho ande da melhor maneira possível.

– A gente tem a felicidade de chegar nos clubes e ter profissionais do mais alto nível. O Ceará é fantástico, o estafe tem profissionais muito qualificados, muito casados com a ideia do presidente, do clube, de buscar os melhores resultados possíveis e capacidade para isso. Estamos bem à vontade no clube, trabalhando ao lado de grandes profissionais e isso com certeza reflete no dia a dia. Essa campanha é bastante expressiva, porque foi o ano todo, desde junho, todas as competições que fomos bem. Não fomos mal em nenhuma, talvez no status podemos ter ido pior no Campeonato Cearense, mas chegamos à final. Vice-campeão é o pior? É pior por causa do nível do Ceará em relação ao nível da competição que está jogando.

– Na Copa do Brasil paramos nas quartas de final, mas ultrapassando grandes equipes. Fomos campeões da Copa do Nordeste e estamos na primeira página do Campeonato Brasileiro. São resultados bastante expressivos, também oriundos da mentalidade do grupo, que desde o primeiro momento mostrou interesse e intenção de fazer história e está conseguindo honrar esse pacto.

ge: Ao longo desses meses de trabalho, você teve o grande mérito de encontrar soluções para a equipe. Acabou dando oportunidade para alguns jogadores que pediam passagem. Léo Chu ganhou espaço. O próprio Richard virou titular. Mérito do técnico entender que tem oportunidade?
– Isso faz parte do nosso trabalho. Desde o primeiro momento coloquei para vocês que o objetivo, para se ter uma gestão sadia, é fazer com que todos se sintam importantes dentro do processo. Sentir-se importante é eles fazerem o melhor e, à medida que fazem o melhor, cabe a gente ter o discernimento de escolher quem se encaixa melhor na mecânica de jogo da equipe. Isso não quer dizer que tem jogadores inferiores, mas para aquela estratégia eles estão muito bem.

– O banco tem resolvido muitos jogos para nós. Isso mostra que o trabalho não se limita aos 11, mas ao plantel do Ceará. Às vezes é normal não conseguir soluções, até porque os adversários também nos estudam, têm sua qualidade, o futebol tem muitas vertentes que influenciam diretamente no jogo e às vezes você está frágil e isso reflete no resultado final. O mais importante é que temos conseguido mais acertar, do que errar. Isso porque os jogadores estão extremamente comprometidos.

ge: o presidente Robinson de Castro já disse publicamente que tem interesse na sua permanência. Qual a sua postura? Qual a diferença do Ceará para os outros clubes?
– Aqui tenho o ambiente e a demonstração de uma tranquilidade. Até nos momentos em que os resultados não estavam fluindo tivemos por parte da direção a tranquilidade para superar essa barreira. Gosto de trabalhar onde me sinto feliz e aqui me sinto feliz. Interesse nós temos, o Ceará corre na frente sim, por tudo. Vamos aguardar, porque tudo conversa e cada dia é um dia, mas o interesse existe. Sou feliz aqui, em um primeiro momento, a tendência é continuidade.

ge: Em comparação a outros trabalhos e outros grupos que você comandou, qual o diferencial desse Ceará? Ele é o mais comprometido, mais unido?
– São várias vertentes que são importantes. Vejo o grupo do Ceará muito parecido com o grupo da Chape de 2016, aquela equipe que acabou tendo o acidente. Participamos da formação deles, fomos campeões catarinenses e depois saímos para o Bahia. Era uma equipe extremamente madura, muito objetiva, sabia o que queria e se impunha em campo com lideranças em campo como Cléber Santana, Diego, Danilo.

– A equipe do Ceará é muito parecida, mescla juventude com experiência, sabe o que quer, tem os seus objetivos e se entrega muito para isso. Ambos trabalham muito. Quando você tem uma equipe vencedora, sempre tem valências muito parecidas. O Sport tinha muito desses quesitos, o Bahia, a própria Ponte, quando fomos felizes. Primeiro o foco, depois a ambição de conquistar. Trabalho e maturidade direcionam uma equipe ao sucesso.

ge: Todo treinador gosta de valorizar as peças que tem. Para você, o Vina é o melhor meia do futebol brasileiro? Por que ele conseguiu ser um destaque do Ceará na temporada 2020/2021?
– Se eu falar só da boca para fora, sem mostrar dados, vai ser só a opinião do Guto. Agora há pouco eu ouvia uma matéria que chegou até mim, que mostrava que o Vina é o primeiro em assistências, primeiro em finalizações certas, acho que são cinco quesitos que ele é primeiro no Campeonato Brasileiro e dois que fica em segundo.

– Então fica difícil você dizer que ele não está entre os melhores, se não for o melhor. Acho que os dados mostram isso. Trabalhei com ele no Bahia, foi um momento de amadurecimento dele, depois passou pelo Atlético-MG e agora no Ceará é o momento que ele chegou num ponto de amadurecimento muito grande, onde ele tem noção do que precisa para conseguir esse sucesso. Tem trabalhado muito, feito sacrifícios e pago o preço para estar onde está.

ge: Sonhos e metas para 2021…
– Sempre sonho em fazer grandes trabalhos e vencer. O que me impulsiona é estar vencendo, o dia que não tiver a ambição de estar vencendo é a hora de parar. Estar no Ceará, não importa a competição que estejamos. Lógico que vamos ter os pés nos chão. Pode ser que a gente não tenha a condição de chegar ao topo de determinadas competições, como o Campeonato Brasileiro, mas vamos trabalhar para fazer o melhor. Se 2020, que termina agora em 2021, foi muito bom, permanecendo aqui vamos fazer um trabalho melhor. Fazer sempre um ano melhor, esse era o lema na Chape. Sempre um ano melhor e de repente você está colhendo grandes feitos.

ge: À medida que vem uma grande vitória, como foi contra o Flamengo, aumenta a expectativa, o torcedor fica mais ansioso para a partida seguinte. O que se pode aguardar dos próximos duelos?
– Você falou uma palavra pesada, que ela delimita muitas vezes você atingir ou não o objetivo, que chama expectativa. Quando cria uma expectativa muito grande e não atinge, você frustra. Quando limita uma expectativa menor e atinge uma maior, você surpreende. Eu prefiro trabalhar surpreendendo sempre, pensando grande, mas surpreendendo. São jogos muito difíceis, talvez mais difíceis do que tivemos com bom desempenho.

– À medida que você faz resultados como fizemos, como jogamos contra o Inter, uma boa partida, o adversário vem muito mais preparado para enfrentar, buscando explorar aquilo de deficiência que enxergou na sua equipe. Temos que fazer uma grande semana e ter uma mentalidade de enfrentamento muito mais forte para fazer um grande jogo e vencer o Bragantino. Ultrapassando o Bragantino, vamos aos 42 pontos e estaremos prestes a selar a permanência.

– Então vamos pensando na frente, jogo a jogo. O que tenho que dizer para o torcedor é que pode esperar. Se até aqui nós nos entregamos muito a esse trabalho, esse projeto, pode ter certeza que isso não vai parar, vamos até o limite para conseguir grandes coisas. Essas grandes coisas podem ser uma Sul-Americana sim, e de repente pode surpreender e ser algo maior.

ge: Quem é o mais comédia do elenco do Ceará?

– Aí fica difícil (risos), talvez seja o Alyson ou o Jacaré. Estão sempre brincando, mas o grupo todo é descontraído e é muito bom trabalhar com eles. (Globo Esporte)