Logo após a Copa do Mundo de 2018, uma piada comum entre dirigentes sul-americanos era que, se pudesse, a Fifa faria todos os seus torneios na Rússia.
Apesar dos problemas políticos e falta de liberdade de expressão, o país havia realizado um mundial de organização impecável; Por um mês, o governo do país fez vistas grossas para o comportamento de milhões de turistas que não condiziam com os costumes russos.
O torneio sediado pelo Qatar termina neste domingo com a final entre Argentina e França. O final de um ciclo de 12 anos de polêmicas, questionamentos, mudança de data, denúncias e acusações contra a Fifa.
Em parte por causa da escolha do país do Oriente Médio, a entidade viveu seu mais traumático momento na história: o Fifagate, em 2015, o processo da Justiça americana que resultou em banimentos, condenações e prisões de dirigentes. Entre eles, o ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), José Maria Marin.
“Eu não tenho de defender o Qatar. Estou defendendo o futebol e [lutando contra] injustiça. Nós vemos aqui muitos representantes vindo para o Qatar”, disse o presidente da Fifa, Gianni Infantino, em apoio à primeira Copa em um país islâmico.
Como defesa da competição, ele usou várias hipérboles. Disse que a Copa de 2022 teve a “melhor fase de grupos da história”, foi a “melhor Copa do Mundo de todos os tempos”, deixou “um legado transformador”.
Seu antecessor, Sepp Blatter, havia dito que dar a sede para o Qatar havia sido um equívoco. Ele renunciou ao cargo por causa de denúncias de corrupção.
Foi uma estratégia que Infantino já havia utilizado quando, a dois dias da abertura, o Supremo Comitê da Entrega e Legado, responsável pela organização do Mundial, seguiu a decisão da monarquia e proibiu a venda de cervejas nos estádios da Copa. A permissão estava acertada em contrato. A 48 horas do primeiro jogo, não havia nada que a Fifa pudesse fazer.
Em vez de criticar os anfitriões, Infantino falou de preconceitos dos europeus e iniciou um discurso de que naquele dia se “sentia árabe”.
Os números apresentados pelo Qatar pouco antes e durante o Mundial parecem brigar com o que veem aqueles que estão no país para o torneio.
Foi divulgado que 98% dos ingressos foram vendidos e que a capacidade dos estádios acabou preenchida em praticamente todos os jogos. Mas algumas partidas da fase de grupos aconteceram com pelo menos a metade dos assentos vazios. Camarões x Sérvia e Austrália x Dinamarca, por exemplo, tinham grandes espaços desocupados nas arquibancadas. Mesmo assim, quando o público foi divulgado, o número correspondia a mais de 90% da lotação máxima.
A estimativa era que 1,4 milhão de pessoas viajariam ao Qatar para acompanhar as partidas. Mas o clima de Copa do Mundo, a não ser em poucos lugares turísticos ou em linhas de metrô que iam a estádios em dias de jogos, foi inexistente.
O Qatar ganhou, de forma surpreendente, o direito de sediar a Copa do Mundo em eleição realizada pela Fifa em dezembro de 2010. Desde então, o país e a Fifa conviveram com uma polêmica quase constante. As denúncias quanto à falta de direitos da massa de trabalhadores imigrantes, as mortes em obras de estádios, a falta de liberdade de expressão e as restrições à comunidade LGBTQIA+ aconteceram em looping. Quando uma acabava, outra começava.
Para fugir do verão do Qatar e suas temperaturas superiores da 50ºC, a Fifa mudou a data da Copa do Mundo pela primeira vez na história. Levou-a de junho para novembro.
“Podemos fazer outros Mundiais no inverno [europeu]”, disse Infantino, considerando, claro, que a experiência no Qatar foi um sucesso.
É uma declaração que dá esperança para outros países ricos da região, como a Arábia Saudita, ainda mais restritivos que o Qatar nas questões sociais, de sediarem o torneio.
A partir desta segunda, a Fifa respira aliviada porque o próximo ciclo mundialista promete trazer menos problemas e publicidade negativa. A Copa de 2026 será realizada, em conjunto, por Estados Unidos, Canadá e México.