Dois pilares compõem a estrutura do culto no Candomblé, o primeiro são os Orixás, divindades africanas caracterizados como elementos da natureza, ou como definiu o Professor Agenor Miranda – que é um notório sacerdote brasileiro – é um “vento sagrado” que toca, encanta e convive com seus filhos.

O segundo grande pilar da religião é a ancestralidade, que são os espíritos de pessoas que se encarnaram nesta Terra e dos quais somos descendentes, principalmente, como filhos espirituais.

Leia também:

-Candomblé, sinal de Esperança

O Candomblé em si se organizou como o conhecemos com a vinda dos africanos para o Brasil no período da escravidão. Os negros escravizados foram trazidos de diversas nações africanas e, aqui, vendidos aos latifundiários, mesclaram suas culturas e suas tradições religiosas.

Na África, a origem do Candomblé se chama Ifá, que com características próprias tem a mesma essência de culto às divindades Yorubás. O Ifá também é praticado no Brasil no modelo tradicional como acontece nos países africanos e tem atraído muitos adeptos, inclusive do Candomblé e da Umbanda, já que uma religião não exclui a outra e não limita as práticas que são próprias de cada uma.

Em Cuiabá, Mato Grosso, o Candomblé, nação Ketu, que tem suas origens na Nigéria (África), foi trazido pelo Babalawo Georg T’Odé, que é o presidente do Ilê Asé Egbe Ketu Omo Orisa Odé, casa que foi fundada em 1982. Babá Georg, como é comumente chamado, foi iniciado no Rio de Janeiro (RJ), em 1973, no Ilê Ase Odelessy, pelo Babalorixá Manoel Vicente, conhecido como Babá Odelessy, sendo, portanto, 46 anos de iniciação, dos quais 37 são dedicados à vida sacerdotal.

Dentro das características que compõem a ancestralidade está a tradição. No Candomblé, tradição significa a transmissão dos ensinamentos religiosos e culturais pelos mais velhos aos mais novos, e isso se materializa de diversas formas, principalmente, quando se abre uma nova casa de axé.

Quando o Ilê Asé Egbe Ketu Omo Orisa Ode foi inaugurado, inicialmente na Rua Alfredo Monteiro, 465, no bairro Lixeira, em Cuiabá, quem foi o responsável por plantar os fundamentos da Casa foi o Babá Odelessy, do Rio de Janeiro. O plantio de fundamentos é um ritual específico de consagração da casa de Candomblé, na qual os Orixás são materializados por meio de rituais sagrados que reúne uma série de elementos que passam a compor a energia específica das divindades Exu, Ogum, Oxossi, Xangô, Iansã, Oxum, Iemonjá, Oxalá, entre outras deidades.

Alguns anos depois de ter inaugurado a casa no bairro Lixeira, Babá Georg precisou mudar de local em razão do terreiro ter ficado pequeno para a comunidade que crescia mesmo enfrentando toda espécie de preconceito e descriminação na Cuiabá da década de 1980, que não estava acostumada com a religião de matriz africana. Foi então que se mudou para a Rua 46, bairro CPA 3, setor 4, em Cuiabá, onde está fixado até hoje. Como seu pai de santo já havia falecido, Babá Georg convidou o Babá Beto T’Ajunsun, em São Paulo, para plantar os fundamentos em sua nova casa.

Com a morte do Babá Beto em 1996, o Babá Georg foi até a sua Avó de Santo Iyalorixá Ana Tobin de São Paulo e ela o direcionou ao Olori Egbe Babá PC, (Silvanilto), que aceitou de imediato o convite e veio a Cuiabá, para os preparativos finais na tradição do Ilê Ase Oxumare de Salvador (BA), um dos mais importantes terreiros de Candomblé da Bahia.

Depois de algum tempo, Babá Georg também trouxe para Mato Grosso o Culto de Orunmilá Ifá. Para isso, foram trazidos sacerdotes africanos da cidade de Ibadan e Iwo, do Estado de Oyo, na Nigéria, África. Foram 14 travessias do Oceano Atlântico com destino em Cuiabá entre os anos de 2002 e 2016 para poder fundamentar a casa com as divindades próprias do culto de Ifá e preparar o solo sagrado do Igbo-Ifa e confirmar os assentamentos já plantados pelos sacerdotes brasileiros.

Agora, Babá Georg tem feito também um grande papel de transmitir a tradição dos assentamentos. Há três meses ele tem plantado os “axés” – Ojugbo são os locais sagrados de culto ao Orixá determinado, como também são conhecidos esse conjunto de elementos sagrados – no Ile Ase Egbe Osogbo Omo Orisa Osun, que será inaugurado em Várzea Grande, em 14 de setembro de 2019, em uma cerimônia na qual a Yamorô Edna t’Osun receberá o “Oiye Deka”, que é o maior título de honraria que uma pessoa da nossa religião pode receber, o título de sacerdotisa ou Iyalorisá dentro do Candomblé brasileiro. Antes disso, no sábado dia 7 de setembro, ela celebrará sua obrigação a Orixá Oxum – que é a renovação da iniciação -, na casa do Babá Georg, no bairro CPA, em Cuiabá.

Em uma analogia, os assentamentos são como usinas de energia ou como uma nascente, que abastece o terreiro com a força pura dos Orixás e dos ancestrais. O fato de ser feito por uma pessoa mais velha a uma mais nova se dá porque no Candomblé, são poucos os atos que alguém pode fazer por si próprio. O espírito de comunidade – Egbe – e família é comum na religião, na qual a hierarquia é considerada uma forma estrutural e indispensável, não no sentido de submissão, mas sim, como forma de respeito, manutenção da harmonia e cultivo do conhecimento que leva à sabedoria.

Por ser de tradição oral, quase a totalidade dos ensinamentos da religião são transmitidos de pai/mãe para filho nas práticas ritualistas, ensinamentos na vivência do cotidiano. Quando se é plantado um fundamento ou axé ocorre o mesmo, a energia dos elementos das forças naturais de nosso planeta Terra. Valoriza-se este ato de transmissão como forma de perpetuação e de partilha do conhecimento por anos adquiridos, do amor e das experiências vividas no dia a dia de louvor e culto ao Sagrado.

*VINÍCIUS BRUNO  é jornalista e candomblecista em Cuiabá.
CONTATO:  www.facebook.com/vinicius.bruno.50