A pandemia teve um efeito devastador no mundo e também na economia dos clubes. O Flamengo fez as contas e concluiu que deixou de ganhar no último ano R$ 110 milhões como efeito direto da Covid, principalmente com a ausência de bilheteria e queda brusca no número de sócios-torcedores – de 150 mil para 61 mil.
Com portões fechados, Flamengo deixou de ganhar R$ 110 milhões em 2020 — Foto: ge
Depois do 2019 mágico e do recorde de receita (R$ 950 milhões), o Flamengo vai publicar até o fim deste mês o balanço de 2020, que apontará a receita total de 670 milhões. Apesar de ter tido 23% a mais de renda com marketing e de ter reduzido custos, o clube encerrou o exercício com prejuízo de R$ 100 milhões.
– A Covid custou ao Flamengo R$ 110 milhões. E o impacto no orçamento foi de R$ 200 milhões (além dos R$ 110 milhões, mais R$ 90 milhões de receitas que entraram só em 2021, como a premiação do Brasileiro e direitos de transmissão) – disse Rodrigo Tostes, vice-presidente de finanças.
O ano foi difícil, e 2021 promete ser da mesma forma desafiador. Apesar de iniciar esta temporada com R$ 70 milhões em caixa, o Flamengo vai apertar o cinto. No planejamento, a única contratação com compra de direitos econômicos é a de Pedro (14 milhões de euros). Também está clara a necessidade de vender atletas e chegar ao valor total de R$ 140 milhões.
– No nosso orçamento, a contratação já foi feita: Pedro. Também está no orçamento uma previsão de vendas em janeiro (R$ 50 milhões), que já foi cumprida (Lincoln e Yuri César), e outra que precisa ser cumprida em julho (R$ 90 milhões). Não vamos fazer loucura. Não tem possibilidade disso. Existe um orçamento e precisa ser cumprido. Só vai comprar atleta depois que vender – disse Tostes.
Em entrevista ao ge, o vice financeiro Rodrigo Tostes e o diretor Fernando Góes esmiuçaram a situação financeira do clube. Apesar das dificuldades, existe a confiança de que o clube está saudável, mas que não pode dar passos maiores do que as pernas. E há a certeza de que a volta do público aos estádios é primordial para o Flamengo sustentar seu alto investimento.
Panorama das finanças rubro-negras:
- O clube teve o indicador financeiro Ebitda, que mostra geração de caixa, R$ 100 milhões positivo, mesmo com todos os problemas;
- Em função do alto investimento e outras variações, como a cambial, o prejuízo do exercício 2020 foi de 100 milhões, equivalente ao valor da perda de receita com bilheteria e sócio-torcedor;
- Aumento de 23% de receita com marketing;
- Redução de despesa operacional;
- Flamengo termina o ano com R$ 70 milhões em caixa;
- Endividamento financeiro (empréstimo bancário) equivalente ao de 2019 – cerca de R$ 60 milhões.
– Isso demonstra a capacidade do clube de reagir durante a pandemia e de se preparar para 2021, que seguirá sendo desafiador. O Flamengo não vai dar nenhum passo maior do que a perna. Teremos que ter mais precaução e caminhar mais devagar. Não estamos vendo previsão de as receitas voltarem. Nenhum clube é estruturado para viver sem bilheteria – disse Tostes.
Impacto da pandemia nas finanças do clube
FERNANDO GÓES: Em 2019 tivemos quase um bilhão em receita, e agora vemos o resultado da pandemia. Vamos fechar 2020 com R$ 670 milhões de faturamento. Somados bilheteria e sócio-torcedor, perdemos R$ 110 milhões. Isso não recuperamos mais.
RODRIGO TOSTES – O efeito da Covid para o Flamengo custou R$ 110 milhões em 2020. Os clubes maiores, que investem mais, sofreram mais porque têm uma receita recorrente de bilheteria e sócios maior. O clube contrata jogadores caros imaginando que vai ter receita de bilheteria. Para chegarmos a estes R$ 670 milhões, temos que agradecer muito aos 60 mil sócios que continuaram a pagar mesmo sem ter o benefício. Esses são os que mais temos que agradecer.
Rodrigo Tostes com Landim. VP de finanças voltou ao Flamengo em fevereiro de 2020 — Foto: Reprodução
Adiamento dos jogos atrasa entrada de receitas
RODRIGO TOSTES – Outros R$ 90 milhões tivemos que jogar para 2021, porque só podemos contabilizar a receita quando incorre realmente com o jogo. Como os jogos foram adiados, parte da receita foi passada para 2021. É dessa maneira que fazemos, porque somos auditados por uma das maiores empresas do ramo (Ernst & Young).
FERNANDO GÓES – A premiação do Campeonato Brasileiro (R$ 33 milhões) estava prevista para o ano passado. Ela faz parte destes R$ 90 milhões (que não entraram no balanço 2020).
Redução de custos em 2020
FERNANDO GÓES – Em comparação com 2019, conseguimos diminuir em R$ 50 milhões em custos. Na hora que somamos o que economizamos e o que deixamos de faturar, terminamos o ano fiscal de 2020 com prejuízo de quase R$ 100 milhões.
RODRIGO TOSTES – Se falamos que perdemos R$ 110 milhões por causa da pandemia, poderíamos ter zerado esse prejuízo. Comparado com 2019, em que tivemos uma performance alta, era para chegarmos até R$ 1,1 bilhão de receita.
Receita de marketing aumenta
FERNANDO GÓES: Nossa receita de marketing aumentou 23% em comparação com o ano anterior. É uma área que sempre tem desafios. As redes sociais impulsionaram. Existe uma forma de transformar o engajamento em receita. Investimos bastante na FlaTV, que começa a dar resultado.
RODRIGO TOSTES: Perdemos a bilheteria, mas ganhamos mais exposição na televisão. As pessoas estão assistindo mais televisão.
Prejuízo, mas com alguns indicadores positivos
RODRIGO TOSTES: Nosso Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foi positivo em R$ 100 milhões. Mas para calcular lucro ou prejuízo, é preciso colocar outras linhas que são redutores do Ebitda. Nossa operação mesmo sem as receitas perdidas por causa da Covid, foi de R$ 100 milhões. Só que temos um nível de investimento que diminui, e também a linha de variação cambial, que é o que ainda temos que pagar em moeda estrangeira, o que pode ser zerado no momento em que eu vendo um atleta.
O prejuízo não quer dizer que ficou sem dinheiro no final do ano. Pelo contrário. Nós geramos mais caixa do que tínhamos que gerar, porque economizamos em algumas coisas. Mas contabilmente é um prejuízo. O nível de investimento entra como redutor do Ebitda. Então, tivemos um Ebitda positivo de R$ 100 milhões, mas também tivemos um prejuízo de R$ 100 milhões. Mesmo com todos os problemas, o resultado foi positivo.
FERNANDO GÓES: A prova disso é que terminamos com um nível de caixa similar com o do ano passado. Terminamos dezembro com 70 milhões divididos em reais e moedas estrangeiras, porque temos também euro para fugir também da variação cambial.
“Só vai comprar atleta depois que vender”
RODRIGO TOSTES: Mesmo com todos os problemas, continuamos com os investimentos. Uma prova é o Pedro. Mas não aumentamos, ou aumentamos muito pouco, nossa dívida bancária. Não tivemos esse resultado de 70 milhões em caixa porque fomos no banco pegar mais dinheiro. Mantivemos o nível de investimento porque entendemos que precisamos ir, até um determinado ponto, para continuarmos a ser competitivos. E o Flamengo tem crédito para isso.
Mas não vamos fazer loucura. Não tem possibilidade disso. Existe um orçamento e ele tem que ser cumprido do ponto de vista de compra de atletas e também de venda. Só vai comprar atleta depois que vender. Precisamos manter o clube saudável e com as contas em dia. Não vamos abrir mão do que conseguimos. Essa é a orientação do presidente. Acima de tudo, temos que manter o Flamengo firme e saudável.
Podem perguntar o que é mais importante: ter títulos ou capacidade financeira? Temos que encontrar a equação para que as duas coisas aconteçam. Com um time de 50 milhões de dólares, é capaz de você ganhar tudo. Mas não adianta não pagar os salários no ano seguinte.
Flamengo segue em outro patamar?
RODRIGO TOSTES: Sem sombra de dúvida. Continua em outro patamar. É um ano desafiador, mas isso não muda. Queríamos estar com um outro nível de receita, mas, diante das circunstâncias, os números apontam que nossa capacidade financeira segue alta. Não vamos colocar isso em risco. Vamos fazer as adequações necessárias para passar essa tormenta que todos estão passando. Temos gordura e credibilidade.
O baque da pandemia afeta mais quem tem mais despesas. O trabalho que temos que fazer é o de manter o pulso firme sem abrir mão dos conceitos que nos trouxeram até aqui.
Desafios para 2021
RODRIGO TOSTES: O desafio maior de 2021 é o nível de incerteza que temos sobre as mesmas receitas que perdemos em 2020. Nenhum time do tamanho do Flamengo sobrevive sem bilheteria. Precisa. É parte fundamental.
Entendemos que não dá para voltar o público agora por causa da situação que vivemos, mas não é sustentável ter as despesas que clubes como o Flamengo têm e não ter uma das suas principais receitas. É um desafio enorme em 2021: manter a estabilidade financeira e ao mesmo tempo se manter competitivo. Não é um problema exclusivo do Flamengo.
Contas em dia
FERNANDO GÓES: Há algum tempo o Flamengo tem a prática de manter suas contas em dia. Salários, impostos… tudo.
RODRIGO TOSTES: Não temos dívida em aberto. Houve esse impacto dos R$ 110 milhões, mas readequamos. O Flamengo suporta esse planejamento que nós estabelecemos. Não temos conta em aberto, não temos dívida com fornecedor… e é um desafio enorme em um cenário que não sabemos o que vai acontecer.
Orçamento inicial de 2021 já comprometido
RODRIGO TOSTES: Vai ser um ano difícil, as pessoas precisam entender. O torcedor precisa entender, a administração precisa entender. O orçamento foi montado em outubro, com outra perspectiva. Aí perguntam se não estamos sendo muito otimistas. A curva de contágio mudou. Eu posso colocar que não vamos ter nada de receita, e aí vão dizer que é muito pessimista.
Precisamos de resiliência, seguir tendo capacidade financeira para cumprir os objetivos e compromissos, sem colocar em risco o plano de vencer tudo, que é o que queremos. Nesse momento não podemos dar passos maiores do que as pernas. E não vamos. Não pode. Primeiro temos que saber se vamos poder cumprir os compromissos.
Orçamento 2021, que terá que ser ajustado, prevê R$ 100 milhões em bilheteria — Foto: Reprodução
Necessidade de ajustar o orçamento de 2021
RODRIGO TOSTES: Quando foi aprovado, já combinamos com o Conselho de Administração que íamos eventualmente precisar fazer uma revisão no meio do ano, como toda empresa faz. Dentro das incertezas, vamos ter que ajustar. Sem sombra de dúvida.
Teremos que seguir o trabalho de redução de despesas. Não dá para fazer os investimentos que de repente gostaríamos, teremos que adiar. Como todas as empresas estão fazendo. E tentar aumentar receita onde é possível, baseado na experiência de 2020.
Temos oportunidades. As pessoas estão mais em casa. Precisamos encontrar soluções. Não adianta ficar chorando.
Orçamento 2021 tem previsão otimista para o desempenho do Flamengo — Foto: Reprodução
Pedro, a contratação de peso de 2021
RODRIGO TOSTES: Os investimentos estão feitos. Depois da pandemia, o Pedro foi uma das maiores compras no mundo na janela (14 milhões de euros, a terceira mais cara). Pagamos para Fiorentina a primeira parcela. O Flamengo tem capacidade para fazer.
FERNANDO GÓES: Quando se tem credibilidade, seu custo é menor. Oferece para pagar em determinado número de parcelas, porque o Flamengo tem o histórico. Um clube que não tem balanço aprovado, que não tem contas ajustadas, não consegue.
Em 2021 ainda temos que pagar o Pedro e Gabigol. São as mais relevantes. Mas ainda temos Michael e Léo Pereira ainda algo a pagar. O Michael foi renegociado, estamos pagando em prestações até o final do ano.
Fla já pagou a primeira parcela dos 14 milhões de euros por Pedro. Atacante será a grande compra de 2021 — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo
Relação da área de finanças com as outras pastas
RODRIGO TOSTES: Fazemos um trabalho de gestão, com acompanhamento dos resultados mensais. Não somos auditores. Com o futebol, fazemos reuniões semanais de acompanhamento dos investimentos, principalmente nas janelas, para saber o que andou, o que tem de compra e venda.
Muitas vezes existe uma confusão. Dizem que o departamento financeiro vetou. Deveria ser colocado “a capacidade financeira do clube vetou”. Temos um presidente que entende tanto de finanças quanto eu. Não leva mais do que 30 segundos para mostrar o que cabe o que não cabe.
FERNANDO GOÉS: E os orçamentos são feitos por cada área. Quem fez o orçamento de compra e venda do futebol, foi o futebol. Nos últimos dois anos, o clube vendeu cerca de R$ 500 milhões.
RODRIGO TOSTES: Precisamos gerar receita em moeda forte (dólar ou euro), porque normalmente as compras também são nessas moedas. É um desafio cada vez mais promover jogadores. Quando mais promove em cima, mais ele vale.
Onde crescer receitas em 2021?
RODRIGO TOSTES: Aposto muito na FlaTV, talvez não para 2021, mas para curto e médio prazo. Acho que é um caminho que temos que seguir, com geração de conteúdo próprio e monetizar. Falar direto com nosso cliente. Estamos investindo em uma maior base de engajamento. Chegou a hora de monetizar via redes sociais e via FlaTV.
Projeção para área de marketing
FERNANDO GÓES: No marketing, a primeira coisa que se pensa é no patrocínio da camisa (nota: atualmente o Flamengo não tem anunciante nas mangas e costas do uniforme). Mas não é só isso. Tem licenciamento, propaganda em rede social, número de camisas vendidas… o Flamengo acabou de ser campeão e vendeu um monte.