Neste domingo, quando Flamengo e Palmeiras entrarem em campo para decidir a Supercopa do Brasil, às 11h, em Brasília, Galvão Bueno vai fazer algo inédito em 47 anos de carreira: voltar a narrar.
– Como é voltar? Não sei. Nunca voltei. Nunca tinha parado antes – disse Galvão.
Entre a Supercopa de 2020, último evento narrado por Galvão, e a Supercopa de 2021 foram 420 dias, 60 semanas, 14 meses. O que não significa que ele tenha ficado parado. Ao contrário. Nesta entrevista, concedida na última quinta-feira, Galvão conta como atravessou esse longo período – do engajamento em campanhas para ajudar quem mais precisa à redescoberta pela paixão por cozinhar – e revela o que mais lamentou não ter narrado em 2020.
Leia abaixo a entrevista com Galvão Bueno:
ge: Galvão Bueno ainda sente frio na barriga?
Galvão: – Depois de 14 meses nesse estúdio montado em casa, eu tenho certeza que vou sentir muito frio na barriga. Porque é um retorno, é um renascimento meu, do meu trabalho, do que eu amo fazer. Gostaria apenas que fosse em outras circunstâncias.
Como é voltar a narrar?
– Como é voltar? Não sei. Nunca voltei. Nunca tinha parado antes. Comecei em 1974, estamos em 2021, nunca passei mais de 15 dias sem fazer uma narração. Então não sei. Mas é como um jogador voltando de contusão, tem que se preparar. Fiz fono, cuidei da garganta, da voz, tudo para voltar da melhor forma possível.
Como vai ser?
– Vou fazer minha primeira viagem a trabalho em 14 meses. Vou para o estúdio da Globo, em São Paulo, com toda a segurança. Vou estar lá com o Caio, o Júnior vai estar na casa dele, e a reportagem vai estar no campo.
Como você atravessou essa quarentena?
–Tentei continuar trabalhando. Na Globo, nos jogos históricos da seleção brasileira, no “Bem, Amigos!”, no Seleção SporTV, nos meus negócios pessoais e me exercitando, porque estar bem fisicamente ajuda a mente a estar bem. Eu me dediquei muito em campanhas em prol dos mais necessitados. Eu talvez tenha sido uma das primeiras vozes a falar em TV aberta: “A pandemia veio pela elite, por gente que trouxe o vírus do exterior. E quando atingir as favelas?”. O resultado está aí, mais de 340 mil mortes.
O que aprendeu?
– A ter mais paciência. E voltei às panelas, uma antiga paixão, que é cozinhar, criar coisas novas, inventar. Eu me dividi entre minha casa em Londrina e a vinícola no Rio Grande do Sul, sempre isolado.
Surgiu algum hábito novo nesse período que não vai mais ser largado?
– A consciência, a obrigação que nós, privilegiados, temos de ter com a solidariedade. Muita gente fez muita coisa, mas estaremos melhor se todos fizermos alguma coisa. Isso dominou minha cabeça.
O que mais doeu nesse período?
– O que me dói muito são essas mais de 340 mil mortes, tantas famílias sofrendo. Perdi familiares, perdi amigos antigos, amigos recentes, companheiros queridos de trabalho. Mas não quero citar nomes aqui. Quero só dizer que estou ao lado daqueles que perdem a cada dia. É o que mais me dói, tantas mortes, essa dificuldade para vacinar as pessoas, o negacionismo.
Já tomou as duas doses da vacina?
– Sou um privilegiado. Tomei as duas doses em Candiota, um município pequeno do Rio Grande do Sul, mas muito importante para o agronegócio [onde Galvão tem residência e comanda uma vinícola]. Tomei com a minha carteirinha do SUS. Viva a vacina, viva a ciência!
Para alguém que se acostumou a narrar a história, como foi ver de longe fatos tão importantes como a morte de Maradona, por exemplo?
– É diferente. Mas, na parte esportiva, participei. Na morte do Maradona estive no Esporte Espetacular, no Jornal Nacional, tive um espaço grande no Globo Repórter. Acompanhei tudo, li muito. E acima de tudo tentei ajudar.
De tudo que aconteceu em 2020, o que mais gostaria de ter narrado?
– Escolher um gol específico é impossível, não vou conseguir achar. Mas eu queria muito ter narrado o título do Lewis [Hamilton]. Não por ser mais um título dele, mas porque é uma página que se vira na minha história. Estou na Fórmula 1 desde 1975; na televisão, desde 1980. Eu fiz a temporada de 1980 na Band, e agora a Fórmula 1 volta para lá. É uma página que se fecha para mim no esporte.
O que ainda quer narrar?
– Quero gritar que acabou a pandemia, que estamos todos vacinados, viva a ciência, viva a vida. Isso infelizmente não dá. Ainda. Mas eu quero.
Está emocionado por voltar?
– Emocionado eu estou agora [dias antes do jogo], imagina quando colocar o fone, acender a luz da câmera, me ver no monitor. Eu não sei o que eu vou falar. Mas olha o tamanho desse jogo: de um lado o Campeão da Libertadores de 2019, da Recopa de 2019, da Supercopa de 2019, bicampeão brasileiro. Do outro o campeão da Copa do Brasil de 2020, da Copa Libertadores de 2020, com uma mão na taça da Recopa. Eu vou deixar a perguntar aqui: qual é o melhor time do Brasil hoje?
O que quis dizer quando disse que preferia voltar em outra circunstância?
– Eu fico pensando muito nesse meu retorno à narração. Tenho 47 anos de profissão, completados agora em março. Nunca fiquei tanto tempo sem ir a um estádio ou um estúdio. Cheguei a fazer uma postagem: mais que um retorno, é um renascimento. Eu assim me sentia. Vou me entregar ao meu trabalho, me preparei para esse retorno. Vou tentar ser o vendedor de emoções que sempre disse que fui. Tem um jogaço. Mas eu preferia voltar em outra circunstância, eu preferia voltar com o futebol pensando no seu mundo, mas junto com o mundo. Preferia voltar um pouco mais para a frente. Com esse jogo, mas um pouco mais para a frente. Mas volto com o coração, com vontade, e não sei o que vai ser. Quando a luz acender, quando eu falar “Bem, amigos…”, não sei como vou me sentir, pode ser que eu chore. A emoção vai ser grande. (Globo Esporte)