Em meio a um momento delicado da Guerra da Ucrânia, com Moscou sofrendo reveses no front e acenando as cartas de uma ameaça nuclear, uma forte explosão destruiu neste sábado (8) parte da ponte que conecta o território russo à península da Crimeia, anexada pelo Kremlin em 2014.

A estrutura sobre o estreito de Kerch é considerada uma rota crucial de abastecimento para as tropas de Vladimir Putin no país invadido.

Autoridades russas afirmaram que um caminhão-bomba explodiu às 6h07 do horário local (0h07 em Brasília), o que na sequência provocou um incêndio em sete tanques de um trem que transportava combustível. Ao menos três pessoas, que estariam em um carro ao lado do veículo, morreram, segundo informações preliminares.

Vídeos nas redes sociais mostram partes das estruturas rodoviária e ferroviária destruídas, com um trem consumido pelas chamas. Uma câmera de segurança teria registrado o momento da explosão, e imagens capturadas a distância mostram uma fumaça espessa no horizonte.

De acordo com a imprensa de Moscou, Putin determinou a criação de uma comissão para apurar as causas e esclarecer a explosão, destacando o FSB (Serviço Federal de Segurança, uma das agências sucessoras da KGB) para reforçar medidas de proteção na ponte e na estrutura de eletricidade e gás que abastece a península.

O Comitê de Investigação russo, que lida com crimes graves no país, informou ter identificado o dono do caminhão, um morador da região de Krasnodar, no sul da Rússia. O tráfego local chegou a ser interrompido; após o controle do incêndio, voltou para trens e, dez horas após a explosão, de forma parcial para carros e ônibus no trecho não danificado -ao menos dois segmentos colapsaram em um dos lados da ponte. Um serviço de balsa foi acionado para veículos maiores.

Ainda que não esteja claro se o episódio foi um ataque deliberado, posto que nenhuma das partes o reivindicou nem culpou o outro com todas as letras, ele desencadeou nova guerra de versões, seguindo o padrão do conflito.

Alas radicais em Moscou definiram a explosão como declaração de guerra de Kiev. Segundo o jornal The New York Times, um membro do Parlamento da Crimeia disse que qualquer coisa menos do que uma resposta “extremamente dura” mostraria fraqueza, o que, em última instância, poderia ser a senha para uma ação nuclear tática -como já defendido por figuras como o ex-presidente Dmitri Medvedev.

A porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova, declarou que a destruição de infraestrutura civil “prova o caráter terrorista do Estado ucraniano”, palavras que já foram ouvidas com sinal trocado do outro lado.

Um assessor do presidente Volodimir Zelenski, por sua vez, insinuou responsabilidade de Moscou. “O caminhão foi detonado, segundo as indicações, entrando na ponte pelo lado russo, então respostas devem ser buscadas na Rússia”, escreveu Mikhailo Podoliak. À Reuters, sem mais elaborar, ele disse que o caso seria indicativo de uma disputa entre o FSB, empresas privadas e o Ministério da Defesa.

Como outras autoridades ucranianas que desde o início do conflito citavam a ponte como alvo potencial, ele não escondeu sua satisfação, dizendo no Twitter que a ação era “só o começo”. “Tudo que é ilegal deve ser destruído, toda a ocupação russa deve ser expulsa.”

O chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa, Oleksii Danilov, publicou nas redes sociais um vídeo da ponte em chamas ao lado de outro de Marilyn Monroe cantando “Feliz aniversário, senhor presidente” -Putin completou 70 anos nesta sexta (7).

O serviço postal da Ucrânia informou neste sábado que imprimirá um selo especial para a explosão.

Em outros comentários neste sábado, restou evidenciado o caráter estratégico e simbólico da ação. O Ministério da Defesa em Moscou se apressou a dizer que rotas por terra e mar garantiriam “suprimento total” para as tropas no país vizinho. Administradores regionais também afirmaram que têm estoques de alimento e combustível para mais de um mês.

“Fiquem calmos, não entrem em pânico”, pediu o governador de Sebastopol, Mikhail Razvojaiev.

Ao buscar garantir que o episódio “não vai afetar muito” o abastecimento militar na região de Kherson, porém, o vice nomeado pela Rússia, Kirill Stremousov, ponderou que sim, “haverá problemas de logística na Crimeia”.

A península foi anexada em 2014, após a queda do governo pró-Kremlin na Ucrânia, sem um único tiro. Quatro anos depois, a gigantesca ponte, de 19 km de extensão e US$ 7 bilhões, foi inaugurada para se tornar um dos símbolos da união. Putin esteve presente na pomposa inauguração e definiu a conexão sobre o estreito de Kerch, que separa os mares Negro e de Azov, como um milagre.

Para além desse simbolismo ou do feito de engenharia, a estrutura hoje representa uma importante rota de abastecimento para as forças do Kremlin nas recém-anexadas -em referendos de fachada- áreas de Kherson e Zaporíjia e no porto de Sebastopol, principal cidade da Crimeia.

Nas últimas semanas, ataques contra alvos russos na península levaram pânico aos moradores. Os êxitos da contraofensiva ucraniana foram responsáveis por aumentar a pressão sobre Putin, que determinou no mês passado a mobilização de 300 mil reservistas -após a decisão, o russo registrou a primeira queda de sua popularidade desde a invasão do vizinho, de 83% para 77%, segundo o instituto independente Levada.

Os sucessivos reveses depois renovaram as ameaças de uma guerra nuclear contra o Ocidente.

Neste sábado, o chanceler Serguei Lavrov disse que, na verdade, são os rivais que buscam colocar essas palavras na boca do Kremlin, recorrendo a “mentiras e manipulações” para elevar a tensão no conflito. “O Ocidente distorce tudo na tentativa de mostrar que é a Rússia que supostamente está expressando ameaças nucleares”, disse, segundo a agência de notícias Tass. “Estamos acostumados com isso.”

Na quarta (5), Putin finalizou a sanção das leis regulando a anexação do equivalente a cerca de 15% da Ucrânia, a maior tomada territorial à força na Europa desde a Segunda Guerra. O Kremlin continuou sem definir exatamente quais fronteiras estão previstas na absorção denunciada como ilegal no exterior.

Numa tentativa de conter o avanço ucraniano, o Ministério da Defesa disse já ter alistado 200 mil dos 300 mil reservistas que deseja para combate e que alguns poderão estar em ação já em novembro.

Fonte: FOLHAPRESS