Pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos Estados Unidos, liderados pela bióloga Tina Wang, colocaram em xeque a ideia disseminada de que, para os cães, um ano de vida equivale a sete anos de um ser humano. De acordo com a crença, adotada até por veterinários, a comparação de idade entre as espécies se daria assim: um filhote canino de 1 ano equivaleria a uma criança de 7 anos e um cão mais maduro, com 7 anos, seria como uma pessoa de 49 anos.

Artigo publicado na revista “Cell Systems” descreveu a análise do DNA de 104 animais da raça labrador, de 0 a 16 anos, para traçar um paralelo mais preciso entre o envelhecimento canino e humano. A principal descoberta foi de que existe, sim, uma correlação entre as idades das duas espécies, mas que ela não é linear como reza a sabedoria popular.

Analisando amostras de sangue dos labradores, a equipe coordenada por Wang verificou que os cachorros envelhecem mais rápido nos primeiros anos. Com o passar do tempo, o ritmo de envelhecimento desacelera: é como se com 1 ano, o cachorro tivesse 30 anos humanos; com 4 anos, sua idade biológica equivale a 52 anos de um homem.

“Rugas” moleculares

O método usado para medir e comparar as diferentes fases do desenvolvimento e o envelhecimento entre cães e humanos foi quantificar a metilação do DNA, ou seja, como grupos metila (conjunto de três átomos de hidrogênio e um de carbono, CH3, com um elétron livre) se incorporam ao material genético com o passar do tempo.

De acordo com a bióloga Clarissa Carvalho, doutora em biologia evolutiva pela Universidade de Sheffield, no Reino Unido, os padrões de metilação funcionam como “rugas” moleculares que indicam a idade de células, tecidos ou organismos com precisão. No jargão da biologia, essa relação entre os níveis de metilação do DNA e o tempo de vida dos organismos opera como um relógio epigenético. A epigenética estuda mudanças no funcionamento dos organismos que ocorrem sem que a sequência de bases do DNA tenha sido modificada, como é o caso das alterações causadas pelas metilações.

“O padrão de metilação do DNA em um organismo varia ao longo da vida”, explica a veterinária Maria Lucia Zaidan Dagli, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP). “Essa é uma característica das alterações epigenéticas. Elas podem ser modificadas por fatores internos do indivíduo, como idade, estado reprodutivo, tipo de alimentação, exercício físico, entre outros, bem como por fatores externos, dentre eles a poluição do ar.”

Relógio epigenético

Todos os mamíferos, esclarece a pesquisadora, passam por estágios semelhantes na vida: embriogênese, nascimento, infância, juventude, adolescência, maturidade e senescência.

“Para comparar as idades epigenéticas humana e canina, os autores identificaram nos cães regiões genômicas evolutivamente conservadas, que ao mesmo tempo são próximas da nossa espécie”, explica Carvalho.

O passo seguinte foi sequenciar o DNA de cachorros de diferentes idades para obter informações sobre a metilação nessas regiões específicas do material genético. Finalmente, os pesquisadores da Califórnia compararam os padrões de metilação caninos com resultados anteriores observados em humanos para investigar se as mudanças ao longo do tempo se assemelham entre as espécies.

A partir das similaridades observadas, os autores chegaram a uma equação que estima a idade correspondente entre cães e homens. Para Carvalho, “além de ter uma precisão maior do que a proporção de um ano canino para sete anos humanos, esse cálculo se encaixa perfeitamente nas fases da vida dos mamíferos, passando por infância, adolescência, maturidade e velhice”. É importante ressalvar que esse relógio epigenético proposto pelo estudo tem limitações, já que usou DNA de uma raça específica (labrador), enquanto é sabido que algumas raças de cães vivem mais do que outras.

Nova escala

A pesquisa contou com duas colaborações importantes. A médica veterinária Danika Bannasch, da Universidade da Califórnia em Davis, coletou e forneceu o material genético dos labradores. E a análise de DNA foi supervisionada pela pioneira no sequenciamento do genoma canino, a geneticista Elaine Ostrander, chefe do Departamento de Genética de Câncer e Genômica Comparativa do National Human Genome Research Institute (NHGRI), que integra os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos.

O time gerou um modelo, traduzido em um gráfico, que explica em detalhes como a curva de envelhecimento canino progride de maneira logarítmica em vez de linear, como se convencionou até agora. Como aos 9 meses de idade um cão já é capaz procriar, não é de espantar que ao completar 1 ano de vida ele tenha idade equivalente a 30 anos humanos.

A cronologia canina segue mais ou menos assim: aos 2 anos, a idade equivale a 42 anos; aos 4 anos, 52; aos 7 anos, com idade equivalente a aproximadamente 60 anos para um homem, o envelhecimento desacelera bruscamente, tanto que aos 9 a idade equivale a 65 anos humanos (ver tabela abaixo).

Importância também para humanos

Mas por que, afinal, escolher os cães como objeto dessa investigação epigenética? De acordo com Trey Ideker, professor dos departamentos de Medicina e de Bioengenharia e Ciências da Computação na UCSD, em entrevista concedida a órgãos da própria universidade, “cães são animais interessantes para estudar porque, ao viverem tão próximos de nós, estão expostos aos mesmos fatores ambientais e químicos que afetam os humanos ao longo da vida, além de receber cuidados de saúde parecidos com os nossos”.

Ideker explica ainda que entender melhor o processo de envelhecimento pode orientar diagnósticos e tratamentos veterinários, além de servir para o desenvolvimento e avaliação de medicamentos antienvelhecimento – nesse caso, para humanos.

Para Dagli, a importância do estudo se estende para todos nós, pois pode ajudar nos estudos de doenças e novas terapias para a espécie humana. “O principal desdobramento da pesquisa refere-se ao que já vem sendo feito, que é o uso dos cães como modelo de doenças para os seres humanos”, sustenta. “Há diversos estudos nos quais são testados novos fármacos em pacientes caninos e, se provadas a eficácia e a segurança nessa espécie, esses fármacos poderão passar a ser testados em humanos.”

(TIAGO JOKURA | REVISTA PESQUISA FAPESP)