Você procura se impor ou tenta se adaptar frente às adversidades da vida? Pois o Palmeiras escolheu se adaptar. Pensando em anular os pontos fortes do adversário, o técnico Abel Ferreira mudou a estrutura tática do Palmeiras na vitória de 3 a 0 no River Plate, em plena Argentina, pela semifinal da Libertadores.
Ao contrário do que a escalação sugeria, o Palmeiras jogou num autêntico 5-4-1. Isso mesmo: cinco defensores, sendo três zagueiros e dois alas. No caso, Gabriel Menino e Viña jogaram como alas, e Marcos Rocha fez a função de um terceiro zagueiro pelo lado direito. Após alguns sustos nos 15 minutos iniciais, a defesa com cinco do Palmeiras se ajustou e passou a atuar de forma mais alinhada.
O gol de Rony, em falha de Armani, jogou o emocional contra o River e permitiu o controle completo de uma das melhores atuações de um time brasileiro na Libertadores nos últimos anos.
Como Abel Ferreira chegou nessa estratégia?
Quando você procura se adaptar às situações da vida, o mais importante é ler bem aquele momento. Entender o jogo. Buscar caminhos que possam ser explorados. Na primeira semana cheia de treino em muito tempo, Abel Ferreira leu o River Plate e descobriu que o 4-1-3-2 de Gallardo é um time que joga em tabelas. Funciona assim: Enzo Pérez se aproxima dos zagueiros e os laterais dão bastante amplitude. Sobram cinco jogadores, os mais rápidos e técnicos do River, que fazem o movimento da imagem abaixo: se aproximam para jogar curto, girar, se movimentam e tocam rápido a bola.
Ponto forte do River Plate são as tabelas por dentro — Foto: Reprodução/Léo Miranda
Abel queria neutralizar essas tabelas e a forma que treinou para esse objetivo foi a linha de cinco defensores. Menino e Viña como alas e Marcos Rocha como um terceiro zagueiro, como na imagem. Isso fazia com que o Palmeiras tivesse proteção contra as tabelas do River, porque Danilo e Patrick se juntavam aos zagueiros e havia uma situação de igualdade numérica aí: cinco contra cinco.
Estratégia de Abel Ferreira foi pensada para bloquear o meio-campo do River — Foto: Reprodução/Léo Miranda
A linha de cinco tinha uma meta clara: acabar com as tabelas do River.
O que é uma tabela? O famoso “2-1” que escutamos nas escolinhas de futebol? Imagina assim: você está com a bola e quer ir para frente. Então você toca para um companheiro e corre para frente. O companheiro protege, espera um marcador vir e depois toca no espaço gerado pelo deslocamento do adversário. Você recebe a bola livre, com tempo e espaço. A tabela é uma forma antiga e sempre efetiva de tirar zagueiros do lugar e criar espaço.
A linha de cinco do Palmeiras foi pensada para neutralizar essa jogada porque garantiu pressão na bola e proteção imediata caso algo desse errado. Vamos ao exemplo: o River faz o movimento característico de jogar por dentro, e lá está a linha de cinco da defesa. O jogador com a bola toca para o companheiro – que está sendo marcado por Rony e depois por Patrick, bem no meio.
River Plate se prepara para fazer uma tabela por dentro do campo — Foto: Reprodução/Léo Miranda
Qualquer time no mundo iria fazer o seguinte: quem está atrás do adversário sai do seu lugar e vai tentar marcar. Geralmente é um zagueiro. Se o time joga com quatro defensores, sobra apenas um zagueiro atrás….a linha de cinco fazia com que o Palmeiras tivesse uma segunda muralha nesse momentos. Marcos Rocha sai para pressionar a bola e a defesa continua preenchida. Veja que o jogador que dá o passe não consegue receber de volta…e a jogada termina por ali.
Marcos Rocha foi uma espécie de stopper, saindo da linha para limpar jogadas — Foto: Reprodução/Léo Miranda
A linha de cinco casa com as características dos jogadores. Marcos Rocha é conhecido por desgarrar, pressionar e perseguir adversários. Como zagueiro, ele consegue fazer isso sem desproteger o time. Não apenas na direita. Essa situação de alguém da linha saindo para pressionar acontecia o tempo todo, como Viña, que tem um grande potencial físico e saía da linha o tempo todo com a cobertura de Empereur e até de Gustavo Scarpa.
A partir dos 20 minutos, a linha de cinco começou a se estabilizar — Foto: Reprodução/Léo Miranda
O que deu certo e o que deu errado?
Agora que você entendeu a lógica de Abel e a aplicação em campo, é hora de ver o que deu certo e o que deu errado.
- A linha de cinco do Palmeiras teve algumas falhas nos 15 minutos iniciais de grande pressão
- Após o gol, River se abalou e Palmeiras controlou o jogo
Por que que o Palmeiras sofreu tanto nos quinze minutos iniciais? É só olhar para campo e bola: Gabriel Menino ainda estava dividido entre marcar o lateral bem aberto do River e cumprir a linha de defesa. Essa dúvida causava desequilíbrio na defesa, que ficava com quatro jogadores. Marcos Rocha continuou fazendo seus movimentos de saltar e pressionar, como na imagem…
Nos primeiros 15 minutos, Palmeiras teve dificuldade em encaixar essa defesa com cinco jogadores — Foto: Reprodução/Léo Miranda
Mas lembra que a ideia era segurança? Se ele fazia isso e era driblado, os dois zagueiros do Palmeiras tinham que sair da área e ir pressionar a bola. Isso deixava um espaço imenso para Viña cobrir, e pior: todo mundo longe do gol! O River chegou apostando no jogo direto, enganando o meio do Palmeiras e explorando essa pequena dúvida de Menino e Rocha nos minutos iniciais. Veja que a grande defesa de Weverton é gerada por uma falha tática lá atrás.
Gustavo Gómez e Empereur tinham que sair de frente do gol quando a linha ficava desprotegida — Foto: Reprodução/Léo Miranda
Por que o Palmeiras melhorou tanto após os vinte minutos? Porque a defesa passou a jogar mais perto do gol. Não subia tanto. No tatiquês, isso é chamado “bloco baixo”. Essa muralha conseguiu neutralizar as ligações diretas do River e fez com que os argentinos ficassem mais com a bola, trabalhando passes, tentando as tabelas que o Alviverde neutralizou tão bem.
Muito compacto, 5-4-1 do Palmeiras fechou espaços do River — Foto: Reprodução/Léo Miranda
A estratégia de Abel permitiu que Danilo e Patrick jogassem mais avançados para pressionar os meias do River — Foto: Reprodução/Léo Miranda
Isso se chama controle de jogo. Controle da situação. Entender a situação e se moldar a ela de forma que o adversário fez exatamente o que Abel queria que ele fizesse.
Olha só como futebol é complexo e lindo, ao mesmo tempo: tudo começa no estudo do adversário, vai para o treino, é conversado e debatido com os jogadores e depois executado em campo. Quando o jogo acaba, o técnico revê a partida e olha o que deu certo e o que deu errado. Deu muito certo para o Palmeiras, assim como já deu errado. A linha entre uma vitória e uma derrota é a execução de uma ideia, o quanto ela é aceita pelos jogadores e colocada em campo.
E também pelos detalhes de quem tem um elenco mais forte do que Luxemburgo pensava: Rony se projetando e acreditando no rebote para abrir o placar, o pivô magistral de Luiz Adriano no segundo gol e a bola parada parecida com a do Borussia no terceiro. O Palmeiras criou duas chances claras no segundo tempo, podia ter feito mais. Controle emocional de fazer inveja a qualquer um e ainda colocando a maior equipe da América na década na roda, com um expulso.
Gol Rony River Plate x Palmeiras — Foto: Staff Images/Conmebol
Uma vitória simplesmente histórica, pelo contexto e pelo adversário.
Jogo que começa lá na mente de Abel Ferreira. Na virada do ano. Nos tapes que ele e sua comissão viram dos jogos do River, na conversa com os jogadores, no convencimento, no treino do que deveria ter sido feito. É possível vencer de vários jeitos: com posse ou sem posse, defendendo ou atacando, na imposição do próprio estilo ou na adaptação. O Palmeiras escolheu se adaptar e sai perto de sua quinta final de Libertadores. (Globo Esporte)