Uma pistola de pintura tatuada nas costelas é uma das provas de que Julia Vasconcelos, ex-atleta olímpica do taekwondo brasileiro, é apaixonada por sua atual profissão. Aposentada do esporte desde 2018, quando pendurou as luvas, aos 25 anos de idade, ela rumou em direção a um novo país – e a outros trabalhos.
Cinco anos atrás, em Nova Jersey (EUA), Julia Vasconcelos chegou apenas com uma mala nas mãos. Iniciou seu trabalho na pintura, fez bicos em um lava-jato e, à noite, encontrava tempo para dar aulas de taekwondo. O dia a dia era para lá de extenuante.
– Em Nova Jersey tem muito brasileiro. Os homens vão para a construção civil, enquanto as mulheres optam pela limpeza. Eu nunca tive jeito nenhum para limpar, então experimentei a pintura. E ela me escolheu, porque me apaixonei, aprendi aos poucos. Antes disso, jamais havia encostado em um pincel – conta, em entrevista ao ge.
Julia Vasconcelos, ex-atleta olímpica do Brasil, tem nova profissão — Foto: reprodução/Instagram
Embora estivesse em processo de aprendizado, Julia Vasconcelos conta que precisou lidar com o fato de estar lavando carro, apenas dois anos depois de disputar as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Eram realidades muito distintas em um curto espaço de tempo. Não foi fácil assimilar.
– Eu não tinha carro, andava de ônibus, de bicicleta, em um frio de 23 graus negativos. Era duro, não dava para juntar dinheiro. Psicologicamente, eu pensava: “Estive em uma Olimpíada e, hoje, estou lavando carro”. Isso me “pegava”. Eu me mantive firme, sabia que era temporário, passo a passo. Eu falava: “Eu me recuso a passar o resto da minha vida fazendo isso”. Esse perrengue todo me ajudou. Eu ainda vou escrever um livro, porque foi muita luta, ralação. Muita gente pensa que a vida nos EUA é ganhar rios de dinheiro de cara. Dá para ganhar dinheiro, de fato, mas sou imigrante. Hoje eu consigo tirar férias, antes… jamais.
Julia Vasconcelos parou de lutar em 2018 — Foto: Arquivo Pessoal
Em 2018, o plano era retornar ao Brasil em alguns anos para ficar perto da família e se afastar das dificuldades e da solidão da vida nos Estados Unidos. Entretanto, após o início da pandemia da Covid-19, mudou de ideia. E, ao se aperfeiçoar no ramo da pintura comercial, engrenou. Em março de 2022, abriu uma empresa, a Dos Santos Painting. Além disso, se mudou para a cidade americana de South Lake Tahoe, em Nevada, onde mora com a noiva, a quem conheceu em São Francisco.
– Coloquei meu outro sobrenome na empresa, porque o Vasconcelos é difícil para os americanos falarem. Aqui o custo de vida é alto, então os clientes são exigentes, é menos produção e mais qualidade. Trabalho sozinha, mas planejo formar um time feminino este ano para pintar casas por dentro e por fora. Aqui é um lugar seguro, lindo e maravilhoso. É muita qualidade de vida, daqui não saio, daqui ninguém me tira. Penso em voltar ao Brasil só para visitar, não mais para morar. Estou focada 100% em fazer a minha companhia crescer – declarou a ex-atleta, que projeta seu casamento para o segundo semestre.
Julia representou o Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016 — Foto: Andrew Medichini/AP Photo
O trabalho braçal faz com que Julia Vasconcelos não se preocupe muito com atividades físicas. Treina boxe de vez em quando, mas passa longe do taekwondo. O histórico olímpico na modalidade, porém, ainda abre portas nos Estados Unidos.
– Não treino mais taekwondo. De vez em quando, faço boxe, gosto bastante. Meu trabalho é muito físico, não me preocupo muito com atividade física. Na época do taekwondo eu perdia muito peso. Minha categoria olímpica era 57kg, sofria muito, então não me dá saudade nenhuma. Aqui não tem boas escolas de taekwondo, então não serve se for treinar por treinar. Eu acompanho os amigos na ativa, as competições, mas saudade de treinar e competir… já foi (risos)!. O que me ajuda a conquistar a simpatia dos clientes é dizer que fui atleta olímpica. Eles abrem o olho na hora. Os americanos valorizam muito o esporte e quem chega às Olimpíadas. Eu uso isso como minha bagagem.